jueves, 20 de marzo de 2025

Larrosa, Jorge & Skliar, Carlos (orgs.). (2001). Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Resenhado por Sandra Mara Corazza.

 

Larrosa, Jorge & Skliar, Carlos (orgs.). (2001). Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica.

302pp.

Preço: R$29,00       ISBN 85-7526-032-4

Resenhado por Sandra Mara Corazza

12/11/2001

Abundante aire fresco, na literatura educacional. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença areja a comunidade, a língua e o pensamento da Educação. Torna-os dispersos, evanescentes, intercambiáveis, numa palavra: babélicos. Todos deveriam experimentar esse ar, tal é o bem que faz! Agora, sintetizar Babel..., numa Resenha, é uma tarefa difícil, senão uma violência constritora. Só me resta mostrá-la, dá-la a ver.

O livro é composto por dezesseis textos, cheios de erudição e beleza, que nos levam a descobrir o prazer, a poética e a política do plus d’une langue. Aventura de aprender que, por meio de Babel, podemos, em Educação, linguajar com mais de uma língua, com o plus de mais língua, com um basta de uma única língua.

Esses textos-língua são escritos por estudiosos e pesquisadores da Pedagogia, Filosofia, Sociologia, Antropologia, História, Política, Literatura, Música, Estética, Crítica Cultural, etc. Estudiosos que estudam o mundo e trabalham em muitas terras: Espanha, Brasil, Portugal, México, Argentina, Venezuela, Chile. Pesquisadores que, em seus textos, utilizam idéias e conceitos de vários autores, dentre os quais: Nietzsche, Heidegger, Wittgenstein, Levinas, Derrida, Deleuze, Foucault, Baudrillard, Bourdieu, Arendt, Benjamin, Gadamer, Hölderlin, Elias, Bhabha, Lispector, Bauman, Shönberg, Rilke, Blanchot, Hobsbawn, Geertz.

Eles falam de muitas coisas: infância e acontecimento, futuro e porvir, dom e fecundidade, palavra e silêncio. Do mundo interpretado e deserto de Deus e exilado do Eu. Da queda do muro de Berlim. Globalização. Mundialização. Disneylização das cidades. Niilismo S.A. Consciência Humanitária. Presença da diferença, presença bárbara, diferença que perturba. Pathos comunitário das culturas dominadas e etnocentrismo das dominantes. Pretensões totalizadoras. Doutrina do homogeneismo. Xenofobia. Racismo. Integrismo.

Falam de utopia. Comunidades de vontades de poder. Experiências emancipatórias. Vibrações transculturais. Turismo cultural em busca do sentido perdido: mercadoria e sacramento. Obras de arte. Traslados. Imigrações não comunitárias. Hipercrítica às identidades atribuídas pelos outros. Intimidade. Saber e amor femininos. Pedagogia da Diversidade. Educação Especial. Políticas de inclusão escolar dos anormais. Processos de normalização. Uso neoliberal da norma: dominação ampliada.

Analisam espaços exteriores, heterotípicos, inabitáveis, não-lugares. Geografia da Morte. Lógica do Medo. Alfabeto de Dor. Estética da Crueldade. Sintaxe de Sangue. Corpos deslocados e desesperados. Barbárie carnal-discursiva dos campos de refugiados. Mas, também, corpos que portam memórias exemplares e vozes que testemunham. Nordeste do Brasil: topos imagético-discursivo de saudades. Invenção de tradições. Reino épico, sagrado, infantil. Máquina de rotina e submissão. Fábula espacial de sede, fome, doenças, políticas. A morte como insígnia.

Problematizam muitos sujeitos: essencialmente-outro, multifacético, humano-que-é-dois, perspectivista, outro-diverso, intensivo, da-falta, de traços caleidoscópicos, reinventado, não-idêntico, mestiço, anti-sujeito, em metamorfose, vindo-a-ser artista, estar-sendo-Triqui. O inimigo externo substituído pelo interno. Extermínio da Alteridade pela (re)produção diferencial do Outro. A moda e as bondades do Multiculturalismo. Retóricas e eufemismos da Diversidade. Tradução e representação, regulação e controle da Alteridade. Fetichismo das identidades e diferenças. Suposta revolução do etnocentrismo.

Indagam: o que estamos fazendo de nós mesmos? Onde estão todos-os-outros, se aparecem apenas alguns-outros: de gênero, sexualidade, classe, etnia? Como ocorre a demonização dos outros, sob as três formas da diversidade: fontes de todo o mal, sujeitos plenos de marcas culturais, outros a tolerar? Qual é o sentido e o valor da Diferença, que justifica a imposição de tudo o que é feito para liquidá-la? Como encontrar o Outro, sem que seja como vítima ou culpado, réu e prova, testemunho e intérprete da universalidade? Como suspender os processos de identificação? Como o Outro pode ser posto em cena não como objeto de ação, a ser reparado, integrado, registrado, detectado, feito visível e enunciável, tendo calibradas sua integração e ameaça, mas como desafio ao intercâmbio, interpelação a nossos símbolos e identidades? Pode-se substituir a idéia totalitária de comunidade, sem cair em outra não menos totalitária?

