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Torres, Carlos Alberto (org.) (2001). Paulo
Freire e a Agenda da Educação Latino-Americana no
Século XXI. Buenos Aires: Clacso e Asdi.
Pp.
360
ISBN
950-9231-63-0
Resenhado por
Professor
Gomercindo Ghiggi
Professor
José Lino Hack
Universidade Federal de Pelotas
20 de junio de
2002
Resumo
Para bem
garantir o objetivo de pensar o presente, a obra organizada por
Carlos Alberto Torres, expõe a contribuição
de 14 intelectuais com
representatividade suficiente para desafiar o mundo da
educação à reflexão. Os autores, em
sua grande maioria (e com particular densidade), retomam o legado
de Freire para afirmar a esperança num mundo mais justo
para todos; colocam-se a favor da escola pública; e fazem
consistente defesa de modelos pedagógicos a serviço
da igualdade de oportunidades em educação. Forte e
insistente é, na obra, a crítica ao modelo de
globalização imposto pelo neoliberalismo, em
especial na América Latina. Os autores, passando por
qualificada crítica ao mundo globalizado por
critérios de mercado, colocam-se ante a tarefa de
construir perspectivas democráticas e qualificadas para
enfrentar, com esperança, os desafios do tempo presente.
Para realizar as tarefas apontadas, frente às quais
colocam-se os/as autores/as da obra em questão, a texto
divide-se em três densas partes: (1ª)
Dilemas da Educação; (2ª)
Temas de Política Pública e
(3ª)Paulo Freire e a Educação
Popular.
Na 1ª
Parteescrevem
Adriana Puigrós (Educación y poder: los
desafios del próximo siglo), Carlos Alberto Torres
(Grandezas y miserias de la educación latinoamericana del
siglo veinte), Roberto Rodríguez Gómes (La
universidad latinoamericana y el siglo XXI: Algunos retos
estruturales) e Moacir Gadotti (Pedagogia da terra:
Ecopedagogia e educação
sustentável).
Na 2ª
Parte apresentam
suas reflexões Hugo Russo (La Educación:
sigue siendo estratégica para la sociedad?),
John Swope (Information broker: un nuevo profesional y la
toma de decisión en políticas públicas en
educación),
Carlos Mora-Nince (La observacón dialéctica:
problemas de método en investigaciones
educativas),
Margarita Victoria Gomez (Educación a distancia
y cátedras
libres: reflexionando sobre emergentes en el contexto de la
educación latinoamericana) e José Willington
Germano(Mercado, universidade,
instrumentalidade).
Na
3 Parteescrevem Ana do Vale
(A influência da pedagogia freireana na
formação sindical docente),
Bianco Zalmora Garcia (Projeto
político-pedagógico,
autonomia e gestão democrática da escola: uma
perspectiva habermasiana), Pedro Demo
(Conhecimento e aprendizagem:
atualidade de Paulo Freire), Afonso Celso Scocuglia (A
progressão do pensamento político-pedagógico
de Paulo Freire) e Peter Lownds (Notas de um
educador popular em Los Angeles: una leitura do mundo dos
imigrantes latino-americanos no sul da
Califórnia).
Resenha
Para bem garantir o
objetivo de pensar o presente, a obra organizada por Carlos
Alberto Torres, expõe a contribuição
de 14 intelectuais com
representatividade suficiente para desafiar o mundo da
educação à reflexão. Os autores, em
sua grande maioria (e com particular densidade), retomam o legado
de Freire para afirmar a esperança num mundo mais justo
para todos; colocam-se a favor da escola pública; e fazem
consistente defesa de modelos pedagógicos a serviço
da igualdade de oportunidades em educação. Forte e
insistente é, na obra, a crítica ao modelo de
globalização imposto pelo neoliberalismo, em
especial na América Latina. Os autores, passando por
qualificada crítica ao mundo globalizado por
critérios de mercado, colocam-se ante a tarefa de
construir perspectivas democráticas e qualificadas para
enfrentar, com esperança, os desafios do tempo presente.
Para realizar as tarefas apontadas, frente às quais
colocam-se os/as autores/as da obra em questão, a texto
divide-se em três densas partes: (1ª)
Dilemas da Educação; (2ª)
Temas de Política Pública e
(3ª)Paulo Freire e a Educação
Popular.
Na primeira
parte(Dilemas
da Educação) escrevem Adriana Puigrós,
Carlos Alberto Torres, Roberto Rodríguez Gómes e
Moacir Gadotti.
Adriana
Puigrós,
intitulando seu texto "Educación y poder: los
desafios del próximo siglo", desvela o quadro de
incertezas que rondam a educação no início
do século XXI. Inicia sua reflexão cercando-se de
questionamentos de Carlos Fuentes, pensando na América
Latina: a pergunta é pelo nível de
inserção necessário na denominada
civilização, quando as tarefas para a
educação estão sendo redefinidas. Discutindo
educação e poder e tomando, para
análise, o caso do México, a autora lembra que a
partir do final da década de 60 o Estado conduziu a
organização social por ações
repressivas e por amplas reformas. Os movimentos
contrários, por sua vez, não passavam de
ações de resistência, o que, em última
instância, é considerado pela autora como
comportamento de conservação... Lembrando
Fukuyama, Adriana expõe as estratégias atuais do
capitalismo, que assim podem ser traduzidas: fazer a
crítica e a auto-crítica antes que os
subdesenvolvidos façam a revolução. Ou
seja, a crítica ao neoliberalismo por seus próprios
produtores traz consigo conteúdo intrigante: é
provável que chegue num momento cômodo demais aos
modelos hegemônicos, produtores do sistema
único, destruidores dos estados nacionais, com
acentuada desnacionalização da economia, de modelos
políticos e culturais. Lembrado por Adriana, Fukuyama teme
os efeitos de "um extremo individualismo",
outorgando valor especial à relação entre
"el indivíduo y la comunidad".
Fukuyama, conforme reflexão de Adriana, está bem
acompanhado pelo "financista George Soros".
Ambos recomendam "cautela, autocrítica,
conciencia de la falibilidad, reflexividad" para
abrandar os efeitos de suas teorias. Ante o quadro posto,
Adriana, firmada na indignação e na
esperança, sem propor que nos rendamos ao neoliberalismo,
convoca: "es necesario realizar un nuevo contrato entre
los sectores progresistas y los setores políticos
neoliberales que se inclinam por promover políticas
sociales", clamando para que não
permaneçamos agarrados à "la
melancolía por la utopía perdida".
