jueves, 20 de marzo de 2025

Moreira, Antônio Flávio; Soares, Magda; Follari, Roberto A. e Garcia, Regina Leite (Org). (2001). Para quem pesquisamos, para quem escrevemos: o impasse dos intelectuais. Resenhado por Ana Lucia C. Fernandes

 

Moreira, Antônio Flávio; Soares, Magda; Follari, Roberto A. e Garcia, Regina Leite (Org). (2001). Para quem pesquisamos, para quem escrevemos: o impasse dos intelectuais. São Paulo: Cortez (Coleção Questões da Nossa Época).

Pp.119

ISBN 85-249-0806-8

Resenhado por Ana Lucia C. Fernandes
Universidade de Lisboa

20 junho 2002

Desde 1999, pesquisadores latino-americanos têm promovido encontros realizados durante as reuniões anuais da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação (ANPEd), entidade brasileira, em parceria com o Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO), com o intuito de discutir problemas, modalidades e estratégias de trabalho acadêmico comuns, bem como as dificuldades e os avanços no sentido de produzir pesquisas engajadas com a realidade daquela região.

Este livro é o primeiro resultado desses encontros e contém trabalhos apresentados no 3o Colóquio Produção de Conhecimento e Responsabilidade Social do Pesquisador, realizado no ano de 2000. Tais colóquios têm permitido uma oportunidade para (re)pensar a prática de pesquisa e, desse modo, avançar na (re)formulação de idéias e alternativas que possam contribuir para ajudar a pensar e a construir “uma escola e uma sociedade onde o direito à educação seja mais que uma promessa formal”. Os colóquios buscam compreender também pontos comuns e de ruptura no campo específico da educação, remetendo os pesquisadores e pesquisadoras ao reconhecimento de suas responsabilidades públicas enquanto intelectuais.

Estruturado a partir de textos de quatro conhecidos e respeitados pesquisadores, três do Brasil e um da Argentina, dois homens e duas mulheres, o livro levanta importantes questões e todos os textos revelam ter em comum a preocupação sobre o papel social do pesquisador não somente naquilo que escolhe pesquisar, mas também na forma como socializa o resultado de suas pesquisas.

O primeiro texto, de Regina Leite Garcia, Para quem investigamos – para quem escrevemos: reflexões sobre a responsabilidade social do pesquisador, parte de uma preocupação recorrente da autora com o destino de suas pesquisas e de seus escritos. A premissa que está na origem do texto é a de que se a escola é o objetivo último das pesquisas e de tudo o que é escrito a partir delas, o resultado dessas pesquisas deveria então chegar até ela e, de algum modo, beneficiá-la.

A partir do relato de suas experiências e inquietações, inicialmente a autora levanta algumas questões que estão na base da própria ação de pesquisar e na postura do pesquisador frente à pesquisa. Começa por mencionar o seu “preocupado diálogo” estabelecido com outros pesquisadores e pesquisadoras sobre o destino de suas pesquisas e escritos e apresenta algumas das perguntas que apareceram a partir dele: “nossas pesquisas contribuem para melhorar a escola?”, “será que nos fazemos compreender quando trabalhamos com grupos populares?”, “nossas reflexões e escritos contribuem para estabelecer o diálogo universidade – escola?”, entre outras.

Além disso, sua preocupação específica com os cursos de formação de professores para os primeiros anos de escolarização fez surgir outras perguntas cruciais: “será que os nossos escritos ajudam efetivamente professoras e professores a enfrentar as dificuldades na sala de aula para que seus alunos aprendam?”, e ainda, “ será que as pesquisas que realizamos contribuem para melhorar a qualidade do trabalho pedagógico?”.

Ao relembrar sua experiência anterior como professora do ensino fundamental, menciona ocasiões em que suas aulas eram “invadidas” por pesquisadoras vindas da universidade que as observavam e que depois jamais davam algum retorno do que havia sido “descoberto” em suas pesquisas. Estas reminiscências, em conjunto com os recursos teóricos que foi adquirindo, contribuíram para repensar a sua própria prática investigativa, à medida que percebia o equívoco de muitos pesquisadores (e também o seu, anteriormente) que iam ao campo cheios de certezas que condicionavam de antemão a investigação.

