jueves, 20 de marzo de 2025

Torres, Carlos Alberto (org.) (2001). Paulo Freire e a Agenda da Educação Latino-Americana no Século XXI. Resenhado por Professor Gomercindo Ghiggi y Professor José Lino Hack

 

Torres, Carlos Alberto (org.) (2001). Paulo Freire e a Agenda da Educação Latino-Americana no Século XXI. Buenos Aires: Clacso e Asdi.

Pp. 360

ISBN 950-9231-63-0

Resenhado por
Professor Gomercindo Ghiggi
Professor José Lino Hack
Universidade Federal de Pelotas

20 de junio de 2002

Resumo

Para bem garantir o objetivo de pensar o presente, a obra organizada por Carlos Alberto Torres, expõe a contribuição de 14 intelectuais com representatividade suficiente para desafiar o mundo da educação à reflexão. Os autores, em sua grande maioria (e com particular densidade), retomam o legado de Freire para afirmar a esperança num mundo mais justo para todos; colocam-se a favor da escola pública; e fazem consistente defesa de modelos pedagógicos a serviço da igualdade de oportunidades em educação. Forte e insistente é, na obra, a crítica ao modelo de globalização imposto pelo neoliberalismo, em especial na América Latina. Os autores, passando por qualificada crítica ao mundo globalizado por critérios de mercado, colocam-se ante a tarefa de construir perspectivas democráticas e qualificadas para enfrentar, com esperança, os desafios do tempo presente. Para realizar as tarefas apontadas, frente às quais colocam-se os/as autores/as da obra em questão, a texto divide-se em três densas partes: () Dilemas da Educação; () Temas de Política Pública e ()Paulo Freire e a Educação Popular.

Na 1ª Parteescrevem Adriana Puigrós (Educación y poder: los desafios del próximo siglo), Carlos Alberto Torres (Grandezas y miserias de la educación latinoamericana del siglo veinte), Roberto Rodríguez Gómes (La universidad latinoamericana y el siglo XXI: Algunos retos estruturales) e Moacir Gadotti (Pedagogia da terra: Ecopedagogia e educação sustentável).

Na 2ª Parte apresentam suas reflexões Hugo Russo (La Educación: sigue siendo estratégica para la sociedad?), John Swope (Information broker: un nuevo profesional y la toma de decisión en políticas públicas en educación), Carlos Mora-Nince (La observacón dialéctica: problemas de método en investigaciones educativas), Margarita Victoria Gomez (Educación a distancia y cátedras libres: reflexionando sobre emergentes en el contexto de la educación latinoamericana) e José Willington Germano(Mercado, universidade, instrumentalidade).

Na 3 Parteescrevem Ana do Vale (A influência da pedagogia freireana na formação sindical docente), Bianco Zalmora Garcia (Projeto político-pedagógico, autonomia e gestão democrática da escola: uma perspectiva habermasiana), Pedro Demo (Conhecimento e aprendizagem: atualidade de Paulo Freire), Afonso Celso Scocuglia (A progressão do pensamento político-pedagógico de Paulo Freire) e Peter Lownds (Notas de um educador popular em Los Angeles: una leitura do mundo dos imigrantes latino-americanos no sul da Califórnia).

Resenha

Para bem garantir o objetivo de pensar o presente, a obra organizada por Carlos Alberto Torres, expõe a contribuição de 14 intelectuais com representatividade suficiente para desafiar o mundo da educação à reflexão. Os autores, em sua grande maioria (e com particular densidade), retomam o legado de Freire para afirmar a esperança num mundo mais justo para todos; colocam-se a favor da escola pública; e fazem consistente defesa de modelos pedagógicos a serviço da igualdade de oportunidades em educação. Forte e insistente é, na obra, a crítica ao modelo de globalização imposto pelo neoliberalismo, em especial na América Latina. Os autores, passando por qualificada crítica ao mundo globalizado por critérios de mercado, colocam-se ante a tarefa de construir perspectivas democráticas e qualificadas para enfrentar, com esperança, os desafios do tempo presente. Para realizar as tarefas apontadas, frente às quais colocam-se os/as autores/as da obra em questão, a texto divide-se em três densas partes: () Dilemas da Educação; () Temas de Política Pública e ()Paulo Freire e a Educação Popular.

Na primeira parte(Dilemas da Educação) escrevem Adriana Puigrós, Carlos Alberto Torres, Roberto Rodríguez Gómes e Moacir Gadotti.

Adriana Puigrós, intitulando seu texto "Educación y poder: los desafios del próximo siglo", desvela o quadro de incertezas que rondam a educação no início do século XXI. Inicia sua reflexão cercando-se de questionamentos de Carlos Fuentes, pensando na América Latina: a pergunta é pelo nível de inserção necessário na denominada civilização, quando as tarefas para a educação estão sendo redefinidas. Discutindo educação e poder e tomando, para análise, o caso do México, a autora lembra que a partir do final da década de 60 o Estado conduziu a organização social por ações repressivas e por amplas reformas. Os movimentos contrários, por sua vez, não passavam de ações de resistência, o que, em última instância, é considerado pela autora como comportamento de conservação... Lembrando Fukuyama, Adriana expõe as estratégias atuais do capitalismo, que assim podem ser traduzidas: fazer a crítica e a auto-crítica antes que os subdesenvolvidos façam a revolução. Ou seja, a crítica ao neoliberalismo por seus próprios produtores traz consigo conteúdo intrigante: é provável que chegue num momento cômodo demais aos modelos hegemônicos, produtores do sistema único, destruidores dos estados nacionais, com acentuada desnacionalização da economia, de modelos políticos e culturais. Lembrado por Adriana, Fukuyama teme os efeitos de "um extremo individualismo", outorgando valor especial à relação entre "el indivíduo y la comunidad". Fukuyama, conforme reflexão de Adriana, está bem acompanhado pelo "financista George Soros". Ambos recomendam "cautela, autocrítica, conciencia de la falibilidad, reflexividad" para abrandar os efeitos de suas teorias. Ante o quadro posto, Adriana, firmada na indignação e na esperança, sem propor que nos rendamos ao neoliberalismo, convoca: "es necesario realizar un nuevo contrato entre los sectores progresistas y los setores políticos neoliberales que se inclinam por promover políticas sociales", clamando para que não permaneçamos agarrados à "la melancolía por la utopía perdida". Adriana, particularmente para o campo da educação, reforçando a sempre necessária presença do Estado, faz clara e sólida defesa do conceito de público não exclusivamente atado aos mecanismos e controles estatais. Embora sem referenciar Freire, a autora bem lembra as reflexões freireanas ao declarar a importância da afirmação do espaço público educativo, "como lugar en el cual deben crecer nuevos sujetos pedagógicos y alternativas democráticas a la educación tradicional", defendendo uma educação "masiva, pública, democrática" com o que se "puede construir nuevas opciones sistemáticas progresistas", quando o"relativismo cultural no debe justificar la exclusión".

