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Moreira, Antônio
Flávio; Soares, Magda; Follari, Roberto A. e Garcia,
Regina Leite (Org). (2001). Para quem pesquisamos, para quem
escrevemos: o impasse dos intelectuais. São Paulo:
Cortez (Coleção Questões da Nossa
Época).
Pp.119
ISBN
85-249-0806-8
Resenhado
por Ana Lucia C. Fernandes
Universidade de Lisboa
20 junho 2002
Desde 1999,
pesquisadores latino-americanos têm promovido encontros
realizados durante as reuniões anuais da
Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-graduação em Educação
(ANPEd), entidade brasileira, em parceria com o Conselho
Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO), com o
intuito de discutir problemas, modalidades e estratégias
de trabalho acadêmico comuns, bem como as dificuldades e os
avanços no sentido de produzir pesquisas engajadas com a
realidade daquela região.
Este livro é o
primeiro resultado desses encontros e contém trabalhos
apresentados no 3o Colóquio
Produção de Conhecimento e Responsabilidade
Social do Pesquisador, realizado no ano de 2000. Tais
colóquios têm permitido uma oportunidade para
(re)pensar a prática de pesquisa e, desse modo,
avançar na (re)formulação de idéias e
alternativas que possam contribuir para ajudar a pensar e a
construir “uma escola e uma sociedade onde o direito
à educação seja mais que uma promessa
formal”. Os colóquios buscam compreender
também pontos comuns e de ruptura no campo
específico da educação, remetendo os
pesquisadores e pesquisadoras ao reconhecimento de suas
responsabilidades públicas enquanto
intelectuais.
Estruturado a partir de
textos de quatro conhecidos e respeitados pesquisadores,
três do Brasil e um da Argentina, dois homens e duas
mulheres, o livro levanta importantes questões e todos os
textos revelam ter em comum a preocupação sobre o
papel social do pesquisador não somente naquilo que
escolhe pesquisar, mas também na forma como socializa o
resultado de suas pesquisas.
O primeiro texto, de
Regina Leite Garcia, Para quem investigamos – para quem
escrevemos: reflexões sobre a responsabilidade social do
pesquisador, parte de uma preocupação
recorrente da autora com o destino de suas pesquisas e de seus
escritos. A premissa que está na origem do texto é
a de que se a escola é o objetivo último das
pesquisas e de tudo o que é escrito a partir delas, o
resultado dessas pesquisas deveria então chegar até
ela e, de algum modo, beneficiá-la.
A partir do relato de
suas experiências e inquietações,
inicialmente a autora levanta algumas questões que
estão na base da própria ação de
pesquisar e na postura do pesquisador frente à pesquisa.
Começa por mencionar o seu “preocupado
diálogo” estabelecido com outros pesquisadores e
pesquisadoras sobre o destino de suas pesquisas e escritos e
apresenta algumas das perguntas que apareceram a partir dele:
“nossas pesquisas contribuem para melhorar a
escola?”, “será que nos fazemos compreender
quando trabalhamos com grupos populares?”, “nossas
reflexões e escritos contribuem para estabelecer o
diálogo universidade – escola?”, entre
outras.
Além disso, sua
preocupação específica com os cursos de
formação de professores para os primeiros anos de
escolarização fez surgir outras perguntas cruciais:
“será que os nossos escritos ajudam efetivamente
professoras e professores a enfrentar as dificuldades na sala de
aula para que seus alunos aprendam?”, e ainda, “
será que as pesquisas que realizamos contribuem para
melhorar a qualidade do trabalho
pedagógico?”.
Ao relembrar sua
experiência anterior como professora do ensino fundamental,
menciona ocasiões em que suas aulas eram
“invadidas” por pesquisadoras vindas da universidade
que as observavam e que depois jamais davam algum retorno do que
havia sido “descoberto” em suas pesquisas. Estas
reminiscências, em conjunto com os recursos teóricos
que foi adquirindo, contribuíram para repensar a sua
própria prática investigativa, à medida que
percebia o equívoco de muitos pesquisadores (e
também o seu, anteriormente) que iam ao campo cheios de
certezas que condicionavam de antemão a
investigação.
A autora identifica uma
“crise de interpretação” que faz com
que pesquisadores e pesquisadoras continuem a ler a realidade a
partir de velhos pressupostos, os mesmos que muitas vezes
são criticados. Em suas palavras, tais certezas
“parecem, hoje, inimigas da pesquisa séria, pois
quem tem certezas não tem boas razões para fazer
pesquisa. Hoje sabemos que a dúvida, a incerteza, a
insegurança, a consciência de nosso ainda
não saber é que nos convida a investigar e,
investigando, podermos aprender algo que antes não
sabíamos”.