A autora identifica uma “crise de interpretação” que faz com que pesquisadores e pesquisadoras continuem a ler a realidade a partir de velhos pressupostos, os mesmos que muitas vezes são criticados. Em suas palavras, tais certezas “parecem, hoje, inimigas da pesquisa séria, pois quem tem certezas não tem boas razões para fazer pesquisa. Hoje sabemos que a dúvida, a incerteza, a insegurança, a consciência de nosso ainda não saber é que nos convida a investigar e, investigando, podermos aprender algo que antes não sabíamos”.

Como consequência, questiona a crença na neutralidade e na objetividade, compartilhando com Humberto Maturana a compreensão de que “Não é possível conhecer ‘objetivamente’ fenômenos sociais nos quais o próprio observador-pesquisador que descreve o fenômeno está envolvido”.

A seguir, apresenta algumas idéias de autores com quem tem vindo a dialogar no sentido responder à pergunta que deu origem ao título do livro. Tais autores têm em comum o fato de refletirem sobre “a importância de se ser compreendido quando falamos ou quando escrevemos, se queremos mudar a escola e a sociedade”. O primeiro desses autores é Paulo Freire que acabou por se tornar livro de cabeceira de professores e professoras de todo o mundo, em função da perfeita conjugação entre a relevância daquilo que escrevia e o seu estilo de escrever que almejava o pleno entendimento de quem o lia.

Outro autor mencionado é Michel Apple, de quem a autora destaca sua disponibilidade para participar de atividades de “militância”, ressaltando ainda que tal atividade acabou por provocar mudanças em sua escrita, tornando-se, na opinião de Regina Leite, cada vez mais clara, direta e fácil de ser compreendida.

O que está em causa para Regina Leite, em suma, é a possibilidade de se refletir, no interior do espaço acadêmico, “sobre qual o lugar da teoria num projeto emancipatório e como se pode reaproximar a teoria da prática e a prática da teoria”. Uma reflexão crucial e imprescindível, sem dúvida.

Situado num plano mais teórico, o segundo texto, de Roberto A. Follari, Para quem investigamos e escrevemos?: para além de populistas e elitistas, apresenta uma reflexão instigante sobre o sentido social e político daquilo que é produzido a partir das pesquisas realizadas no campo das ciências sociais.

O autor começa por discutir a problemática da linguagem ao localizar as ciências sociais dentro do “círculo hermenêutico” para explicar sua constituição inicial e para justificar a chamada “linguagem natural”. Analisa a condição constitutiva das disciplinas sociais para explicar que é compreensível a assunção de uma linguagem que parta do cotidiano e não rompa plenamente com ele, sendo a função específica das ciências sociais fazer parte do “círculo hermenêutico” de auto-interpretação e auto-compreensão social.

Entretanto, esta menor formalização linguística não pode ser confundida com uma ausência de distância entre a compreensão imediata e a construção científica. Ao contrário, afirma o autor, citando Bachelard, que “o conhecimento científico se constrói na abstração distante da representação, contra as aparentes evidências constituídas como senso comum”. Ou seja, há necessariamente uma separação entre o conhecimento sistemático do social e o conhecimento cotidiano, distância esta que permite a constituição daquilo que é científico.

Em seguida, Follari desenvolve seu raciocínio com base principalmente em três autores: Gramsci, Pierre Bourdieu e Boaventura de Sousa Santos. Do primeiro, o autor retoma (e reatualiza para o momento presente) o conceito de hegemonia e o papel fundamental que no seu entender podem ter os intelectuais no processo de “reconduzir o senso comum iluminando-o com a teoria”.

A partir de Bourdieu, busca afirmar que os problemas assumidos pela ciência social devem ser extraídos da sociedade em si mesma, mas que existe uma “descontinuidade entre o científico e o conhecimento cotidiano”, ou seja, a ciência nutre-se da consciência cotidiana, mas requer protocolos próprios para constituir e validar uma temática dentro de uma problemática conceitual.

Finalmente, o autor apresenta a posição de Sousa Santos a respeito de uma ciência pós-moderna na qual seria possível “uma espécie de recondução do pensamento científico até a sociedade”.

Sobretudo a partir dessa última posição, Follari discute como poderia funcionar, no seu entender, o processo de difusão massiva do conhecimento que o cientista produz. Aqui também entram as perguntas fundadoras do debate: “para quem investigamos e para quem?”. O autor passa então a analisar duas posições distintas assumidas historicamente por aqueles que lidam com a ciência: o populismo e o elitismo, cada uma delas simbolizando um tipo de relação que os pesquisadores/cientistas estabelecem entre os produtos da ciência e o social e, ao mesmo tempo, o próprio papel que devem assumir na divulgação maior ou menor de seus produtos. Uma pergunta síntese poderia ser feita nos seguintes termos: ciência mediática ou torre de marfim?