Carlos Alberto Torres, intitulando sua reflexão "Grandezas y miserias de la educación latinoamericana del siglo veinte", busca expor evidência empírica e argumentação para mostrar avanços e retrocessos, grandezas e misérias da educação latinoamericana, apontando, a partir disso, desafios para a educação no século XXI. Inicia o texto refletindo "El siglo de la educación: consideraciones preliminares ." Declara que o século XX está marcado pela ampliação de oportunidades educativas, a todos, na América Latina. Lembra o papel do Estado e o aumento de recursos despendidos, melhorando "sustancialmente la igualdad de oportunidad educativas para los pobres, imigrantes, niñas y mujeres, así como para los indígenas." Agregada a tais medidas, o autor lembra os esforços que têm sido realizados para "la retención de estudiantes" na escola. Torres lembra, da mesma forma, que o tema da qualidade e da relevância da educação tem sido preocupação "secular" de pensadores, argumento da Ilustração, cujas teses foram aceitas pelo mundo latinoamericano. A expectativa é que população mais educada possa atuar com níveis de tolerância e convivialidade maiores, agregada a uma maior produtividade e competitividade em relação às demandas dos mercados. Os projetos acima, com origem fortemente atada à modernidade, particularmente a universalização e expansão da educação, acabam abonados pelo modelo capitalista. Ademais, as contradições permanecem agudas no campo da educação: os pobres estão na escola; o analfabetismo continua com dimensões alarmantes, com acentuadas desvantagens das mulheres, das mulheres indígenas; e acentua-se o que o autor chama de "analfabetismo cibernético". Avançando, Torres problematiza a relação Estado e educação. Passando pela história da América Latina, aborda a marcante influência e presença do estado liberal, originado das revoluções burguesas européias e norteamericana, modelo liberal este que "prevalece desde mediados/fines del siglo pasado hasta la crisis de 1929...". Torres admite que "la unidad e diversidad de experiencias educativas en la región son el moto de esta conversación sobre grandezas y miserias en la educación latinoamericana en el siglo XX." Relativamente à expansão e às crises da educação na América Latina, em especial no final do século XX, Torres lembra que as altas taxas de crescimento da educação estiveram acompanhadas por taxas elevadas de repetência e evasão. Torres tem especial dedicação à fundamentação teórica do processo de formulação de políticas educativas, bem como sua crítica. Preocupa-se, em síntese, com as teorias que, de alguma forma, tiveram impacto na prática e no pensamento pedagógico latinoamericano. A partir do texto "História das Idéias Pedagógicas" de Moacir Gadotti, Torres lembra influências, na constituição do projeto pedagógico latinoamericano, desde Rousseau, Pestalozzi, Herbart, revelando o ecletismo de pensamentos filosóficos e pedagógicos. O positivismo e a teoria do capital humano, da mesma forma, são destacados por Torres como elementos teóricos importantes para compreender o mundo da educação latinoamericana. A quebra que é produzida por Dewey, na constituição da escola nova, com acentuada mudança na relação professor-aluno, com destaque aos conceitos de experiência e atividades dos educandos, é destacada por Torres, com a particular participação de Anísio Teixeira e Freire. Particularmente em relação a Freire, Torres dedica uma parte para analisar sua presença no mundo da educação latinoamericana. Tomando como referência principal suas próprias reflexões acerca da teoria freireana, Torres toma a obra de Freire não a partir do destaque metodológico ou pedagógico, mas político. Sem advogar a favor de comportamentos basistas, Torres destaca que Freire toma, como central ao processo de formação das pessoas, o mundo vivido, ou seja, o "conhecimento anterior" ao ingresso em processos formativos; afirma que a teoria freireana, enquanto um "ideário pedagógico, vinculado a la noción de revolución cultural de los sesenta, es un modelo diametralmente opuesto a la agenda predominante neoliberal en la educaión latinoamericana", agenda neoliberal esta que se qualifica como estratégia para a privatização da educação e redução dos gastos públicos, com a forte intenção de despolitizar "las prácticas regulatorias del estado". Em síntese, Torres advoga que o impacto dos processos de globalização tem estado presente na formulação das políticas de educação da América Latina através de três aspectos, conceituados pelo autor: (1) os níveis de financiamento da educação, (2) a relação entre educação e trabalho e (3) o acentuado crescimento dos modelos de produção por excelência acadêmica. Finalmente, Torres, lembrando crises que cercam a educação latinoamericana - como "cuál es el sujeto pedagógico a educar" -, propõe que repensemos a "utopía educativa", incorporando, curricularmente, conceitos como diferença, para que se possa ultrapassar limites impostos pelo positivismo pedagógico. Tomando a noção de opressão que universalizou o pensamento freireano, é possível reconsiderar as tarefas do Estado na educação, propondo, assim, repensar a noção de poder e, logo, de conhecimento, quando democracia e cidadania ganham centralidade.