Como
consequência, questiona a crença na neutralidade e
na objetividade, compartilhando com Humberto Maturana a
compreensão de que “Não é
possível conhecer ‘objetivamente’
fenômenos sociais nos quais o próprio
observador-pesquisador que descreve o fenômeno está
envolvido”.
A seguir, apresenta
algumas idéias de autores com quem tem vindo a dialogar no
sentido responder à pergunta que deu origem ao
título do livro. Tais autores têm em comum o fato de
refletirem sobre “a importância de se ser
compreendido quando falamos ou quando escrevemos, se queremos
mudar a escola e a sociedade”. O primeiro desses autores
é Paulo Freire que acabou por se tornar livro de cabeceira
de professores e professoras de todo o mundo, em
função da perfeita conjugação entre a
relevância daquilo que escrevia e o seu estilo de escrever
que almejava o pleno entendimento de quem o lia.
Outro autor mencionado
é Michel Apple, de quem a autora destaca sua
disponibilidade para participar de atividades de
“militância”, ressaltando ainda que tal
atividade acabou por provocar mudanças em sua escrita,
tornando-se, na opinião de Regina Leite, cada vez mais
clara, direta e fácil de ser compreendida.
O que está em
causa para Regina Leite, em suma, é a possibilidade de se
refletir, no interior do espaço acadêmico,
“sobre qual o lugar da teoria num projeto
emancipatório e como se pode reaproximar a teoria da
prática e a prática da teoria”. Uma
reflexão crucial e imprescindível, sem
dúvida.
Situado num plano mais
teórico, o segundo texto, de Roberto A. Follari, Para
quem investigamos e escrevemos?: para além de populistas e
elitistas, apresenta uma reflexão instigante sobre o
sentido social e político daquilo que é produzido a
partir das pesquisas realizadas no campo das ciências
sociais.
O autor começa
por discutir a problemática da linguagem ao localizar as
ciências sociais dentro do “círculo
hermenêutico” para explicar sua
constituição inicial e para justificar a chamada
“linguagem natural”. Analisa a condição
constitutiva das disciplinas sociais para explicar que é
compreensível a assunção de uma linguagem
que parta do cotidiano e não rompa plenamente com ele,
sendo a função específica das ciências
sociais fazer parte do “círculo
hermenêutico” de auto-interpretação e
auto-compreensão social.
Entretanto, esta menor
formalização linguística não pode ser
confundida com uma ausência de distância entre a
compreensão imediata e a construção
científica. Ao contrário, afirma o autor, citando
Bachelard, que “o conhecimento científico se
constrói na abstração distante da
representação, contra as aparentes
evidências constituídas como senso comum”. Ou
seja, há necessariamente uma separação entre
o conhecimento sistemático do social e o conhecimento
cotidiano, distância esta que permite a
constituição daquilo que é
científico.
Em seguida, Follari
desenvolve seu raciocínio com base principalmente em
três autores: Gramsci, Pierre Bourdieu e Boaventura de
Sousa Santos. Do primeiro, o autor retoma (e reatualiza para o
momento presente) o conceito de hegemonia e o papel
fundamental que no seu entender podem ter os intelectuais no
processo de “reconduzir o senso comum iluminando-o
com a teoria”.
A partir de Bourdieu,
busca afirmar que os problemas assumidos pela ciência
social devem ser extraídos da sociedade em si mesma, mas
que existe uma “descontinuidade entre o científico e
o conhecimento cotidiano”, ou seja, a ciência
nutre-se da consciência cotidiana, mas requer protocolos
próprios para constituir e validar uma temática
dentro de uma problemática conceitual.
Finalmente, o autor
apresenta a posição de Sousa Santos a respeito de
uma ciência pós-moderna na qual seria
possível “uma espécie de
recondução do pensamento científico
até a sociedade”.
Sobretudo a partir
dessa última posição, Follari discute como
poderia funcionar, no seu entender, o processo de difusão
massiva do conhecimento que o cientista produz. Aqui
também entram as perguntas fundadoras do debate:
“para quem investigamos e para quem?”. O autor passa
então a analisar duas posições distintas
assumidas historicamente por aqueles que lidam com a
ciência: o populismo e o elitismo, cada uma delas
simbolizando um tipo de relação que os
pesquisadores/cientistas estabelecem entre os produtos da
ciência e o social e, ao mesmo tempo, o próprio
papel que devem assumir na divulgação maior ou
menor de seus produtos. Uma pergunta síntese poderia ser
feita nos seguintes termos: ciência mediática ou
torre de marfim?
O texto apresenta
idéias bem fundamentadas e deixa evidente a
preocupação do autor com o caráter social da
ciência.