Adriana, particularmente para o campo da educação,
reforçando a sempre necessária presença do
Estado, faz clara e sólida defesa do conceito de
público não exclusivamente atado aos
mecanismos e controles estatais. Embora sem referenciar Freire, a
autora bem lembra as reflexões freireanas ao
declarar a importância da afirmação do
espaço público educativo, "como lugar en
el cual deben crecer nuevos sujetos pedagógicos y
alternativas democráticas a la educación
tradicional", defendendo uma educação
"masiva, pública, democrática"
com o que se "puede construir nuevas opciones
sistemáticas progresistas", quando
o"relativismo cultural no debe justificar la
exclusión".
Carlos Alberto
Torres,
intitulando sua reflexão "Grandezas y miserias de
la educación latinoamericana del siglo veinte",
busca expor evidência empírica e
argumentação para mostrar avanços e
retrocessos, grandezas e misérias da
educação latinoamericana, apontando, a partir
disso, desafios para a educação no século
XXI. Inicia o texto
refletindo "El siglo de la educación:
consideraciones preliminares ."
Declara que o século XX está
marcado pela ampliação de oportunidades educativas,
a todos, na América Latina. Lembra o papel do Estado e o
aumento de recursos despendidos, melhorando
"sustancialmente la igualdad de oportunidad educativas
para los pobres, imigrantes, niñas y mujeres, así
como para los indígenas." Agregada a tais
medidas, o autor lembra os esforços que têm sido
realizados para "la retención de
estudiantes" na escola. Torres lembra, da mesma forma,
que o tema da qualidade e da relevância da
educação tem sido preocupação
"secular" de pensadores, argumento da
Ilustração, cujas teses foram aceitas pelo mundo
latinoamericano. A expectativa é que
população mais educada possa atuar com
níveis de tolerância e convivialidade maiores,
agregada a uma maior produtividade e competitividade em
relação às demandas dos mercados. Os
projetos acima, com origem fortemente atada à modernidade,
particularmente a universalização e expansão
da educação, acabam abonados pelo modelo
capitalista. Ademais, as contradições permanecem
agudas no campo da educação: os pobres estão
na escola; o analfabetismo continua com dimensões
alarmantes, com acentuadas desvantagens das mulheres, das
mulheres indígenas; e acentua-se o que o autor chama de
"analfabetismo cibernético".
Avançando, Torres problematiza a relação
Estado e educação. Passando pela
história da América Latina, aborda a marcante
influência e presença do estado liberal, originado
das revoluções burguesas européias e
norteamericana, modelo liberal este que "prevalece desde
mediados/fines del siglo pasado hasta la crisis de
1929...". Torres admite que "la unidad e
diversidad de experiencias educativas en la región son el
moto de esta conversación sobre grandezas y miserias en la
educación latinoamericana en el siglo
XX." Relativamente à expansão e
às crises da educação na América
Latina, em especial no final do século XX, Torres lembra
que as altas taxas de crescimento da educação
estiveram acompanhadas por taxas elevadas de repetência e
evasão. Torres tem especial dedicação
à fundamentação teórica do processo
de formulação de políticas educativas, bem
como sua crítica. Preocupa-se, em síntese, com as
teorias que, de alguma forma, tiveram impacto na prática e
no pensamento pedagógico latinoamericano. A partir do
texto "História das Idéias
Pedagógicas" de Moacir Gadotti, Torres lembra
influências, na constituição do projeto
pedagógico latinoamericano, desde Rousseau, Pestalozzi,
Herbart, revelando o ecletismo de pensamentos filosóficos
e pedagógicos. O positivismo e a teoria do
capital humano, da mesma forma, são destacados por Torres
como elementos teóricos importantes para compreender o
mundo da educação latinoamericana. A quebra que
é produzida por Dewey, na
constituição da escola nova, com acentuada
mudança na relação professor-aluno, com
destaque aos conceitos de experiência e atividades
dos educandos, é destacada por Torres, com a particular
participação de Anísio Teixeira e Freire.
Particularmente em relação a Freire, Torres dedica
uma parte para analisar sua presença no mundo da
educação latinoamericana. Tomando como
referência principal suas próprias reflexões
acerca da teoria freireana, Torres toma a obra de Freire
não a partir do destaque metodológico ou
pedagógico, mas político. Sem advogar a favor de
comportamentos basistas, Torres destaca que Freire toma,
como central ao processo de formação das pessoas, o
mundo vivido, ou seja, o "conhecimento
anterior" ao ingresso em processos formativos; afirma
que a teoria freireana, enquanto um "ideário
pedagógico, vinculado a la noción de
revolución cultural de los sesenta, es un modelo
diametralmente opuesto a la agenda predominante neoliberal en la
educaión latinoamericana", agenda neoliberal
esta que se qualifica como estratégia para a
privatização da educação e
redução dos gastos públicos, com a forte
intenção de despolitizar "las
prácticas regulatorias del estado". Em
síntese, Torres advoga que o impacto dos processos de
globalização tem estado presente na
formulação das políticas de
educação da América Latina através de
três aspectos, conceituados pelo autor: (1) os
níveis de financiamento da educação, (2) a
relação entre educação e trabalho e
(3) o acentuado crescimento dos modelos de produção
por excelência acadêmica. Finalmente, Torres,
lembrando crises que cercam a educação
latinoamericana - como "cuál es el sujeto
pedagógico a educar" -, propõe que
repensemos a "utopía educativa",
incorporando, curricularmente, conceitos como
diferença, para que se possa ultrapassar limites
impostos pelo positivismo pedagógico. Tomando a
noção de opressão que universalizou o
pensamento freireano, é possível reconsiderar as
tarefas do Estado na educação, propondo, assim,
repensar a noção de poder e, logo, de conhecimento,
quando democracia e cidadania ganham centralidade.
Roberto
Gómez,
intitulando seu estudo "La universidad latinoamericana y
el siglo XXI: Algunos retos estruturales", fala das
mudanças ocorridas entre 1980 e 2000, com particular
destaque para a análise do neoliberalismo econômico,
a revolução-informática e suas
influências no mundo da cultura e do trabalho, acentuando a
presença do modelo de globalização do mundo.