O texto apresenta idéias bem fundamentadas e deixa evidente a preocupação do autor com o caráter social da ciência.

O terceiro texto foi escrito por Magda Soares e chama-se Para quem pesquisamos? Para quem escrevemos?. Conhecida por seus textos sobre alfabetização, linguagem, e diversas formas de trabalho com o ato de escrever, a autora propõe-se a refletir sobre a escrita do pesquisador acadêmico, ou seja, sobre a escrita produzida a partir das pesquisas realizadas em âmbito acadêmico. Para isso, inicia o texto com um original paralelo entre os pesquisadores e os escritores, para situar as diferenças que marcam o processo de produção da escrita dos dois grupos.

Além das diferenças de forma e estilo, o que marca fundamentalmente a distância entre uns e outros é o fato de os escritores não apresentarem uma especial preocupação com o para quem escrevem. Os pesquisadores, ao contrário, em geral escrevem por dever de ofício, por exigência da academia e dos pares, buscando reconhecimento, fazendo com que suas publicações tenham um público mais dirigido, mais específico.

Os pesquisadores esforçam-se por publicar em periódicos e em editoras especializados em sua área e voltados para pesquisadores e estudiosos da sua área. Entretanto, Magda Soares levanta uma importante (e inquietante) pergunta: “é só para os pares que deve escrever o pesquisador-autor?”.

Como salienta a autora, tal pergunta adquire ainda mais pertinência sobretudo se se considera especificamente a área das ciências sociais e humanas e, mais especificamente ainda, a área da educação. Por trabalhar com questões socialmente relevantes, com “problemas que não são apenas para serem pesquisados e estudados, mas também para serem resolvidos, permitindo intervenção e transformação da realidade”, o pesquisador deveria assumir uma certa responsabilidade em ampliar o poder de alcance de suas formulações.

Tomando algumas ideias de Bourdieu, Magda Soares defende que a pesquisa nessa área pode servir para desvelar “leis sociais”, oferecendo um conhecimento melhor dessas leis, permitindo aos diferentes atores “desnaturalizá-las, fazendo das leis identificadas e enunciadas pelo pesquisador objetos de preservação ou de transformação”.

Mas, mesmo havendo a possibilidade de possuir esta função tão relevante, porque é que o pesquisador-autor raramente produz um outro texto? Outro, porque a autora estabelece uma distinção fundamental entre as condições de produção de um texto (os objetivos e a função atribuídos ao texto, o leitor a ser alcançado) destinado aos pares e aquelas envolvidas na elaboração de um texto destinado a outros tipos de leitores. Isto significa que o autor se organiza em termos de estrutura, estilo, léxico, estruturas sintáticas, em grau e natureza de informatividade conforme o “Leitor-Modelo” que ele tenha em mente.

Voltando à pergunta “por que o pesquisador-autor raramente escreve para o leitor não-acadêmico”, uma resposta possível pode residir no fato de existir uma hierarquia entre textos “acadêmicos e científicos”, de um lado, e “de divulgação”, de outro, sendo atribuídos a estes últimos um menor valor e menos legitimidade acadêmica.

Além disso, destaca Magda Soares, costuma ocorrer também um outro fenômeno, que é o pesquisador resolver escrever para o leitor não-acadêmico e não conseguir alcançar o seu objetivo, em função de sua “dificuldade de produzir textos em condições diferentes daquelas que são inerentes ao contexto em que atua”. Para exemplificar, a autora apresenta uma série de orientações e dicas retiradas de uma importante revista de divulgação científica publicada no Brasil, a revista Ciência Hoje, destinadas aos autores que pretendem publicar artigos na revista.

O texto de Magda Soares também contribui, sem dúvida, para ampliar a reflexão proposta pelo tema do livro.

Por último, o livro conta com a contribuição de Antônio Flávio Barbosa Moreira que tem como título Para quem e como se escreve no campo do currículo: notas para discussão.

Apropriando-se de citações do poeta mexicano Octavio Paz, o autor parte de uma distinção entre o escritor especializado em um determinado campo do conhecimento e o escritor sem um tema fixo. O primeiro escreve para leitores interessados no seu próprio campo ou em suas questões atinentes, formando com eles uma comunidade. Já o segundo, não possuindo um público previamente determinado, escreve para estabelecer um diálogo, ou seja, para formar futuramente uma comunidade.