O terceiro texto foi
escrito por Magda Soares e chama-se Para quem pesquisamos?
Para quem escrevemos?. Conhecida por seus textos sobre
alfabetização, linguagem, e diversas formas de
trabalho com o ato de escrever, a autora propõe-se a
refletir sobre a escrita do pesquisador acadêmico, ou seja,
sobre a escrita produzida a partir das pesquisas realizadas em
âmbito acadêmico. Para isso, inicia o texto com um
original paralelo entre os pesquisadores e os escritores, para
situar as diferenças que marcam o processo de
produção da escrita dos dois grupos.
Além das
diferenças de forma e estilo, o que marca fundamentalmente
a distância entre uns e outros é o fato de os
escritores não apresentarem uma especial
preocupação com o para quem escrevem. Os
pesquisadores, ao contrário, em geral escrevem por dever
de ofício, por exigência da academia e dos pares,
buscando reconhecimento, fazendo com que suas
publicações tenham um público mais dirigido,
mais específico.
Os pesquisadores
esforçam-se por publicar em periódicos e em
editoras especializados em sua área e voltados para
pesquisadores e estudiosos da sua área. Entretanto,
Magda Soares levanta uma importante (e inquietante) pergunta:
“é só para os pares que deve escrever o
pesquisador-autor?”.
Como salienta a autora,
tal pergunta adquire ainda mais pertinência sobretudo se se
considera especificamente a área das ciências
sociais e humanas e, mais especificamente ainda, a área da
educação. Por trabalhar com questões
socialmente relevantes, com “problemas que não
são apenas para serem pesquisados e estudados, mas
também para serem resolvidos, permitindo
intervenção e transformação da
realidade”, o pesquisador deveria assumir uma certa
responsabilidade em ampliar o poder de alcance de suas
formulações.
Tomando algumas ideias
de Bourdieu, Magda Soares defende que a pesquisa nessa
área pode servir para desvelar “leis sociais”,
oferecendo um conhecimento melhor dessas leis, permitindo aos
diferentes atores “desnaturalizá-las, fazendo das
leis identificadas e enunciadas pelo pesquisador objetos de
preservação ou de
transformação”.
Mas, mesmo havendo a
possibilidade de possuir esta função tão
relevante, porque é que o pesquisador-autor raramente
produz um outro texto? Outro, porque a autora
estabelece uma distinção fundamental entre as
condições de produção de um
texto (os objetivos e a função atribuídos ao
texto, o leitor a ser alcançado) destinado aos pares e
aquelas envolvidas na elaboração de um texto
destinado a outros tipos de leitores. Isto significa que o autor
se organiza em termos de estrutura, estilo, léxico,
estruturas sintáticas, em grau e natureza de
informatividade conforme o “Leitor-Modelo” que ele
tenha em mente.
Voltando à
pergunta “por que o pesquisador-autor raramente escreve
para o leitor não-acadêmico”, uma resposta
possível pode residir no fato de existir uma hierarquia
entre textos “acadêmicos e científicos”,
de um lado, e “de divulgação”, de
outro, sendo atribuídos a estes últimos um menor
valor e menos legitimidade acadêmica.
Além disso,
destaca Magda Soares, costuma ocorrer também um outro
fenômeno, que é o pesquisador resolver escrever para
o leitor não-acadêmico e não conseguir
alcançar o seu objetivo, em função de sua
“dificuldade de produzir textos em condições
diferentes daquelas que são inerentes ao contexto em que
atua”. Para exemplificar, a autora apresenta uma
série de orientações e dicas retiradas de
uma importante revista de divulgação
científica publicada no Brasil, a revista Ciência
Hoje, destinadas aos autores que pretendem publicar artigos
na revista.
O texto de Magda Soares
também contribui, sem dúvida, para ampliar a
reflexão proposta pelo tema do livro.
Por último, o
livro conta com a contribuição de Antônio
Flávio Barbosa Moreira que tem como título Para
quem e como se escreve no campo do currículo: notas para
discussão.
Apropriando-se de
citações do poeta mexicano Octavio Paz, o autor
parte de uma distinção entre o escritor
especializado em um determinado campo do conhecimento e o
escritor sem um tema fixo. O primeiro escreve para leitores
interessados no seu próprio campo ou em suas
questões atinentes, formando com eles uma comunidade.
Já o segundo, não possuindo um público
previamente determinado, escreve para estabelecer um
diálogo, ou seja, para formar futuramente uma
comunidade.