O período analisado pelo autor caracteriza-se pela reforma
do Estado e pela implantação das denominadas
"políticas de ajuste", contexto no qual
Roberto reflete a Universidade enfrentando crises
econômicas e programas de enxugamento dos financiamentos
públicos em educação, ocasionando
crescimento bastante discreto do setor. A contração
econômica e a agenda neoliberal, assim, repercutiram forte
no ensino superior ampliando o processo de
"liberalización del mercado de los estudios
superiores", paralelamente aos avanços nos
processos de "especialización y
diversificación en curso dentro de los sistemas de
enseñanza superior...", fortalecendo, assim,
"determinados grupos de carreras o áreas dentro
de las proprias universidades". Enfim, é do
quadro posto que o autor afirma que na década de oitenta,
para as universidades latinoamericanas, apresentaram-se
pressão por ingresso (possibilidades criadas pela
democratização), restrições
financeiras impostas pela reforma do Estado e mudanças
para dar conta das demandas do mundo desenvolvido, o que produziu
deslocamentos com particular destaque à
diversificação da oferta. O autor faz um particular
destaque à nova Lei de Diretrizes e Bases,
promulgada no Brasil, em 1996, que sistematiza
várias mudanças latentes no final dos anos 80. Sem
tematizar a contribuição de Freire, contrariamente
ao que impõe o mercado, as mudanças em curso, para
o autor, colocam à universidade exigências de
condições para organizar-se como universidade, ou
seja, é necessário que ela conte com recursos,
instrumentos e espaços "que le permitan cambiar y
renovarse en forma continua, pero también organizada y
sistematicámente: conservar el rigor, la originalidad y la
inteligibilidad en la produción de conocimiento,
así como la especialización y capacidad en la
formación profesional y ciudadania."
Moacir
Gadotti,por sua
vez, intitulando seu texto "Pedagogia da terra:
Ecopedagogia e educação
sustentável", apresenta a reflexão que
mais densamente aporta para este escrito a
contribuição de Freire. Gadotti torna forte em seu
texto a discussão em torno dos processos de
extermínio e destruição da vida que
têm predominado nas relações dos humanos
entre si e destes com a natureza. Um tanto desconfiado acerca das
possibilidades humanas, mas sem perder a esperança,
Gadotti lembra o "potencial destrutivo" que o
desenvolvimento do capitalismo provoca, sem descuidar da
fragilidade das experiências socialistas. Embora o
tão propalado momento denominado de "era da
informação", fortemente sustentado pela
globalização, o autor lembra os
regionalismos e a fragmentação a partir dos
quais a humanidade se organiza. Pensar a
educação do futuro é possível a
partir da utilização de categorias compreensivas
tais como contradição,
determinação, mudança, trabalho e
práxis. Gadotti bem aproxima Freire e Marx, pela
dialogicidade e dialeticidade, destacando a
"vitalidade da pedagogia dialógica ou da
práxis". Reconhecendo que tanto a
educação popular quanto a pedagogia da
práxis, lidas criticamente, deverão continuar sendo
"paradigmas válidos para além do ano
2000", Gadotti aponta para a necessidade da
elaboração de novas categorias
"explicitadoras da realidade". Procurando dar
conta da tarefa que aponta, Gadotti reflete categorias para
análise da educação na atualidade:
planetariedade, sustentabilidade, virtualidade,
globalização, transdisciplinaridade, que
possibilitam compreender a ecopedagogia, a qual "promove
a aprendizagem do sentido das coisas a partir do cotidiano da
vida". Aponta, então, para a esfera da
"subjetividade, da cotidianidade e do mundo
vivido" como categorias que "estruturam a vida
cotidiana". Com Francisco Gutiérrez, tomando o
livro Pedagogia para el Desarrollo Sostenible, Gadotti
anuncia seis temas que devem fazer parte da Agenda da
Educação no Século XXI: (1)
promoção da vida, (2) equilíbrio
dinâmico para desenvolver a sensibilidade social,
(3) equilíbrio dinâmico para desenvolver a
sensibilidade social, (4) congruência
harmônica que desenvolve a ternura e o estranhamento,
(5) ética integral, (6) racionalidade
intuitiva que desenvolve a capacidade de atuar como um ser humano
integral e consciência planetária, que desenvolve a
solidariedade planetária. Gadotti avança na
reflexão acerca do desenvolvimento sustentável
desvelando um componente pedagógico importante:
"a preservação do meio ambiente depende de
uma consciência ecológica e a formação
da consciência depende da
educação." Coerentemente com as
convicções que expressa ao iniciar sua
reflexão, Gadotti afirma que a ecopedagogia originou-se da
"educação problematizadora" de
Freire: quando parte das necessidades do aluno (curiosidade) e
dá conta de uma relação dialógica
professor-aluno, a educação é
produção e não é transmissão e
acumulação; é educação para a
liberdade. Baseado nas conclusões do Iº
Seminário Internacional da Carta da Terra na Perspectiva
da Educação, promovido pelo Instituto Paulo
Freire, Gadotti recorda e sistematiza valores como respeito
à terra e à vida, proteção e
restauração da diversidade, respeito aos direitos
humanos, erradicação da pobreza,
distribuição eqüitativa dos recursos,
igualdade de gênero etc. Os valores organizados por Gadotti
dão sustentação à análise dos
processos de globalização: "fenômeno
desse final de século, impulsionado sobretudo pela
tecnologia, parece determinar cada vez mais nossas
vidas." A "ação
comunicativa", apontada por Gadotti, com Habermas,
não implica a negação dos conflitos de
classe. Relativamente à globalização, o
autor destaca que podemos observar pelo menos dois modelos:
"modelo de dominação econômico,
político e cultural totalitário e
excludente..." e o processo de
"globalização global propiciado pelos
avanços tecnológicos, que criam as
condições materiais (não
ético-políticas)da cidadania global, a
globalização da sociedade
civil."