Roberto Gómez, intitulando seu estudo "La universidad latinoamericana y el siglo XXI: Algunos retos estruturales", fala das mudanças ocorridas entre 1980 e 2000, com particular destaque para a análise do neoliberalismo econômico, a revolução-informática e suas influências no mundo da cultura e do trabalho, acentuando a presença do modelo de globalização do mundo. O período analisado pelo autor caracteriza-se pela reforma do Estado e pela implantação das denominadas "políticas de ajuste", contexto no qual Roberto reflete a Universidade enfrentando crises econômicas e programas de enxugamento dos financiamentos públicos em educação, ocasionando crescimento bastante discreto do setor. A contração econômica e a agenda neoliberal, assim, repercutiram forte no ensino superior ampliando o processo de "liberalización del mercado de los estudios superiores", paralelamente aos avanços nos processos de "especialización y diversificación en curso dentro de los sistemas de enseñanza superior...", fortalecendo, assim, "determinados grupos de carreras o áreas dentro de las proprias universidades". Enfim, é do quadro posto que o autor afirma que na década de oitenta, para as universidades latinoamericanas, apresentaram-se pressão por ingresso (possibilidades criadas pela democratização), restrições financeiras impostas pela reforma do Estado e mudanças para dar conta das demandas do mundo desenvolvido, o que produziu deslocamentos com particular destaque à diversificação da oferta. O autor faz um particular destaque à nova Lei de Diretrizes e Bases, promulgada no Brasil, em 1996, que sistematiza várias mudanças latentes no final dos anos 80. Sem tematizar a contribuição de Freire, contrariamente ao que impõe o mercado, as mudanças em curso, para o autor, colocam à universidade exigências de condições para organizar-se como universidade, ou seja, é necessário que ela conte com recursos, instrumentos e espaços "que le permitan cambiar y renovarse en forma continua, pero también organizada y sistematicámente: conservar el rigor, la originalidad y la inteligibilidad en la produción de conocimiento, así como la especialización y capacidad en la formación profesional y ciudadania."

Moacir Gadotti,por sua vez, intitulando seu texto "Pedagogia da terra: Ecopedagogia e educação sustentável", apresenta a reflexão que mais densamente aporta para este escrito a contribuição de Freire. Gadotti torna forte em seu texto a discussão em torno dos processos de extermínio e destruição da vida que têm predominado nas relações dos humanos entre si e destes com a natureza. Um tanto desconfiado acerca das possibilidades humanas, mas sem perder a esperança, Gadotti lembra o "potencial destrutivo" que o desenvolvimento do capitalismo provoca, sem descuidar da fragilidade das experiências socialistas. Embora o tão propalado momento denominado de "era da informação", fortemente sustentado pela globalização, o autor lembra os regionalismos e a fragmentação a partir dos quais a humanidade se organiza. Pensar a educação do futuro é possível a partir da utilização de categorias compreensivas tais como contradição, determinação, mudança, trabalho e práxis. Gadotti bem aproxima Freire e Marx, pela dialogicidade e dialeticidade, destacando a "vitalidade da pedagogia dialógica ou da práxis". Reconhecendo que tanto a educação popular quanto a pedagogia da práxis, lidas criticamente, deverão continuar sendo "paradigmas válidos para além do ano 2000", Gadotti aponta para a necessidade da elaboração de novas categorias "explicitadoras da realidade". Procurando dar conta da tarefa que aponta, Gadotti reflete categorias para análise da educação na atualidade: planetariedade, sustentabilidade, virtualidade, globalização, transdisciplinaridade, que possibilitam compreender a ecopedagogia, a qual "promove a aprendizagem do sentido das coisas a partir do cotidiano da vida". Aponta, então, para a esfera da "subjetividade, da cotidianidade e do mundo vivido" como categorias que "estruturam a vida cotidiana". Com Francisco Gutiérrez, tomando o livro Pedagogia para el Desarrollo Sostenible, Gadotti anuncia seis temas que devem fazer parte da Agenda da Educação no Século XXI: (1) promoção da vida, (2) equilíbrio dinâmico para desenvolver a sensibilidade social, (3) equilíbrio dinâmico para desenvolver a sensibilidade social, (4) congruência harmônica que desenvolve a ternura e o estranhamento, (5) ética integral, (6) racionalidade intuitiva que desenvolve a capacidade de atuar como um ser humano integral e consciência planetária, que desenvolve a solidariedade planetária. Gadotti avança na reflexão acerca do desenvolvimento sustentável desvelando um componente pedagógico importante: "a preservação do meio ambiente depende de uma consciência ecológica e a formação da consciência depende da educação." Coerentemente com as convicções que expressa ao iniciar sua reflexão, Gadotti afirma que a ecopedagogia originou-se da "educação problematizadora" de Freire: quando parte das necessidades do aluno (curiosidade) e dá conta de uma relação dialógica professor-aluno, a educação é produção e não é transmissão e acumulação; é educação para a liberdade. Baseado nas conclusões do Iº Seminário Internacional da Carta da Terra na Perspectiva da Educação, promovido pelo Instituto Paulo Freire, Gadotti recorda e sistematiza valores como respeito à terra e à vida, proteção e restauração da diversidade, respeito aos direitos humanos, erradicação da pobreza, distribuição eqüitativa dos recursos, igualdade de gênero etc. Os valores organizados por Gadotti dão sustentação à análise dos processos de globalização: "fenômeno desse final de século, impulsionado sobretudo pela tecnologia, parece determinar cada vez mais nossas vidas." A "ação comunicativa", apontada por Gadotti, com Habermas, não implica a negação dos conflitos de classe. Relativamente à globalização, o autor destaca que podemos observar pelo menos dois modelos: "modelo de dominação econômico, político e cultural totalitário e excludente..." e o processo de "globalização global propiciado pelos avanços tecnológicos, que criam as condições materiais (não ético-políticas)da cidadania global, a globalização da sociedade civil."