Transpondo esta
questão para o campo da educação,
Antônio Flávio, ele próprio um especialista
em currículos e profundamente implicado com o trabalho em
cursos de formação de professores, constata alguns
obstáculos nos diálogos estabelecidos entre os
especialistas da sua área e os professores ou futuros
professores. Equívocos, falta de compreensão, por
que tais problemas ocorrem? Quais as razões para os
desencontros entre aquilo que os especialistas escrevem e os
leitores que os lêem? Para examinar tais questões, o
autor propõe-se “a analisar textos de alguns dos
especialistas em currículos que declaram escrever para
professores”. O autor recorre ao pensamento sobre
currículo produzido nos Estados Unidos, em
função de sua significativa influência sobre
o Brasil, e detém-se em alguns dos nomes que se destacaram
nos três momentos que ele identifica constituírem
marcos de ruptura no discurso. Em cada um desses momentos,
procura relacionar a concepção de currículo
subjacente e a forma como os pesquisadores/autores se dirigem aos
professores/leitores.
O primeiro momento
refere-se ao período que vai dos anos vinte aos anos
setenta, no qual o autor identifica a emergência do campo
de currículos e a predominância de uma
tendência tradicional. Desse período, o autor
destaca Ralph Tyler e Hilda Taba. Bastante difundidos no Brasil
nas décadas de sessenta e setenta, esses autores ilustram
um enfoque em que a pesquisa, fortemente pautada pelo
positivismo, pretende descrever o mundo e que tais
descrições podem ser empregadas em um planejamento
que por sua vez pode promover o progresso e o
aperfeiçoamento social.
O currículo
é algo que pode ser elaborado através de um
processo bem planejado com etapas e procedimentos
passíveis de serem seguidos através das
indicações prescritas nos livros que os
pesquisadores escrevem.
O segundo momento vai
dos anos setenta aos anos noventa e marca a
reconceptualização do campo e o predomínio
de uma teoria crítica de currículo. Aqui, a
tendência instrumental anterior é rejeitada e
“despreza-se o propósito dos autores tradicionais de
oferecer diretrizes para os que trabalham na escola”.
Antônio Flávio identifica duas novas
tendências surgidas neste momento. Uma de cunho mais
humanista, cujo nome mais conhecido é o de William Pinar,
e uma outra mais política, cujos principais representantes
são Michael Apple e Henry Giroux. Em ambas as
tendências, o enfoque dos pesquisadores parece afastar-se
do processo de elaboração e desenvolvimento dos
currículos para centrar-se mais no interesse em
compreender o currículo.
Em Pinar, o autor
identifica que o propósito não é guiar os
que estão envolvidos na prática pedagógica,
mas ressalta que mesmo opondo-se ao caráter técnico
e rígido do discurso tradicional, acabava caindo numa
certa postura ingênua e ao mesmo tempo autoritária.
A análise da produção de Apple evidencia,
para Antônio Flávio, “uma postura com nuances
autoritárias, que sugere ao leitor caminhar, como o
teórico o fez, de uma romântica compreensão
do currículo para um maduro combate em prol de
justiça social”. Já a análise da
produção teórica de Henri Giroux leva o
autor a se perguntar se “não será
possível escrever para o professor de forma menos
autoritária, sem tantas certezas?”
Finalmente, o terceiro
momento analisado por Antônio Flávio contempla o
período dos anos noventa em diante. O autor dá
conta de um certo declínio de prestígio da
teorização crítica ao mesmo tempo em que
ocorre uma expansão do campo em direção a
novas tendências curriculares.
Para finalizar, o autor
aborda algumas das tensões e discordâncias que podem
ser identificadas naquilo que o especialista pretende oferecer
aos professores. É nesse enquadramento que surgem
relevantes questões tais como a do autoritarismo do
pesquisador, a da combinação entre trabalho
científico e compromisso político, a
questão da busca de alternativas, a questão da
linguagem, entre outras.
A fim de concluir esta
resenha, importa dizer que o livro procura responder a
questões que muitos de nós nos colocamos quando
fazemos pesquisa e escrevemos. Ao procurar responder a essas
inquietantes perguntas, de maneira instigante e algumas vezes
polêmcia, os autores falam a partir dos diferentes lugares
que ocupam e, muitas vezes, trazem mais perguntas do que
respostas. Mas não será este um forte indicador de
que o livro é realmente bom?
Acerca de la autora
de la resenha
Ana
Lucia C. Fernandes
é doutaranda na Universidade de Lisboa no
Departmente de Historia e Educaçao Comparada.
Reseñas Educativas/ Resenhas Educativas
publica reseñas de libros sobre educación, cubriendo
tanto trabajos académicos como practicas educativas.
Todas las informaciones son evaluadas por los editores:
Editor para Español y Portugués
Gustavo E. Fischman
Arizona State University
Editor General (inglés)
Gene V Glass
Arizona State University
Reseñas Educativas es firmante de la Budapest Open Access Initiative.
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