Na segunda
parte–
Temas de Política Pública - escrevem Hugo
Russo, John Swope, Carlos Mora-Nince, Margarita Victoria Gomez e
José Willington Germano:
Hugo
Russo, em
"La Educación: sigue siendo estratégica
para la sociedad?", aborda as causas da crise da
educação, enquanto ação
estratégica, e aponta indícios de sua
recuperação. A educação, como qualquer outra
ação intencional e como ação
estratégica, visa fundamentalmente (1)
"reproducir los saberes necesarios para garantizar la
reproducción material y cultural de la sociedad, (2)
reproducir las normas morales mediante las cuales los
individuos asumen la mútua regulación de sus
comportamientos sociales e (3) reproducir la
garantía del desarrollo de sujetos autonomos y
responsables". Trata-se, em síntese, da
reprodução de uma determinada visão de
mundo. Como as sociedades políticas surgiram da
submissão de várias comunidades à
dominação de outras, são as dominantes que
impõe sua visão de mundo às dominadas. A
Escola foi criada com esse objetivo. Durante séculos, nas
chamadas sociedades tradicionais, a visão de mundo estava
muito próxima daquilo que hoje denomina-se senso
comum. A primeira educação (familiar) e a
segunda educação (escolar) eram complementares. Com
o surgimento da sociedade moderna, o positivismo
entronizou o pensamento científico como o
único pensamento válido. O estado positivista
deslegitimou a primeira educação como ineficiente,
inútil e até nociva. Diz o autor, que as lutas pela
laicização e
universalização da educação,
por exemplo, tiveram como finalidade primeira garantir ao Estado
a hegemonia na condução da ação
estratégica da educação. Esse excesso de
centralização burocrática tornou o aparelho
educativo pesado demais para ir adaptando-se e atualizando-se
segundo as novas necessidades da sociedade. A
educação, como ação
estratégica, tornou-se defasada. Em vista disso foi
deslegitimada pela sociedade como economicamente ineficiente e
politicamente inútil. Os sinais de
recuperação da educação, como
ação estratégica, afirma Russo, já
podem ser constatados na recente volta a alguns princípios
escola-novistas, como a participação dos educandos
em sua formação; a crescente
assimilação da pedagogia de Paulo Freire, cuja
estratégia educativa se funda no diálogo e no amor;
a assimilação dos princípios
extraídos de Foucault contra o disciplinamento das
subjetividades etc. O autor conclui dizendo: "ni la
partitura será escrita por uno solo autor, ni su
ejecución estará a cargo de un único
director. La apuesta radica en que la educación recupera
su carácter estratégico para la reproducción
y la tranformación social".
John Swope,
S.J., em seu
artigo "Information broker: un nuevo profesional y la
toma de decisión en políticas públicas en
educación", analisa o hiato que existe entre
conhecimento e ação no referente
às políticas públicas de
educação. O autor abre seu texto mostrando, de um lado, a
centralidade cada vez maior da instituição
educativa hoje e, de outro, as crescentes dificuldades que ela
está encontrando para responder às necessidades da
sociedade. Na primeira parte, Swope analisa e discute essa
dificuldade e afirma ser ela decorrente do fato de que os
profissionais responsáveis pela elaboração
das políticas públicas de educação,
os pesquisadores, os que trabalham na documentação
e difusão dos resultados das pesquisas e os tomadores de
decisão, agirem desvinculadamente. O mundo globalizado e
as mudanças que se sucedem vertiginosamente pedem tomadas
de decisão cada vez mais rápidas, complexas e
urgentes; são decisões que exigem ampla
informação; mas seus responsáveis já
não têm tempo para procurá-las. O mesmo
pode-se dizer dos pesquisadores e dos que processam e difundem os
novos conhecimentos construídos. Na segunda parte do
artigo, o autor apresenta uma alternativa de
solução para a problemática
relação entre conhecimento e
ação. Trata-se do "Information
Broker", o "analista de políticas
públicas de educação", ou
"intermediador entre o conhecimento e a tomada de
decisões". O "Broker"
é um profissional preparado para transitar nos três
campos de atividade onde são gestadas as políticas
públicas de educação: a pesquisa, a
documentação e difusão e a tomada de
decisões em políticas educativas. É, assim,
um profissional que dialoga e informa-se nos dois primeiros
campos e, de posse das informações adequadas,
"assessora" ou oferece as
informações para que a tomada de decisão
seja as mais adequada. O autor lembra que, para além do
preparo intelectual, é indispensável que o
"intermediador" saiba conversar. Embora
a comunicação humana não se resuma à
conversação, esta é a principal forma de
comunicação. Tudo é feito e efeito de
palavras. Dizer que somos seres sociais, significa dizer que
somos fundamentalmente feitos de palavras. Por isso, continua
afirmando Swope, o "Broker" deve saber
conversar, convencer, demonstrar; admitindo que se as palavras
não produzem efeitos é porque falta ou faltou
compromisso de um integrante da conversação ou de
ambos. Na parte final do artigo o autor apresenta um curso para
formar "intermediadores entre o conhecimento e a
ação" e uma oficina para o treinamento de
responsáveis pela "tomada de decisões em
políticas educativas".
Carlos
Mora-Ninci,em
seu texto "La observacón dialéctica:
problemas de método en investigaciones
educativas", critica aos métodos da
observação naturalista e participativa e descreve a
observação dialética como metodologia
mais adequada para criar condições
favoráveis ao encaminhamento de ações que
levem à transformação social. Três
pontos principais estruturam o artigo: a
conceituação da "observação
dialética" e dois estudos de caso a
partir do método da "observação
dialética" (o primeiro trata do problema da
aculturação dos jovens imigrantes
"chicanos" na Califórnia e o segundo da
aculturação exercida, através da
"mídia" norteamericana, sobre os jovens
latinoamericanos que vivem em cidades interioranas e que consomem
os produtos da indústria cultural).
"la educación abarca todas
las etapas de la vida y los más diversos espacios de la
sociedad", afirma o autor. Não basta a educação
preocupar-se em preparar os jovens para o trabalho. A
educação precisa preocupar-se com o desenvolvimento
completo do ser humano. O método de
observação "qualitativa",
sozinho, por seu viés positivista, não dá
conta dessa tarefa. O método de observação
dialética, então, "consiste por un lado en
una síntesis de las técnicas
"cualitativas" de investigación
etnográfica en ciencias sociales; y por otro, en la
lógica dialéctica que explica el devenir y la
transformación de la história y la
sociedad". Esse método dá conta da tarefa,
afirma o autor, se for levada em conta a relação
entre "intencionalidade, envolvimento-compromisso e
dialética". A seguir, o texto apresenta uma
esquemática retrospectiva da
"dialética", desde Heráclito
à Platão, passando por Hegel, Marx/Engels
até chegar aos estudos de M. Löwy sobre a
"lei do desenvolvimento desigual e combinado",
no pós-queda-do-muro-de-Berlim no mundo
globalizado. Nem a observação qualitativa, nem a
observação dialética são novidades
para a pesquisa social. O novo na observação
dialética é que ela critica não para
"reformar a sociedade", mas para
"transformá-la", como afirma Marx na
Tese 11 "Sobre Feuerbach: "Os filósofos,
até hoje, nada mais fizeram do que interpretar o mundo;
trata-se, agora, de transformá-lo".