Na segunda parteTemas de Política Pública - escrevem Hugo Russo, John Swope, Carlos Mora-Nince, Margarita Victoria Gomez e José Willington Germano:

Hugo Russo, em "La Educación: sigue siendo estratégica para la sociedad?", aborda as causas da crise da educação, enquanto ação estratégica, e aponta indícios de sua recuperação. A educação, como qualquer outra ação intencional e como ação estratégica, visa fundamentalmente (1) "reproducir los saberes necesarios para garantizar la reproducción material y cultural de la sociedad, (2) reproducir las normas morales mediante las cuales los individuos asumen la mútua regulación de sus comportamientos sociales e (3) reproducir la garantía del desarrollo de sujetos autonomos y responsables". Trata-se, em síntese, da reprodução de uma determinada visão de mundo. Como as sociedades políticas surgiram da submissão de várias comunidades à dominação de outras, são as dominantes que impõe sua visão de mundo às dominadas. A Escola foi criada com esse objetivo. Durante séculos, nas chamadas sociedades tradicionais, a visão de mundo estava muito próxima daquilo que hoje denomina-se senso comum. A primeira educação (familiar) e a segunda educação (escolar) eram complementares. Com o surgimento da sociedade moderna, o positivismo entronizou o pensamento científico como o único pensamento válido. O estado positivista deslegitimou a primeira educação como ineficiente, inútil e até nociva. Diz o autor, que as lutas pela laicização e universalização da educação, por exemplo, tiveram como finalidade primeira garantir ao Estado a hegemonia na condução da ação estratégica da educação. Esse excesso de centralização burocrática tornou o aparelho educativo pesado demais para ir adaptando-se e atualizando-se segundo as novas necessidades da sociedade. A educação, como ação estratégica, tornou-se defasada. Em vista disso foi deslegitimada pela sociedade como economicamente ineficiente e politicamente inútil. Os sinais de recuperação da educação, como ação estratégica, afirma Russo, já podem ser constatados na recente volta a alguns princípios escola-novistas, como a participação dos educandos em sua formação; a crescente assimilação da pedagogia de Paulo Freire, cuja estratégia educativa se funda no diálogo e no amor; a assimilação dos princípios extraídos de Foucault contra o disciplinamento das subjetividades etc. O autor conclui dizendo: "ni la partitura será escrita por uno solo autor, ni su ejecución estará a cargo de un único director. La apuesta radica en que la educación recupera su carácter estratégico para la reproducción y la tranformación social".

John Swope, S.J., em seu artigo "Information broker: un nuevo profesional y la toma de decisión en políticas públicas en educación", analisa o hiato que existe entre conhecimento e ação no referente às políticas públicas de educação. O autor abre seu texto mostrando, de um lado, a centralidade cada vez maior da instituição educativa hoje e, de outro, as crescentes dificuldades que ela está encontrando para responder às necessidades da sociedade. Na primeira parte, Swope analisa e discute essa dificuldade e afirma ser ela decorrente do fato de que os profissionais responsáveis pela elaboração das políticas públicas de educação, os pesquisadores, os que trabalham na documentação e difusão dos resultados das pesquisas e os tomadores de decisão, agirem desvinculadamente. O mundo globalizado e as mudanças que se sucedem vertiginosamente pedem tomadas de decisão cada vez mais rápidas, complexas e urgentes; são decisões que exigem ampla informação; mas seus responsáveis já não têm tempo para procurá-las. O mesmo pode-se dizer dos pesquisadores e dos que processam e difundem os novos conhecimentos construídos. Na segunda parte do artigo, o autor apresenta uma alternativa de solução para a problemática relação entre conhecimento e ação. Trata-se do "Information Broker", o "analista de políticas públicas de educação", ou "intermediador entre o conhecimento e a tomada de decisões". O "Broker" é um profissional preparado para transitar nos três campos de atividade onde são gestadas as políticas públicas de educação: a pesquisa, a documentação e difusão e a tomada de decisões em políticas educativas. É, assim, um profissional que dialoga e informa-se nos dois primeiros campos e, de posse das informações adequadas, "assessora" ou oferece as informações para que a tomada de decisão seja as mais adequada. O autor lembra que, para além do preparo intelectual, é indispensável que o "intermediador" saiba conversar. Embora a comunicação humana não se resuma à conversação, esta é a principal forma de comunicação. Tudo é feito e efeito de palavras. Dizer que somos seres sociais, significa dizer que somos fundamentalmente feitos de palavras. Por isso, continua afirmando Swope, o "Broker" deve saber conversar, convencer, demonstrar; admitindo que se as palavras não produzem efeitos é porque falta ou faltou compromisso de um integrante da conversação ou de ambos. Na parte final do artigo o autor apresenta um curso para formar "intermediadores entre o conhecimento e a ação" e uma oficina para o treinamento de responsáveis pela "tomada de decisões em políticas educativas".

Carlos Mora-Ninci,em seu texto "La observacón dialéctica: problemas de método en investigaciones educativas", critica aos métodos da observação naturalista e participativa e descreve a observação dialética como metodologia mais adequada para criar condições favoráveis ao encaminhamento de ações que levem à transformação social. Três pontos principais estruturam o artigo: a conceituação da "observação dialética" e dois estudos de caso a partir do método da "observação dialética" (o primeiro trata do problema da aculturação dos jovens imigrantes "chicanos" na Califórnia e o segundo da aculturação exercida, através da "mídia" norteamericana, sobre os jovens latinoamericanos que vivem em cidades interioranas e que consomem os produtos da indústria cultural). "la educación abarca todas las etapas de la vida y los más diversos espacios de la sociedad", afirma o autor. Não basta a educação preocupar-se em preparar os jovens para o trabalho. A educação precisa preocupar-se com o desenvolvimento completo do ser humano. O método de observação "qualitativa", sozinho, por seu viés positivista, não dá conta dessa tarefa. O método de observação dialética, então, "consiste por un lado en una síntesis de las técnicas "cualitativas" de investigación etnográfica en ciencias sociales; y por otro, en la lógica dialéctica que explica el devenir y la transformación de la história y la sociedad". Esse método dá conta da tarefa, afirma o autor, se for levada em conta a relação entre "intencionalidade, envolvimento-compromisso e dialética". A seguir, o texto apresenta uma esquemática retrospectiva da "dialética", desde Heráclito à Platão, passando por Hegel, Marx/Engels até chegar aos estudos de M. Löwy sobre a "lei do desenvolvimento desigual e combinado", no pós-queda-do-muro-de-Berlim no mundo globalizado. Nem a observação qualitativa, nem a observação dialética são novidades para a pesquisa social. O novo na observação dialética é que ela critica não para "reformar a sociedade", mas para "transformá-la", como afirma Marx na Tese 11 "Sobre Feuerbach: "Os filósofos, até hoje, nada mais fizeram do que interpretar o mundo; trata-se, agora, de transformá-lo".