Transpondo esta questão para o campo da educação, Antônio Flávio, ele próprio um especialista em currículos e profundamente implicado com o trabalho em cursos de formação de professores, constata alguns obstáculos nos diálogos estabelecidos entre os especialistas da sua área e os professores ou futuros professores. Equívocos, falta de compreensão, por que tais problemas ocorrem? Quais as razões para os desencontros entre aquilo que os especialistas escrevem e os leitores que os lêem? Para examinar tais questões, o autor propõe-se “a analisar textos de alguns dos especialistas em currículos que declaram escrever para professores”. O autor recorre ao pensamento sobre currículo produzido nos Estados Unidos, em função de sua significativa influência sobre o Brasil, e detém-se em alguns dos nomes que se destacaram nos três momentos que ele identifica constituírem marcos de ruptura no discurso. Em cada um desses momentos, procura relacionar a concepção de currículo subjacente e a forma como os pesquisadores/autores se dirigem aos professores/leitores.

O primeiro momento refere-se ao período que vai dos anos vinte aos anos setenta, no qual o autor identifica a emergência do campo de currículos e a predominância de uma tendência tradicional. Desse período, o autor destaca Ralph Tyler e Hilda Taba. Bastante difundidos no Brasil nas décadas de sessenta e setenta, esses autores ilustram um enfoque em que a pesquisa, fortemente pautada pelo positivismo, pretende descrever o mundo e que tais descrições podem ser empregadas em um planejamento que por sua vez pode promover o progresso e o aperfeiçoamento social.

O currículo é algo que pode ser elaborado através de um processo bem planejado com etapas e procedimentos passíveis de serem seguidos através das indicações prescritas nos livros que os pesquisadores escrevem.

O segundo momento vai dos anos setenta aos anos noventa e marca a reconceptualização do campo e o predomínio de uma teoria crítica de currículo. Aqui, a tendência instrumental anterior é rejeitada e “despreza-se o propósito dos autores tradicionais de oferecer diretrizes para os que trabalham na escola”. Antônio Flávio identifica duas novas tendências surgidas neste momento. Uma de cunho mais humanista, cujo nome mais conhecido é o de William Pinar, e uma outra mais política, cujos principais representantes são Michael Apple e Henry Giroux. Em ambas as tendências, o enfoque dos pesquisadores parece afastar-se do processo de elaboração e desenvolvimento dos currículos para centrar-se mais no interesse em compreender o currículo.

Em Pinar, o autor identifica que o propósito não é guiar os que estão envolvidos na prática pedagógica, mas ressalta que mesmo opondo-se ao caráter técnico e rígido do discurso tradicional, acabava caindo numa certa postura ingênua e ao mesmo tempo autoritária. A análise da produção de Apple evidencia, para Antônio Flávio, “uma postura com nuances autoritárias, que sugere ao leitor caminhar, como o teórico o fez, de uma romântica compreensão do currículo para um maduro combate em prol de justiça social”. Já a análise da produção teórica de Henri Giroux leva o autor a se perguntar se “não será possível escrever para o professor de forma menos autoritária, sem tantas certezas?”

Finalmente, o terceiro momento analisado por Antônio Flávio contempla o período dos anos noventa em diante. O autor dá conta de um certo declínio de prestígio da teorização crítica ao mesmo tempo em que ocorre uma expansão do campo em direção a novas tendências curriculares.

Para finalizar, o autor aborda algumas das tensões e discordâncias que podem ser identificadas naquilo que o especialista pretende oferecer aos professores. É nesse enquadramento que surgem relevantes questões tais como a do autoritarismo do pesquisador, a da combinação entre trabalho científico e compromisso político, a questão da busca de alternativas, a questão da linguagem, entre outras.

A fim de concluir esta resenha, importa dizer que o livro procura responder a questões que muitos de nós nos colocamos quando fazemos pesquisa e escrevemos. Ao procurar responder a essas inquietantes perguntas, de maneira instigante e algumas vezes polêmcia, os autores falam a partir dos diferentes lugares que ocupam e, muitas vezes, trazem mais perguntas do que respostas. Mas não será este um forte indicador de que o livro é realmente bom?

Acerca de la autora de la resenha

Ana Lucia C. Fernandes é doutaranda na Universidade de Lisboa no Departmente de Historia e Educaçao Comparada.


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