Margarita Victoria
Gomez,
intitulando seu estudo "Educación a distancia y
cátedras libres: reflexionando sobre emergentes en el
contexto de la educación latinoamericana",
discorre acerca dos impactos da revolução
econômico-digital sobre princípios que fundamentam a
educação pública no continente
sul-americano. A autora desenvolve a questão em três
momentos, iniciando por mostrar mudanças que estão
ocorrendo no campo da educação pública. A
partir da última década do século passado, a
educação formal, que estava sob o controle
hegemônico do Estado, passa, gradativamente, a ser
gerenciada por organizações civis, empresas e,
principalmente, por grandes corporações
internacionais. O pragmatismo do neoliberalismo globalizado visa
eficiência e resultados imediatos. O Aparelho Escolar
tradicional não está preparado e nem foi organizado
para ser pragmático, nem prestador de serviços.
Ante essa situação, o liberalismo foi à
procura de modalidades alternativas de educação com
a finalidade de reproduzir a "nova visão de
mundo" e preparar profissionais pragmáticos,
eficientes e autônomos. A autora deteve-se no exame de duas
dessas modalidades: a educação a distância e
as cátedras livres. Aliás, nem são formas
novas. São readaptações de alternativas
educacionais dos anos 60 e 70 do século passado. A
legitimação dessas duas modalidade deve-se ao fato
de atenderem às demandas daqueles setores que por algum
motivo estavam excluídos do sistema formal de
educação e à demanda de treinamento de
profissionais para funções específicas. A
doutrina neoliberal do Estado mínimo faz com que estas
alternativas fiquem sob o controle ideológico e
financiamento de grandes corporações (Banco
Mundial, UNESCO.....). As possíveis
conseqüências, segundo Margarita, podem ser:
uma crescente homogeneização cultural ou
aculturação; um novo
"comunitarismo" educativo onde a
relação entre Estado e sociedade adquire uma
dimensão diferente da até hoje conhecida.; um
controle cada vez maior das grandes corporações no
setor da educação ao delinearem "o tipo de
educação, de indivíduo e profissional que a
sociedade moderna e aberta necessita". Segue-se a
descrição comentada dos princípios
fundamentais, das características, dos objetivos e da
metodologia das cátedras livres. Cátedras
livres são unidades acadêmicas
universitárias que não estão comprometidas
com o desenvolvimento de uma proposta curricular, nem com outras
burocracias da universidade. Pelo contrário, propiciam a
livre discussão científica, ética,
ecológica, artística, política e
tecnológica, integrada num projeto político
pedagógico flexível e aberto. Por último,
são apresentados os princípios fundamentais, os
objetivos e a metodologia da educação a
distância. Esta modalidade de educação, por
não ser presencial, é barata e, dado o grau de
desenvolvimento da "mídia", pode atender as
necessidades educativas de qualquer país.
José
Willington Germano, em seu artigo, "Mercado,
universidade, instrumentalidade", analisa as
repercussões do processo de reforma do Estado,
desencadeado no contexto da globalização e do
neoliberalismo, nas universidades públicas de muitos
países latinoamericanos. A idéia de Estado
mínimo, segundo o autor, "reabilita o mercado
como instância reguladora, por excelência, das
relações econômicas e sociais, numa evidente
contraposição ao welfare state". Trata-se
de libertar a acumulação de todas as cadeias e
restrições a ela impostas pela
regulação exercida na esfera política. O
autor lembra que o neoliberalismo, conforme B.Théret, pode
ser definido como um "sistema de receitas
práticas para a gestão pública, cujas
palavras-chave são: agilidade, eficiência,
eficácia, produtividade, nada, portanto, que diga respeito
aos ideais de equidade e justiça". Nas
universidades públicas, os efeitos das políticas
neoliberais se fazem sentir, entre outras coisas, pela
estagnação e redução do
orçamento estatal, por um discurso e uma prática de
privatização, pelo incentivo à
diversificação e à competição
institucional que acabam por impor, ao sistema
universitário público, a adoção das
lógicas do "livre mercado". Assim o ideal
clássico de universidade voltada para a pesquisa, a
transmissão da cultura, a educação dos novos
homens de ciência e cultura e o ensino das
profissões entram em crise. Em seu lugar, surgem as
universidades, ou as escolas de ensino superior operacionais e os
institutos tecnológicos públicos e privados. Diz
ainda Germano, que as políticas neoliberais geraram uma
tríplice crise nas universidades públicas: uma
crise de hegemonia, uma crise de legitimidade e uma crise
institucional. No bojo de tais crises a universidade
pública estaria passando da condição de
instituição social para
organização social, pragmática,
instrumental, preocupada com resultados imediatos, atrelada aos
interesses do mercado, ou seja, "quantouma universidade
produz, em quanto tempoe qual o custodo que se
produz".
Na terceira
parte–
"Paulo Freire y la educación popular"-
escrevem Ana do Vale, Bianco Zalmora Garcia, Pedro Demo, Afonso
Celso Scocuglia e Peter Lownds.