Margarita Victoria Gomez, intitulando seu estudo "Educación a distancia y cátedras libres: reflexionando sobre emergentes en el contexto de la educación latinoamericana", discorre acerca dos impactos da revolução econômico-digital sobre princípios que fundamentam a educação pública no continente sul-americano. A autora desenvolve a questão em três momentos, iniciando por mostrar mudanças que estão ocorrendo no campo da educação pública. A partir da última década do século passado, a educação formal, que estava sob o controle hegemônico do Estado, passa, gradativamente, a ser gerenciada por organizações civis, empresas e, principalmente, por grandes corporações internacionais. O pragmatismo do neoliberalismo globalizado visa eficiência e resultados imediatos. O Aparelho Escolar tradicional não está preparado e nem foi organizado para ser pragmático, nem prestador de serviços. Ante essa situação, o liberalismo foi à procura de modalidades alternativas de educação com a finalidade de reproduzir a "nova visão de mundo" e preparar profissionais pragmáticos, eficientes e autônomos. A autora deteve-se no exame de duas dessas modalidades: a educação a distância e as cátedras livres. Aliás, nem são formas novas. São readaptações de alternativas educacionais dos anos 60 e 70 do século passado. A legitimação dessas duas modalidade deve-se ao fato de atenderem às demandas daqueles setores que por algum motivo estavam excluídos do sistema formal de educação e à demanda de treinamento de profissionais para funções específicas. A doutrina neoliberal do Estado mínimo faz com que estas alternativas fiquem sob o controle ideológico e financiamento de grandes corporações (Banco Mundial, UNESCO.....). As possíveis conseqüências, segundo Margarita, podem ser: uma crescente homogeneização cultural ou aculturação; um novo "comunitarismo" educativo onde a relação entre Estado e sociedade adquire uma dimensão diferente da até hoje conhecida.; um controle cada vez maior das grandes corporações no setor da educação ao delinearem "o tipo de educação, de indivíduo e profissional que a sociedade moderna e aberta necessita". Segue-se a descrição comentada dos princípios fundamentais, das características, dos objetivos e da metodologia das cátedras livres. Cátedras livres são unidades acadêmicas universitárias que não estão comprometidas com o desenvolvimento de uma proposta curricular, nem com outras burocracias da universidade. Pelo contrário, propiciam a livre discussão científica, ética, ecológica, artística, política e tecnológica, integrada num projeto político pedagógico flexível e aberto. Por último, são apresentados os princípios fundamentais, os objetivos e a metodologia da educação a distância. Esta modalidade de educação, por não ser presencial, é barata e, dado o grau de desenvolvimento da "mídia", pode atender as necessidades educativas de qualquer país.

José Willington Germano, em seu artigo, "Mercado, universidade, instrumentalidade", analisa as repercussões do processo de reforma do Estado, desencadeado no contexto da globalização e do neoliberalismo, nas universidades públicas de muitos países latinoamericanos. A idéia de Estado mínimo, segundo o autor, "reabilita o mercado como instância reguladora, por excelência, das relações econômicas e sociais, numa evidente contraposição ao welfare state". Trata-se de libertar a acumulação de todas as cadeias e restrições a ela impostas pela regulação exercida na esfera política. O autor lembra que o neoliberalismo, conforme B.Théret, pode ser definido como um "sistema de receitas práticas para a gestão pública, cujas palavras-chave são: agilidade, eficiência, eficácia, produtividade, nada, portanto, que diga respeito aos ideais de equidade e justiça". Nas universidades públicas, os efeitos das políticas neoliberais se fazem sentir, entre outras coisas, pela estagnação e redução do orçamento estatal, por um discurso e uma prática de privatização, pelo incentivo à diversificação e à competição institucional que acabam por impor, ao sistema universitário público, a adoção das lógicas do "livre mercado". Assim o ideal clássico de universidade voltada para a pesquisa, a transmissão da cultura, a educação dos novos homens de ciência e cultura e o ensino das profissões entram em crise. Em seu lugar, surgem as universidades, ou as escolas de ensino superior operacionais e os institutos tecnológicos públicos e privados. Diz ainda Germano, que as políticas neoliberais geraram uma tríplice crise nas universidades públicas: uma crise de hegemonia, uma crise de legitimidade e uma crise institucional. No bojo de tais crises a universidade pública estaria passando da condição de instituição social para organização social, pragmática, instrumental, preocupada com resultados imediatos, atrelada aos interesses do mercado, ou seja, "quantouma universidade produz, em quanto tempoe qual o custodo que se produz".

Na terceira parte– "Paulo Freire y la educación popular"- escrevem Ana do Vale, Bianco Zalmora Garcia, Pedro Demo, Afonso Celso Scocuglia e Peter Lownds.

