miércoles, 19 de marzo de 2025

Fraga, Alex Branco. (2000). Corpo, identidade e bom-mocismo: cotidiano de uma adolescência bem-comportada. Resenhado por Carmen Lúcia Soares

 

Fraga, Alex Branco. (2000). Corpo, identidade e bom-mocismo: cotidiano de uma adolescência bem-comportada. Belo Horizonte: Autêntica.

168 pp.

Preço R$ 21,00. ISBN: 85-86583-69-3.
(http://www.autenticaeditora.com.br/)

Resenhado por Carmen Lúcia Soares
Professora Doutora da Faculdade de Educação da UNICAMP.
Integrante do Laboratório de Estudos Audiovisuais – OLHO.

23 de agosto de 2001

O que mais impressiona neste livro de Alex Branco Fraga é sua capacidade de interligar temáticas complexas, tratá-las a partir de uma fina e devastadora análise e, assim, trazer à tona a somatória de problemas novos e antigos colocados em torno do corpo, da identidade e da constituição do que ele chama de “bom-mocismo” na adolescência.

Quais são os fios que percorrem a narrativa do autor? São os modos como o corpo é educado, sujeitado, submetido a uma determinada ordem discursiva do “bem”.

Resultado da pesquisa de mestrado desenvolvida pelo autor entre os anos de 1997-1998 junto ao Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFRGS, este livro não contém a suposta frieza documental ou, ainda, a dureza de uma teoria que conforma o conteúdo ou que irá provar o sintoma enunciado em seu percurso inicial.

Neste livro revela-se a existência da possibilidade da pesquisa encarnada, das relações inteiras entre o pesquisador e o que ele pesquisa, da impossibilidade da isenção. Revela, ainda, que não foram as técnicas de pesquisa que ditaram as suas perguntas e, sim, a polissemia e a densidade da temática, a curiosidade intelectual comprometida. E é assim que, para elaborar seu percurso de análise, Alex centra-se no individual, no particular, no detalhe e não em desgastadas estruturas padronizadas. Parece que segue aquilo que o historiador da arte E.H. Gombrich fala acerca das ciências humanas: que elas não “precisam de imitar as ciências exatas para continuarem a ser respeitáveis”, pois o historiador cultural, objeto de sua análise “quer servir a cultura e não alimentar a indústria acadêmica”. (Para uma História Cultural,pp. 98-99)

Este livro, portanto, é singular e é em sua singularidade e em sua insistência no detalhe que percorre os contornos da história, mergulha num presente saturado de agoras, conforme diria Benjamin, e evidencia a constituição dos comportamentos. Do detalhe, elabora possíveis, para compreender discursos e práticas sobre uma “adolescência bem-comportada”.

Com uma apresentação impecável de Guacira Lopes Louro, orientadora da pesquisa de mestrado que deu origem ao livro, Alex brinda o leitor com um texto elegante e denso, iniciando sua narrativa pelo lugar de onde partiram suas análises: as aulas de Educação Física. Fala da cidade que guarda os corpos bem comportados. Traz, para o leitor, os relevos e os horizontes, os contornos da arquitetura, as sombras das esquinas, os traçados das ruas. A estas pedras e madeiras carregadas de histórias, agrega narrativas que se juntam para dizer mais da cidade. Delas escorrem compreensões acerca da vida, dos comportamentos, das atitudes e, assim, enunciam um ethos que se quer urbano, modos de ser possíveis no desenho de Cachoeirinha, encravada na região metropolitana de Porto Alegre/RS.