Ana do
Vale, em artigo
intitulado"A influência da pedagogia freireana na
formação sindical docente", analisa a
evolução da organização do
sindicalismo docente na década de 80-90. A autora advoga a
favor da idéia de que é possível, a partir
da década citada, mapear "o campo no qual
emergiu, dessa organização, o Sindicato dos
Trabalhadores em Educação". A
evolução do movimento docente vai, para a autora,
"associando mudanças de natureza quantitativa e
qualitativa", embora reconheça que o crescimento
produziu bem foi um "sindicalismo de classes
média", conclusão que elabora tendo em
vista a expansão observada no "elevado
número de greves e de jornadas de trabalho
perdidas", centrada no funcionalismo público,
particularmente nos campos da saúde e da
educação. Posto o quadro acima, a autora busca
descortinar "matrizes discursivas da
formação sindical docente", centralmente
explicitando a teoria freireana, com acentuada
aproximação com referências marxistas,
reconhecendo que a crítica que tem sido posta a Freire -
como ingênuo, idealista e não marxista –
é uma discussão a ser feita, reconhecendo, em
Freire, forte paciência impaciente, ternura e
indignação, sem descuidar do diálogo. De
todo o modo, a autora afirma que a
"concepção dialética da
educação pensada por Freire reside no
caráter eminentemente revolucionário da pedagogia e
no caráter eminentemente pedagógico da
revolução." Sem advogar exclusividade do
pensamento freireano na formação e na
prática dois educadores, a autora afirma que Freire teve
"forte influência por entre os educadores
brasileiros". A presença qualificada de Freire
no campo da formação implica a
aceitação da formação da
consciência, construída por estágios
diversos. Enfim, a autora não advoga a favor da origem
exclusiva em Freire dos paradigmas que utiliza para pensar tanto
o movimento docente quanto políticas de
educação. A intenção é dar
destaque à idéia de que Freire tem uma proposta
eminentemente política e, como tal, em consonância
com o projeto de formação sindical
docente.
Bianco Zalmora
Garcia,
intitulando sua texto "Projeto
político-pedagógico, autonomia e gestão
democrática da escola: uma perspectiva
habermasiana", calçado na Teoria da
Ação Comunicativa de Habermas, embora
não tomando Freire como fonte central para o
diálogo que instaura, mantém a reflexão
apontando para uma agenda, para o século XXI, em dia com
as premissas da mudança da sociedade e da
educação. A perspectiva é a
emancipação dos sujeitos. A
democratização da sociedade demanda a
reconstrução da "unidade dialética
da relação teoria e prática na
coordenação das ações e, desse modo,
mediante a consideração do componente comunicativo
da razão, constituir uma fundamentação
normativa da teoria social crítica." Na defesa
da participação qualificada das pessoas em
sociedade, o autor advoga a favor da busca do consenso racional
que se operacionaliza através das trocas intersubjetivas,
argumentadas, o que implica no desenvolvimento da ética
discursiva, quando a ação "política
integrada com base argumentativa" deve ser
desenvolvida. É do pressuposto acima que o autor advoga a
favor da construção da "autonomia como
condição de possibilidade de processos
democráticos voltados para a construção e
gestão do projeto
político-pedagógico", recuperando a
racionalidade comunicativa, que deve estar presente nos processos
participativos (a participação é fundamento
normativo). Para combater a
"instrumentalização da
participação" e o esvaziamento do
conceito de autonomia o autor propõe a
"descentralização como estratégia
sistêmica". O projeto de construção
permanente da participação e, em conjunto, da
escola não pode negar a permanente
"articulação dialética entre o
instituinte e o instituído". A
produção e a realização do projeto
político-pedagógico são apontadas pelo autor
como condição de possibilidade da
coordenação normativa da práxis escolar
ocorrer. Portanto, defende o autor, as necessárias
"autonomização e
descentralização democrática"
é que
garantem a
realização da escola como "locus da
reestruturação dos sistemas
educacionais", tomando o projeto
político-pedagógico como "medium entre o
poder comunicativo e o poder administrativo",
reconstruindo, assim, a conexão entre "processos
comunicativos e processos sistêmicos na práxis
escolar".
Pedro
Demo, tecendo
considerações acerca de "Conhecimento e
aprendizagem: atualidade de Paulo Freire", ressalta a
necessária reconstrução do sentido
político da educação, tradição
consolidada pela reflexão freireana, particularmente pela
proposta emancipatória ali presente, centrais tanto em
Pedagogia do Oprimido quanto em Pedagogia da
Esperança. Tomando como ponto de partida a
importância da "reconstrução do
conhecimento", Demo destaca a
educação como central estratégia para
"combater a pobreza política". Para
tanto, faz longo percurso reflexivo acerca dos estudos de Piaget,
Maturana, Varela e outros, destacando a
contribuição de Freire não apenas no
processo de reconstrução do conhecimento, mas na
defesa da dimensão política da
educação, apontando para a dialética
relação entre conhecimento e ignorância.
Advogando que estamos envoltos no "sociedade intensiva
de conhecimento", afirma que pouco sabemos sobre o
conhecimento, pois, como apropriadamente conclui, é
próprio do conhecimento não estabelecer fundamento
último para o que quer que seja: "é
inconsistente questionar sem permitir ser questionado."
O autor defende que conhecimento não é só
"iluminismo. É também obscurecimento,
porque se move no espaço do poder, não só da
verdade. Na sociedade intensiva de conhecimento, isto se torna
tanto mais ostensivo: disputa-se conhecimento como se disputa
poder, porque ambos os termos tendem a coincidir cada vez
mais." Considerando as tarefas a que se propõe a
abra aqui resenhada, daremos destaque à parte em que Demo
tematiza a "atualidade de Paulo Freire". Assim
como outros autores nomeados por Demo (Sócrates, por
exemplo), Freire é alçado à
condição de grande pensador porque sabia que pouco
sabia, contraposto às formas de ignorância,
não raro presentes em cotidianos da
educação. Demo destaca que pelo menos duas formas
de ignorância aparecem nos cenários da humanidade: a
inconsciente ("o pobre sequer consegue saber e é
coibido de saber que é pobre") e a
imposta("o pobre é coibido de poder
lutar"). Para Demo, a ignorância é
produzida e alimentada pela obstaculização das
políticas educacionais, pela manipulação das
assistências sociais e dos maios de
comunicação e cultural e pelo atrelamento das
energias associativas. O dito de Demo, o leva a concluir que
"o sistema não teme o pobre que tem fome.
Teme o pobre que sabe pensar." O que favorece
sobremaneira, hoje, os modelos neoliberais não é
"miséria material das massas, mas sua
ignorância", ignorância que
faz as pessoas esperarem soluções
produzidas pelos sistemas. A função da
educação de caráter reconstrutivo
político, conclui o autor, "é desfazer a
condição de massa de manobra, como bem queria
Freire."