Ana do Vale, em artigo intitulado"A influência da pedagogia freireana na formação sindical docente", analisa a evolução da organização do sindicalismo docente na década de 80-90. A autora advoga a favor da idéia de que é possível, a partir da década citada, mapear "o campo no qual emergiu, dessa organização, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação". A evolução do movimento docente vai, para a autora, "associando mudanças de natureza quantitativa e qualitativa", embora reconheça que o crescimento produziu bem foi um "sindicalismo de classes média", conclusão que elabora tendo em vista a expansão observada no "elevado número de greves e de jornadas de trabalho perdidas", centrada no funcionalismo público, particularmente nos campos da saúde e da educação. Posto o quadro acima, a autora busca descortinar "matrizes discursivas da formação sindical docente", centralmente explicitando a teoria freireana, com acentuada aproximação com referências marxistas, reconhecendo que a crítica que tem sido posta a Freire - como ingênuo, idealista e não marxista – é uma discussão a ser feita, reconhecendo, em Freire, forte paciência impaciente, ternura e indignação, sem descuidar do diálogo. De todo o modo, a autora afirma que a "concepção dialética da educação pensada por Freire reside no caráter eminentemente revolucionário da pedagogia e no caráter eminentemente pedagógico da revolução." Sem advogar exclusividade do pensamento freireano na formação e na prática dois educadores, a autora afirma que Freire teve "forte influência por entre os educadores brasileiros". A presença qualificada de Freire no campo da formação implica a aceitação da formação da consciência, construída por estágios diversos. Enfim, a autora não advoga a favor da origem exclusiva em Freire dos paradigmas que utiliza para pensar tanto o movimento docente quanto políticas de educação. A intenção é dar destaque à idéia de que Freire tem uma proposta eminentemente política e, como tal, em consonância com o projeto de formação sindical docente.

Bianco Zalmora Garcia, intitulando sua texto "Projeto político-pedagógico, autonomia e gestão democrática da escola: uma perspectiva habermasiana", calçado na Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, embora não tomando Freire como fonte central para o diálogo que instaura, mantém a reflexão apontando para uma agenda, para o século XXI, em dia com as premissas da mudança da sociedade e da educação. A perspectiva é a emancipação dos sujeitos. A democratização da sociedade demanda a reconstrução da "unidade dialética da relação teoria e prática na coordenação das ações e, desse modo, mediante a consideração do componente comunicativo da razão, constituir uma fundamentação normativa da teoria social crítica." Na defesa da participação qualificada das pessoas em sociedade, o autor advoga a favor da busca do consenso racional que se operacionaliza através das trocas intersubjetivas, argumentadas, o que implica no desenvolvimento da ética discursiva, quando a ação "política integrada com base argumentativa" deve ser desenvolvida. É do pressuposto acima que o autor advoga a favor da construção da "autonomia como condição de possibilidade de processos democráticos voltados para a construção e gestão do projeto político-pedagógico", recuperando a racionalidade comunicativa, que deve estar presente nos processos participativos (a participação é fundamento normativo). Para combater a "instrumentalização da participação" e o esvaziamento do conceito de autonomia o autor propõe a "descentralização como estratégia sistêmica". O projeto de construção permanente da participação e, em conjunto, da escola não pode negar a permanente "articulação dialética entre o instituinte e o instituído". A produção e a realização do projeto político-pedagógico são apontadas pelo autor como condição de possibilidade da coordenação normativa da práxis escolar ocorrer. Portanto, defende o autor, as necessárias "autonomização e descentralização democrática" é que garantem a realização da escola como "locus da reestruturação dos sistemas educacionais", tomando o projeto político-pedagógico como "medium entre o poder comunicativo e o poder administrativo", reconstruindo, assim, a conexão entre "processos comunicativos e processos sistêmicos na práxis escolar".

Pedro Demo, tecendo considerações acerca de "Conhecimento e aprendizagem: atualidade de Paulo Freire", ressalta a necessária reconstrução do sentido político da educação, tradição consolidada pela reflexão freireana, particularmente pela proposta emancipatória ali presente, centrais tanto em Pedagogia do Oprimido quanto em Pedagogia da Esperança. Tomando como ponto de partida a importância da "reconstrução do conhecimento", Demo destaca a educação como central estratégia para "combater a pobreza política". Para tanto, faz longo percurso reflexivo acerca dos estudos de Piaget, Maturana, Varela e outros, destacando a contribuição de Freire não apenas no processo de reconstrução do conhecimento, mas na defesa da dimensão política da educação, apontando para a dialética relação entre conhecimento e ignorância. Advogando que estamos envoltos no "sociedade intensiva de conhecimento", afirma que pouco sabemos sobre o conhecimento, pois, como apropriadamente conclui, é próprio do conhecimento não estabelecer fundamento último para o que quer que seja: "é inconsistente questionar sem permitir ser questionado." O autor defende que conhecimento não é só "iluminismo. É também obscurecimento, porque se move no espaço do poder, não só da verdade. Na sociedade intensiva de conhecimento, isto se torna tanto mais ostensivo: disputa-se conhecimento como se disputa poder, porque ambos os termos tendem a coincidir cada vez mais." Considerando as tarefas a que se propõe a abra aqui resenhada, daremos destaque à parte em que Demo tematiza a "atualidade de Paulo Freire". Assim como outros autores nomeados por Demo (Sócrates, por exemplo), Freire é alçado à condição de grande pensador porque sabia que pouco sabia, contraposto às formas de ignorância, não raro presentes em cotidianos da educação. Demo destaca que pelo menos duas formas de ignorância aparecem nos cenários da humanidade: a inconsciente ("o pobre sequer consegue saber e é coibido de saber que é pobre") e a imposta("o pobre é coibido de poder lutar"). Para Demo, a ignorância é produzida e alimentada pela obstaculização das políticas educacionais, pela manipulação das assistências sociais e dos maios de comunicação e cultural e pelo atrelamento das energias associativas. O dito de Demo, o leva a concluir que "o sistema não teme o pobre que tem fome. Teme o pobre que sabe pensar." O que favorece sobremaneira, hoje, os modelos neoliberais não é "miséria material das massas, mas sua ignorância", ignorância que faz as pessoas esperarem soluções produzidas pelos sistemas. A função da educação de caráter reconstrutivo político, conclui o autor, "é desfazer a condição de massa de manobra, como bem queria Freire."