Esta pequena cidade guarda sua semelhança com tantas outras que, como ela, têm sua igreja para onde convergem as ruas. Tem a escola, algumas casas comerciais..., um clube, algum centro comunitário, um teatro. O que fazem os adolescentes e jovens desta pequena cidade? Jogam futebol? Vão aos bailes particulares? Às festas da igreja? Estas perguntas aparentemente tão banais permitem respostas múltiplas, problematizações amplas. E Alex não busca as respostas imediatas, banais, mas, tendo como uma de suas referências teóricas M. Foucault, vai buscar o difícil, o complexo naquilo que se apresenta demasiadamente banal. A adolescência e a juventude que quer apreender não se apresentam a ele como naturais, mas como históricas. Portanto, o presente que se mostra aos seus olhos, corpos auto-controlados de uma adolescência bem comportada, remete-o a outras épocas, a outras retóricas corporais, como diria Foucault. Assim, Alex vai aproximando-se de adolescentes e jovens comuns que freqüentam a 8a série de uma escola pública da cidade de Cachoeirinha. De uma seqüência descontínua de acontecimentos vividos na escola pesquisada, no convívio com professores(as) e alunos(as), procura mostrar o esforço de sujeição de meninos e meninas ao que é considerado o “lado bom” e, assim, evidencia como os corpos são conformados de um modo profundo e desigual, como são capturados pela rede de discursos e práticas que elabora cotidianamente o “bom-mocismo”.

Invertendo discursos, o autor não fala das marcas dos corpos marginais que evidenciam em seu exterior, em sua aparência sua anormalidade. Não fala de indivíduos a serem corrigidos, daqueles cujas técnicas, procedimentos educacionais e investimentos da família, da igreja, da escola, fracassaram. Não fala das marcas universais das anormalidades. Pelo contrário, todo seu esforço converge para revelar o corpo marcado pelo santuário da normalidade, o corpo que é resultado “bem sucedido” da união dessas diferentes instituições educativas. É do corpo do bom moço e da boa moça que nos fala Alex. É das muitas e múltiplas marcas ali encontradas que revela o significado do espelho. Mirar-se a si mesmo, ao igual, àquele que não assombra, que não assusta, que é aceito como o reflexo do bem.

Desvestindo peles lisas e bem tratadas, o autor percorre universos sombrios que cotidianamente, deliberadamente, devem ser exorcizados pelos diferentes processos de polimento da carne engendrados na história, pelas sutilezas da captura dos corpos em distintas ordens discursivas. Assim, traduz com grande acuidade uma leitura do corpo que escapa à lógica normativa na qual vivemos: “é que o sujeito bom- moço também está marcado fisicamente” (p.113).

Escola, família, igreja se articulam em linhas de força e operam as ligações entre sujeito e discurso por meio de procedimentos “cirúrgicos”. Algo que vai aparando as arestas, lapidando as saliências, atravessando as mais diferentes camadas do corpo até que se instale nele; até que pareça vir naturalmente de dentro dele; até que, enfim, passe a ser irremediavelmente o próprio corpo. Assim o sujeito bom-moço vai se tornando um estandarte da polidez no interior de um longo e refinado processo de acabamento, que vai trabalhando o corpo para que ele possa ser visto sem aspereza, limpo e sem pregas. Trata-se de uma identificação que provoca paulatinamente rejeição àquela violência demonizada, mas de uma forma não menos violenta (p. 114).

Este é um livro sobre a adolescência/juventude, mas é também um livro sobre o poder de instituições como igreja, família, escola; é também um livro sobre sexualidade, co-educação, educação física, a mais sexista das disciplinas escolares. É um livro sobre a constituição de identidades, sobre a sujeição dos corpos, sobretudo daqueles que já incorporaram em si os discursos institucionais, que já exibem o auto-controle: as boas moças e os bons moços.

E é de tudo isto que, em sua singularidade, Alex trata de um modo tenso e denso e que uma mera resenha é incapaz de traduzir. Portanto, nada melhor que a leitura do livro.

Acerca de la autora

Carmen Lúcia Soares

Filiação Acadêmica: Doutora em educação pela Unicamp/SP; docente da Faculade de Educação da Universidade Estadual de Campinas/São Paulo (UNICAMP/SP); pesquisadora do Laboratório de Estudos Audiovisuais – Olho. Áreas de interesse: História do corpo, história da educação física, história da arte, educação e imagem.


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