Afonso Celso
Scocuglia,
retomando obra de sua autoria ("A história das
idéias de Paulo Freire e a atual crise de
paradigmas"), em artigo inititulado
"A progressão do pensamento
político-pedagógico de Paulo
Freire",
busca desvelar o que chama de "pontos nodais da
progressão deste pensamento complexo", que
constitui o texto freireano. Celso percorre a obra de Freire para mostrar
que a Pedagogia
do Oprimido representa o surgimento do
"núcleo irradiador de sua virada marxista (e
gramsciana)". Para a compreensão do que afirma,
Celso convida o leitor a voltar ao primeiro grande texto de
Freire: "Educação e Atualidade
Brasileira" pata lembrar o longo processo de
construção dialógica da biobibliografia de
Freire, até chegar a uma distinção
importante, relativamente a outras teorias pedagógicas:
tornando central a relação
educação-política, realizando, para
tanto, a conscientização. Ou seja, de
"Educação e Atualidade Brasileira"
à Pedagogia do Oprimido, longo percurso ocorre para que o
texto freireano assuma-se contexto político e se
caracterize como teoria pedagógica de caráter
marxista, por exemplo.
Peter
Lownds, refletindo a partir de "Notas de um
educador popular em Los Angeles: una leitura do mundo dos
imigrantes latino-americanos no sul da
Califórnia", faz qualificada
descrição de contexto em que ele próprio
se movimenta como professor de
"segunda língua" (inglês),
especialmente para imigrantes latinoamericanos. Lembra tempos de
ditadura, conhecendo Freire através de amigo que portava
textos escondidos. Morando em Los Angeles, espaço cada vez
mais ocupado por ondas gigantescas de imigração,
ensina inglês como segundo idioma em salas cheias de
latinoamericanos, tentando "aplicar o método
freireano". O professor testemunha o que faz::
"dispenso os textos multiculturais em favor de
diálogos coloquiais e ensaios biográficos, crio
círculos de leitura , trago codificações das
palavras generativas: abro a porta da aula pelo mundo afora e
deixo entrar a política e os problemas sociais dos alunos:
a saudade, a desgraça, a precariedade
generalizada." A densa descrição do
contexto em que vivem as pessoas que freqüentam suas aulas
é parte essencial do processo de formação
que o autor realiza tendo como teoria/referência a
biobibliografia freireana. A caracterização e a
conceituação do cenário a partir do que se
desenvolve a aula é exercício freireano intenso e
revelador da esperança e do diálogo com que o autor
toma do cotidiano os elementos básicos para a
educação que faz acontecer. É um quadro que
leva o autor a afirmar, com fina ironia, que "as ironias
da pós-modernidade aqui se desenvolvem com uma
histórica rapidez." É um mundo que o
autor faz acontecer, onde o diálogo é sempre
pessoal e o mundo pessoal do próprio educador faz parte do
processo de geração de confiança nas
pessoas, não raro "acanhadas" em seu
mundo individualizado. A partir da exposição das
"raízes" do educador,
"peço que contem algo de suas
histórias", salientando a primazia das palavras
"como agentes de comunicação".
As perguntas e as respostas são, para o autor,
"sangue vivo do diálogo". O autor, bem
dando conta do processo "inteiro" que Freire
propõe para a educação, acredita que a
conscientização pode dar-se, mas é
processo lento. Tomando a dimensão política da
educação em Freire, Peter aposta que, embora lento,
o processo de
reconhecimento e luta para a conquista da cidadania e dos deveres
vai sendo conquistado.
Observações finais dos
resenhistas
Considerando a
perniciosa presença das políticas neoliberais e o
desmonte da Universidade Pública como
instituição e sua transformação em
organização social, com claros objetivos de
mercado, os autores da obra aqui resenhada, em sua maioria,
apontam para Freire como forte referência para fazer frente
à cultura individualista do neoliberalismo, destacando a
importância da aprendizagem do diálogo e do amor,
como estratégia para superar os bloqueios, não
apenas dos Aparelhos Ideológicos, mas de suas bem
atualizadas formas de dominação na América
Latina.
A propositura da
obra que é
pôr em destaque a bibliografia de Freire e elaborar a
referências para pensar a Educação no
Século XXI, é sstisfeita por boa parte dos artigos
que a compõem. Outros que não referenciam Freire,
de todo o modo, ajudam a pensar a "A Agenda da
Educação Latino-Americana noSéculo
XXI". Assim, entendemos, boa parte dos autores da presente
obra tem tomar Freire pensar horizontes que ultrapassem a
percepção imediata das relações
históricas é desafio ético central,
particularmente para educadores atuando num mundo1 pautado pela cultura
consumista e imediata. Tal cultura, presentifica o futuro e
aposta que a vida se resume a aceitar os prazeres que a
adaptação às necessidades oferece, embora
logo adiante cobre rigorosa renúncia pela
redução a tais satisfações ou pela
restrição a condições materiais ou
pelo necessário cuidado de si (com base no ensimesmamento
e na cultura narcísica do corpo) que se impõe,
tendo por base a saúde e a tão sonhada longevidade
ou na forma de novas tiranias: da beleza, da estética e da
imagem. É nesse contexto que nos encontramos: encruzilhada
que pode remeter-nos à reflexão sobre o sentido da
própria existência.
Por que Freire, fonte
principal para o diálogo que trazem autores deste texto?
Freire, porque é filósofo que dá
consistência à pedagogia crítica2 e fomenta
práticas coletivas que possibilitam sustentar a
idéia de que a educação serve à
transformação, pois, assim como a cultura, sempre
envolve-se com mudanças pela formação de
identidades e subjetividades, trazendo para o cenário
novas vitalidades. Freire, porque constrói e teoriza a
prática, não reduzida à experiência
imediata, e desconstrói axiomas
filosófico-pedagógicos que, embora por outros
pensadores tematizados, são dimensões fundantes
à ação política docente, combatendo
absolutismos dogmáticos e autoritários e
relativismos licenciosos, cujos preconceitos e dogmas são
balizas permanentes à demarcação dos campos
epistemológico e político. Leituras
pós-modernas, ao construir condições de
possibilidade a criadoras desconstruções3 e
desdogmatizações, permitindo reconhecer diversas
consciências como construções, pouco
constituem critérios problematizadores de reflexões
individualizadas, que não raro tornam-se fundamentos
exclusivos de ações decorrentes. Porque Freire,
atual, quer que seu pensamento seja recriado; não quer
discípulos nem seguidores, mas recriadores curiosos de
suas próprias curiosidades. Sem
absolutizações, os autores aproximam-se de Freire
em quem encontram gente e teoria com o que, acreditam, é
possível fazer dialogar as próprias
reflexões. Defendem a presença forte de
Freire no campo educacional porque é necessário
confrontar a vitalidadede
seu texto com as urgências do presente. Retomam Freire
porque seu programa político-pedagógico é
projeto possível que fortalece a construção
contra-hegemônica, necessária para enfrentar
fatalismos culturais excludentes impondo-se como único
expediente. Retomam Freire porque é um pensador que,
tomando as vertentes teórico-filosóficas da
dialética e da fenomenologia, busca superar o
relacionamento oposto entre teoria e prática, desafiando e
propondo a desdogmatização4, também do
próprio estatuto de verdade das pedagogias
críticas.