Propõem: educar por meio da arte, isto é, significar o silêncio e dar voz aos que são outros. Repensar-se e desentender-se, deixar de olhar e de nomear como até então, para ser Outro. Distanciar-se dos deuses, símbolos, significados. Abrir lugares de silêncios e de outras palavras. Receber o Outro. Não apenas reivindicar a Diferença, mas criar novos modos de relação pela assunção da Dessemelhança. Não somente substituir o Mesmo pelo Outro, mas libertar-se do Princípio da Identidade, que é quem os estabelece. Desconstruir a lógica da Identidade-Diferença, que funciona na auto-identificação e identificação do Outro. Ensaiar a invenção de novas formas de vida.

Incitam a: descarrilar-se desses tempos do possível e do previsível, dominado por projetos e cálculos. Resistir, isto é, exercer a ética dos que estão vivos. Reinventar a arte da convivência social como inatual. Estabelecer nexos entre comunidade e alteridade. Criar a comunidade-dos-que-não-têm-comunidade: irrepresentável e indizível, necessária e impossível, que não desfaz seus conflitos e compartilha a própria impossibilidade. Uma comunidade, composta por sujeitos dispersos, exilados da Ontologia, que não vivem em uma cidade nem em uma só língua, e agem como signos para nomear os outros. Comunidade dos que povoam a Terra: Habitantes de Babel.

Por tudo isso, Babel é um pensamento perigoso, que desassossega, desconcerta, desalinha, desarranja, desorienta. É coisa muito forte para pensar o mundo, a vida, as culturas, as gentes, a Educação, a Pedagogia, o Currículo. Mas, que diabos -- e que Deus me perdoe a expressão! -- , de onde vem Babel? Qual é a genealogia desse conceito-motor do livro?

Lido no capítulo 11 do Gênesis, Peter Sloterdijk (El el mismo barco. Ensayo sobre la hiperpolítica. Madrid: Siruela, 2000)ressignifica o mito bíblico de A torre de Babel. Vira este mito, invertendo a sua carga negativa, que, há dois milênios, relaciona-o com pecado, culpa, queda, acusação, expiação, castigos: todas catástrofes a serem remediadas pela Humanidade, condenada à incansável busca de reunificação. Carga negativa, constitutiva do próprio conceito de Humanidade, que incide sobre a quebra de unidade, perda do nome, confusão das línguas. Carga política, em efeito, potencializada, hoje, pela demanda de novos imperativos universais: reabilitação da unidade perdida, administração da diversidade, restauração do co-pertencimento a um mesmo modo de existência, reabilitação da coincidência entre convicções e ações. Dessa Babel original, vem o pensamento anti-babélico na cultura, ética, linguagem, condição humana. Dela, deriva a política do anti-babelismo, que transforma as diferenças em mercadorias rentáveis, gerencia e ordena a pluralidade, canaliza fluxos e intercâmbios da diversidade.

Já, a nossa recém-nascida Babel devém da virada-babélica de Sloterdijk. E, nela, acabamos nos re-conhecendo. Ao iniciar a leitura deste dispositivo metafórico pós-virada, nos assustamos com os duplos de nós mesmos: -- E eu, que habitava Babel, e nem sabia! E eu, que sou babélica, e nem tinha me dado conta! A nossa Babel inventa um pensar que circula, funciona, trabalha, maquina em nós. Encrava-se em nosso imaginário, fantasias, saberes, desejos. Escava a perplexidade e desafia a confusão, diante do mundo imprevisível e desconhecido desse tempo caótico e incompreensível, que são os nossos. Perplexidade e confusão que, aliás, não imobilizam, mas nos implicam em sua afirmação inaugural: -- É mesmo, “babilônios somos”.

Então, prosseguimos a leitura e vamos, cada vez mais, nos babelizando. Ou seja, exilando-nos de nós próprios, sem qualquer possibilidade de reapropriação do que antes supostamente era nosso, sem poder sustar o desenraizamento de onde estávamos e do que parecíamos ser. Sempre mais, vamos nos fazendo estrangeiros em nossa própria casa, refugiados de nosso nome, terra e pátria. Ao adquirir essa condição babélica, passamos a pensar e a viver no não-lugar que é Babel. Só então, percebemos que aí pode nascer uma nova língua, a ser falada ou silenciada, mas, cujas palavras conhecidas nunca mais significarão o que significavam na Língua Única pré-babélica.