Afonso Celso Scocuglia, retomando obra de sua autoria ("A história das idéias de Paulo Freire e a atual crise de paradigmas"), em artigo inititulado "A progressão do pensamento político-pedagógico de Paulo Freire", busca desvelar o que chama de "pontos nodais da progressão deste pensamento complexo", que constitui o texto freireano. Celso percorre a obra de Freire para mostrar que a Pedagogia do Oprimido representa o surgimento do "núcleo irradiador de sua virada marxista (e gramsciana)". Para a compreensão do que afirma, Celso convida o leitor a voltar ao primeiro grande texto de Freire: "Educação e Atualidade Brasileira" pata lembrar o longo processo de construção dialógica da biobibliografia de Freire, até chegar a uma distinção importante, relativamente a outras teorias pedagógicas: tornando central a relação educação-política, realizando, para tanto, a conscientização. Ou seja, de "Educação e Atualidade Brasileira" à Pedagogia do Oprimido, longo percurso ocorre para que o texto freireano assuma-se contexto político e se caracterize como teoria pedagógica de caráter marxista, por exemplo.

Peter Lownds, refletindo a partir de "Notas de um educador popular em Los Angeles: una leitura do mundo dos imigrantes latino-americanos no sul da Califórnia", faz qualificada descrição de contexto em que ele próprio se movimenta como professor de "segunda língua" (inglês), especialmente para imigrantes latinoamericanos. Lembra tempos de ditadura, conhecendo Freire através de amigo que portava textos escondidos. Morando em Los Angeles, espaço cada vez mais ocupado por ondas gigantescas de imigração, ensina inglês como segundo idioma em salas cheias de latinoamericanos, tentando "aplicar o método freireano". O professor testemunha o que faz:: "dispenso os textos multiculturais em favor de diálogos coloquiais e ensaios biográficos, crio círculos de leitura , trago codificações das palavras generativas: abro a porta da aula pelo mundo afora e deixo entrar a política e os problemas sociais dos alunos: a saudade, a desgraça, a precariedade generalizada." A densa descrição do contexto em que vivem as pessoas que freqüentam suas aulas é parte essencial do processo de formação que o autor realiza tendo como teoria/referência a biobibliografia freireana. A caracterização e a conceituação do cenário a partir do que se desenvolve a aula é exercício freireano intenso e revelador da esperança e do diálogo com que o autor toma do cotidiano os elementos básicos para a educação que faz acontecer. É um quadro que leva o autor a afirmar, com fina ironia, que "as ironias da pós-modernidade aqui se desenvolvem com uma histórica rapidez." É um mundo que o autor faz acontecer, onde o diálogo é sempre pessoal e o mundo pessoal do próprio educador faz parte do processo de geração de confiança nas pessoas, não raro "acanhadas" em seu mundo individualizado. A partir da exposição das "raízes" do educador, "peço que contem algo de suas histórias", salientando a primazia das palavras "como agentes de comunicação". As perguntas e as respostas são, para o autor, "sangue vivo do diálogo". O autor, bem dando conta do processo "inteiro" que Freire propõe para a educação, acredita que a conscientização pode dar-se, mas é processo lento. Tomando a dimensão política da educação em Freire, Peter aposta que, embora lento, o processo de reconhecimento e luta para a conquista da cidadania e dos deveres vai sendo conquistado.

Observações finais dos resenhistas

Considerando a perniciosa presença das políticas neoliberais e o desmonte da Universidade Pública como instituição e sua transformação em organização social, com claros objetivos de mercado, os autores da obra aqui resenhada, em sua maioria, apontam para Freire como forte referência para fazer frente à cultura individualista do neoliberalismo, destacando a importância da aprendizagem do diálogo e do amor, como estratégia para superar os bloqueios, não apenas dos Aparelhos Ideológicos, mas de suas bem atualizadas formas de dominação na América Latina.

A propositura da obra que é pôr em destaque a bibliografia de Freire e elaborar a referências para pensar a Educação no Século XXI, é sstisfeita por boa parte dos artigos que a compõem. Outros que não referenciam Freire, de todo o modo, ajudam a pensar a "A Agenda da Educação Latino-Americana noSéculo XXI". Assim, entendemos, boa parte dos autores da presente obra tem tomar Freire pensar horizontes que ultrapassem a percepção imediata das relações históricas é desafio ético central, particularmente para educadores atuando num mundo1 pautado pela cultura consumista e imediata. Tal cultura, presentifica o futuro e aposta que a vida se resume a aceitar os prazeres que a adaptação às necessidades oferece, embora logo adiante cobre rigorosa renúncia pela redução a tais satisfações ou pela restrição a condições materiais ou pelo necessário cuidado de si (com base no ensimesmamento e na cultura narcísica do corpo) que se impõe, tendo por base a saúde e a tão sonhada longevidade ou na forma de novas tiranias: da beleza, da estética e da imagem. É nesse contexto que nos encontramos: encruzilhada que pode remeter-nos à reflexão sobre o sentido da própria existência.

Por que Freire, fonte principal para o diálogo que trazem autores deste texto? Freire, porque é filósofo que dá consistência à pedagogia crítica2 e fomenta práticas coletivas que possibilitam sustentar a idéia de que a educação serve à transformação, pois, assim como a cultura, sempre envolve-se com mudanças pela formação de identidades e subjetividades, trazendo para o cenário novas vitalidades. Freire, porque constrói e teoriza a prática, não reduzida à experiência imediata, e desconstrói axiomas filosófico-pedagógicos que, embora por outros pensadores tematizados, são dimensões fundantes à ação política docente, combatendo absolutismos dogmáticos e autoritários e relativismos licenciosos, cujos preconceitos e dogmas são balizas permanentes à demarcação dos campos epistemológico e político. Leituras pós-modernas, ao construir condições de possibilidade a criadoras desconstruções3 e desdogmatizações, permitindo reconhecer diversas consciências como construções, pouco constituem critérios problematizadores de reflexões individualizadas, que não raro tornam-se fundamentos exclusivos de ações decorrentes. Porque Freire, atual, quer que seu pensamento seja recriado; não quer discípulos nem seguidores, mas recriadores curiosos de suas próprias curiosidades. Sem absolutizações, os autores aproximam-se de Freire em quem encontram gente e teoria com o que, acreditam, é possível fazer dialogar as próprias reflexões. Defendem a presença forte de Freire no campo educacional porque é necessário confrontar a vitalidadede seu texto com as urgências do presente. Retomam Freire porque seu programa político-pedagógico é projeto possível que fortalece a construção contra-hegemônica, necessária para enfrentar fatalismos culturais excludentes impondo-se como único expediente. Retomam Freire porque é um pensador que, tomando as vertentes teórico-filosóficas da dialética e da fenomenologia, busca superar o relacionamento oposto entre teoria e prática, desafiando e propondo a desdogmatização4, também do próprio estatuto de verdade das pedagogias críticas.