Freire é
principal para este texto porque, enquanto pensador do seu tempo,
disponibiliza fundamentos para pensar a escola em contexto,
não por certezas absolutas (atestado de falência da
capacidade humana nos humanos), nem índice de rigor
teórico e conceitual, mas içamento de idéias
que propõem referenciar práticas humanas, mantendo,
como centralidade, a permanente possibilidade da dúvida
como princípio epistemológico e político.
É por isso que Freire dá o que pensar, colocando
à disposição do mundo contemporâneo
possibilidades de confrontos teórico-práticos
referentes à totalidade das relações, o que
torna fundamental a problematização de verdades
absolutas, conforme modelo cartesiano.5 Freire, porque busca
refundamentar a educação em sua base
epistemológica e ética, condição de
possibilidade de exercício moral mínimo com vistas
ao que é ontologicamente máximo na
relação social. É pensador e educador que
põe em cena o sujeito da educação não
em perspectiva metafísica pura, mas na
condição histórica em que vive, tornando-se
intersubjetivo de suas relações em comunhão
ou confronto com outros sujeitos; sujeito,
não na perspectiva ocidental-cartesiana da modernidade,
mas ser histórico que vai constituindo-se, sem negar a
dimensão metafísico-ontológica que carrega.
Diferentemente do modelo cartesiano, Freire não busca a
verdade inabalável, mas a sua construção
histórica, que inicia com a decisão de não
aceitar certezas absolutas e dogmatizadas, conferindo ao
comportamento atitude filosófica. É assim que
Freire, contra erudições em torno da
negação da possibilidade de conscientizar
alguém, é um pensador que mexe com o muno da
educação, talvez porque é pessoa e educador
que não necessita gravar em placas de bronze suas
reflexões e ações; continua gravando no
coração de muitas pessoas mensagens de
esperança e inconformismo permanente em
relação à injustiça, iluminando
caminhos sem precisar brilhar, ante intelectuais outros que
brilham sem conseguir iluminar.
É dessa forma que
se colocam, em Freire, perspectivas de formação
para a cidadania crítica, com competências para
realizar intervenções sociais de forma
autônoma e criativa, a partir do que a liberdade e a
autonomia podem constituir-se. Freire, porque escreve com
raiva e amor, sem o que não há
esperança; porque defende a tolerância, não o
intolerável; porque faz radical crítica ao
radicalismo; porque ante tempos em que se recusam o sonho e a
utopia resgata a formação crítica, onde a
história é fascinante aventura de desvelamento da
verdade e não determinismo; porque critica a democracia
quando não passa de espaço à
democratização da sem-vergonhice; porque a
esperança é o que teimosamente o coloca ante
imperativos da existência histórica; porque
crê na possibilidade do inédito viável
que desafia humanos a romper redes de opressão; porque
aproveita a riqueza da linguagem metafórica, sem perder a
rigorosidade, para habilitar as pessoas à
compreensão da história e à prática
de ações para fazer o mundo lugar belo para
viver. Assim, a obra de Freire permite declarar que
há uma diretriz política e técnica que
possibilita fundamentar dimensões epistemológica,
política, pedagógica e moral, o que torna a
retomada das concepções de autoridade e liberdade
oportuna e necessária, eixo fundamental à
reflexão em torno de projeto histórico.
Acerca de autor do
libro
Dr. Carlos Alberto
Torres: Ph.D., pela Universidade de Stanford. Atualmente é
professor de Ciências Sociais e Educação
Comparada na Universidade de Califórnia/Los Angeles,
Diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da UCLA e diretor
do Grupo de Trabalho de Educação e Sociedade da
CLACSO. Foi professor em diversas Universidades: no
Canadá, no México, na Argentina... É Diretor
fundador do Instituto Paulo Freire, São Paulo/Brasil.
Dentre seus livros mais recentes, é possível
encontrar: com Raymund Marrow, "Social Theory and
Education"; Paulo Freire, Jurgüen Habermas and the
Pedagogical Subject"; em versão espanhol,
recentemente, lançou "Educación, Democracia y
Multiculturalismo"; em português publicou, em 2000,
"Poder e Biografia Pessoal", por Artes
Médicas. O professor Carlos A Torres é autor,
co-autor e/ou editor de mais de 40 livros, em vários
idiomas.
Acerca de los autores
de la resnha
Professor
Gomercindo Ghiggi: Professor da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Pelotas, Doutor
em Educação/UFRGS. Lançou, recentemente,
pela Editora Seiva Publicações, "A pedagogia
da autoridade a serviço da liberdade: diálogos com
Paulo Freire e professores em formação" ghiggi@ufpel.tche.br
Professor
José Lino Hack: Professor da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Pelotas, Mestre
em Filosofia pela PUC/RS
Notas
1.
Hoje paga-se por conforto antecipado,
desativando razões para desenhar o futuro (vira fardo,
pois tudo já passou!).
2.
Embora por McLaren considerado o fundador da
pedagogia crítica, terganho estatuto e força
explicativa e conquistado espaços na
educação brasileira e internacional (o particular,
bem assumido e realizado, universalizou Freire e sua obra),
não é raro encontrar intelectuais para quem Freire
não é senão peça que encanta e
enfeita o bem comportado desfile
acadêmico.
3.
São desconstruções
particularmente relativas às reivindicações
de conhecimento universal, em suas tendências não
pouco míticas, monológicas e monolíticas,
embora conceitos provocadores de tensões
substanciais.
4.
Desdogmatizar sob o dever de evitar a
dogmatização, possibilita, pela própria
desdogmatização, como sugere Freire, interrogar
e desafiar quando manuais dão respostas e
dogmatizam.
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