À medida que palmilhamos as 302 páginas de Babel, criamos coragem para viver a experiência de sua língua. Língua que não se pretende singular, pois sabe que qualquer língua é sempre múltipla, confusa, dispersa, atravessada babelicamente. Se Babel não objetiva ter uma única língua para hospedar o Humano, ela também não acredita que exista, em lugar algum, qualquer mapa, mesmo multicolorido, que contenha fronteiras marcadas e nítidas, no qual os diferentes poderiam agrupar-se e identificar-se, ao redor de distintas línguas. Babel é, efetivamente, demoníaca!

Por isso, não imaginem que o seu pensamento pensa pastoralmente os diferentes, objetiva salvá-los de alguma coisa, realiza promessas divinas ou etnocêntricas. Nada disso! Babel não se apropria das diferenças, para traduzi-las à sua própria imagem e linguagem. Não se filia às políticas de identificação e ao governo das diferenças. Ao contrário, problematiza-os radicalmente. Enfatiza as dinâmicas da diferença e todas as experiências inquietantes da alteridade. Reforça a diferença pura e os diferentes, situados no coração da crítica contemporânea do Sujeito da Compreensão, produzido pelo pensamento da consciência. Isso porque a danada da Babel tem um gosto inegociável: ela sempre pensa cultura, inteligência, sensibilidade, riqueza, grandeza... de Muitos. Ela fala sempre de muitos mundos, racionalidades, línguas, histórias, realidades, que pertencem aos Povos de Diferentes.

Babel é cidade, nome, língua, mas é também torre. Torre? Impossível não associá-la às gêmeas do World Trade Center, na manhã de 11 de setembro de 2001, em Nova York e no mundo todo, e a tudo o que veio antes e vem vindo depois. Essas torres e suas destruições atestam que as condições em que vivemos, ações, idéias, palavras, experiências, modos de ser, relações, políticas, países, grupos, povos não podem ser senão babélicos. Que, por seu intermédio, podemos tratar de temas políticos e culturais. Expressar a ruína dos projetos modernos e ilustrados. Pautar questões de pluralidade e exílio, dispersão e mestiçagem, exploração e barbárie.

Pensar e habitar a língua da Educação babelicamente é fazer isso de modo (po)ético, ou seja, pensá-la e habitá-la também no que não pode dizer, no que conserva de inapropriável e fornece de misterioso. Uma educação babélica é uma educação que inova, inventa, contingencia, transmite a finitude, o estar de passagem pelo mundo, o ser um convidado da vida. Uma educação que faz artistagem de futuro, que é coisa de por-vir, que ama transitar por um itinerário plural e criativo, sem horizonte de possibilidade.

Educação do talvez, descrita por Larrosa (p.289): “[que] tem a ver com o talvez de uma vida que nunca poderemos possuir, com o talvez de um tempo no qual nunca poderemos permanecer, com o talvez de uma palavra que não compreenderemos, com o talvez de um pensamento que nunca poderemos pensar, com o talvez de um homem que não será um de nós”. E acrescenta: “Mas que, ao mesmo tempo, para que sua possibilidade surja, talvez, do interior do impossível, precisam de nossa vida, de nosso tempo, de nossas palavras, de nossos pensamentos e de nossa humanidade”.

Ora, talvez, tenha sido por isso, que ele e Skliar, numa certa ocasião, fizeram a seguinte brincadeira: juntaram o início da primeira frase do livro (p.7) com o final da última (p.295) e chegaram à fórmula: “Já não é (...) uma possibilidade que se remete ao porvir”.Daí, podemos concluir que Habitantes de Babel... é um livro com potência suficiente para dar aos educadores outra vida, tempo, palavras, pensamento, humanidade diferentes. Se, como Babel demonstra, dar é dar o que não se tem, é dar o porvir da palavra, sem ser proprietário dela e sem controlá-la, então Babel... é um porvir fecundo para todos nós, babilônios. A ele, sejamos muito bem-vindos.

Sobre os autores do libro

Jorge Larrosa é professor de Filosofia da Educação na Universidade de Barcelona. É doutor em Pedagogia e realizou estudos de pós-doutorado no Instituto de Educação da Universidade de Londres e no Centro Michel Foucault da Sorbonne em Paris. Foi professor convidado em várias universidades européias e latino-americanas. Dentre as suas diversas publicações, destacam-se La experiencia de la lectura (1996) e Pedagogia profana (1998).

Carlos Skliar é professor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Suas questões centrais de pesquisa são: produção e construção da alteridade deficiente; políticas e pedagogias para as diferenças; construção de alteridades nos espaços colonial, multicultural e pós-colonial. Além de organizar vários livros e publicar artigos em periódicos educacionais, escreveu La educación de los sordos. Una reconstrucción histórica, cognitiva y pedagógica (1997).

Sobre a autora da resenha

Sandra Mara Corazza

Professora do Departamento de Ensino e Currículo e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFRGS. Coordena o Grupo de Trabalho Currículo da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação -ANPEd. E-mail: sandracorazza@uol.com.br Áreas de interesse: Infância, Filosofias da Diferença, Estudos de Currículo.


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