Freire é principal para este texto porque, enquanto pensador do seu tempo, disponibiliza fundamentos para pensar a escola em contexto, não por certezas absolutas (atestado de falência da capacidade humana nos humanos), nem índice de rigor teórico e conceitual, mas içamento de idéias que propõem referenciar práticas humanas, mantendo, como centralidade, a permanente possibilidade da dúvida como princípio epistemológico e político. É por isso que Freire dá o que pensar, colocando à disposição do mundo contemporâneo possibilidades de confrontos teórico-práticos referentes à totalidade das relações, o que torna fundamental a problematização de verdades absolutas, conforme modelo cartesiano.5 Freire, porque busca refundamentar a educação em sua base epistemológica e ética, condição de possibilidade de exercício moral mínimo com vistas ao que é ontologicamente máximo na relação social. É pensador e educador que põe em cena o sujeito da educação não em perspectiva metafísica pura, mas na condição histórica em que vive, tornando-se intersubjetivo de suas relações em comunhão ou confronto com outros sujeitos; sujeito, não na perspectiva ocidental-cartesiana da modernidade, mas ser histórico que vai constituindo-se, sem negar a dimensão metafísico-ontológica que carrega. Diferentemente do modelo cartesiano, Freire não busca a verdade inabalável, mas a sua construção histórica, que inicia com a decisão de não aceitar certezas absolutas e dogmatizadas, conferindo ao comportamento atitude filosófica. É assim que Freire, contra erudições em torno da negação da possibilidade de conscientizar alguém, é um pensador que mexe com o muno da educação, talvez porque é pessoa e educador que não necessita gravar em placas de bronze suas reflexões e ações; continua gravando no coração de muitas pessoas mensagens de esperança e inconformismo permanente em relação à injustiça, iluminando caminhos sem precisar brilhar, ante intelectuais outros que brilham sem conseguir iluminar.

É dessa forma que se colocam, em Freire, perspectivas de formação para a cidadania crítica, com competências para realizar intervenções sociais de forma autônoma e criativa, a partir do que a liberdade e a autonomia podem constituir-se. Freire, porque escreve com raiva e amor, sem o que não há esperança; porque defende a tolerância, não o intolerável; porque faz radical crítica ao radicalismo; porque ante tempos em que se recusam o sonho e a utopia resgata a formação crítica, onde a história é fascinante aventura de desvelamento da verdade e não determinismo; porque critica a democracia quando não passa de espaço à democratização da sem-vergonhice; porque a esperança é o que teimosamente o coloca ante imperativos da existência histórica; porque crê na possibilidade do inédito viável que desafia humanos a romper redes de opressão; porque aproveita a riqueza da linguagem metafórica, sem perder a rigorosidade, para habilitar as pessoas à compreensão da história e à prática de ações para fazer o mundo lugar belo para viver. Assim, a obra de Freire permite declarar que há uma diretriz política e técnica que possibilita fundamentar dimensões epistemológica, política, pedagógica e moral, o que torna a retomada das concepções de autoridade e liberdade oportuna e necessária, eixo fundamental à reflexão em torno de projeto histórico.

Acerca de autor do libro

Dr. Carlos Alberto Torres: Ph.D., pela Universidade de Stanford. Atualmente é professor de Ciências Sociais e Educação Comparada na Universidade de Califórnia/Los Angeles, Diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da UCLA e diretor do Grupo de Trabalho de Educação e Sociedade da CLACSO. Foi professor em diversas Universidades: no Canadá, no México, na Argentina... É Diretor fundador do Instituto Paulo Freire, São Paulo/Brasil. Dentre seus livros mais recentes, é possível encontrar: com Raymund Marrow, "Social Theory and Education"; Paulo Freire, Jurgüen Habermas and the Pedagogical Subject"; em versão espanhol, recentemente, lançou "Educación, Democracia y Multiculturalismo"; em português publicou, em 2000, "Poder e Biografia Pessoal", por Artes Médicas. O professor Carlos A Torres é autor, co-autor e/ou editor de mais de 40 livros, em vários idiomas.

Acerca de los autores de la resnha

Professor Gomercindo Ghiggi: Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas, Doutor em Educação/UFRGS. Lançou, recentemente, pela Editora Seiva Publicações, "A pedagogia da autoridade a serviço da liberdade: diálogos com Paulo Freire e professores em formação" ghiggi@ufpel.tche.br

Professor José Lino Hack: Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas, Mestre em Filosofia pela PUC/RS

Notas

1. Hoje paga-se por conforto antecipado, desativando razões para desenhar o futuro (vira fardo, pois tudo já passou!).

2. Embora por McLaren considerado o fundador da pedagogia crítica, terganho estatuto e força explicativa e conquistado espaços na educação brasileira e internacional (o particular, bem assumido e realizado, universalizou Freire e sua obra), não é raro encontrar intelectuais para quem Freire não é senão peça que encanta e enfeita o bem comportado desfile acadêmico.

3. São desconstruções particularmente relativas às reivindicações de conhecimento universal, em suas tendências não pouco míticas, monológicas e monolíticas, embora conceitos provocadores de tensões substanciais.

4. Desdogmatizar sob o dever de evitar a dogmatização, possibilita, pela própria desdogmatização, como sugere Freire, interrogar e desafiar quando manuais dão respostas e dogmatizam.

 

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