jueves, 20 de marzo de 2025

Hypolito, Álvaro Moreira, Vieira Jarbas Santos, e Maria Manuela Alves Garcia (orgs.). (2002). Trabalho docente: formação e identidades. Resenhado por Audrey-Marie Schuh Moore

 

Hypolito, Álvaro Moreira, Vieira Jarbas Santos, e Maria Manuela Alves Garcia (orgs.). (2002). Trabalho docente: formação e identidades.  Pelotas-RS: Seiva Publicações.

283 pp.

ISBN: 85-88105-07-1

Resenhado por Audrey-Marie Schuh Moore
Universidade de Minnesota (EUA)

Julho 15, 2002

Abstract

In Trabalho docente: formacao e identidades, Alvaro Hypolito and his collaborators provide vivid insights into the teaching profession through their presentation of theories, perspectives, and case studies that not only provide the reader with glimpses into the teaching profession, but also question the existing structures in education, examine how those structures affect teacher training and teacher's ability to effectively educate children.  The contributing authors present historical, sociological, political and cultural perspectives that raise contradictions inherent in the "liberal" concepts of rationality and show how over time, these concepts have led to a diminished view of women teachers as professionals.  It analyzes the dynamics of race, ethnicity and gender from the perspective of feminization of the profession and discusses the political implications of conservative reforms on the teaching profession. The unifying premise of the book is that political economic, and sociological forces have impacted how teachers view themselves in the larger context.  If the autonomy of the teaching profession is to be strengthened, teachers given more decision-making power over the pedagogical process, and the needs of a global society met, those within the field must become more critical and challenge the existing neoliberal structure.

Sumario

Em Trabalho Docente: formação e identidades, Álvaro Hypolito Moreira e seus colaboradores desenvolvem instigantes e penetrantes análises sobre a profissão do magistério no contexto brasileiro através da revisão de teorias e da apresentação de alguns estudos de caso que não apenas oferecem ao leitor diferentes visões sobre a profissão do magistério, mas também questionam as estruturas existentes em educação, analisando como essas estruturas têm afetado a formação de professores e a sua capacidade de educar efetivamente as crianças. Os co-autores desta obra exploram em suas análises perspectivas histórica, sociológica, política e cultural que evidenciam as contradições inerentes aos conceitos "liberais" de racionalidade e demonstram como ao longo do tempo estes conceitos têm levado a uma visão reduzida e distorcida das mulheres educadoras como profissionais. O livro analisa as dinâmicas de classe, raça e gênero a partir da perspectiva de feminização do magistério e discute as implicações políticas das reformas conservadoras para a profissão. A mensagem central que permeia todos os textos reunidos nesta coletânea pode ser assim resumida: se pretendemos que a autonomia da profissão do magistério seja fortalecida, que os professores tenham maior poder de decisão sobre o processo pedagógico,  e que as necessidades educacionais de toda a sociedade sejam satisfatoriamente atendidas, então todos aqueles diretamente envolvidos com o ensino devem se tornar mais críticos e desafiar as estruturas neoliberais que se tornaram hegemônicas nas últimas décadas.

Trabalho docente: formacao e identidades.

"….parece ficar claro que os processos de reestruturação  educacional propostos pelas políticas neoliberais afetam significativamente o trabalho docente.  Os impactos das políticas neoliberais para a escola pública, sobre o trabalho docente e sobre sua cultura de trabalho, devem ser mais estudados e criticados para a constituição de políticas (practices) de contestação às formas de controle sobre o trabalho de ensinar e de fortalecimento da autonomia do trabalho docente, que poderia significar a busca de um aumento do poder decisório dos professors e das professoras sobre o processo pedagógico" (p. 280).

Esta frase, que conclue o último capítulo de Trabalho Docente, resume bem a contribuição que este livro pretende trazer para a literatura educacional brasileira. Em Trabalho Docente: formação e identidades, Álvaro Hypolito Moreira e seus colaboradores desenvolvem instigantes e penetrantes análises sobre a profissão do magistério no contexto brasileiro através da revisão de teorias e da apresentação de alguns estudos de caso que não apenas oferecem ao leitor diferentes visões sobre a profissão do magistério, mas também questionam as estruturas existentes em educação, analisando como essas estruturas têm afetado a formação de professores e a sua capacidade de educar efetivamente as crianças. Os co-autores desta obra exploram em suas análises perspectivas histórica, sociológica, política e cultural que evidenciam as contradições inerentes aos conceitos "liberais" de racionalidade e demonstram como ao longo do tempo estes conceitos têm levado a uma visão reduzida e distorcida das mulheres educadoras como profissionais. O livro analisa as dinâmicas de classe, raça e gênero a partir da perspectiva de feminização do magistério e discute as implicações políticas das reformas conservadoras para a profissão. A premisa unificante do livro é que forças econômicas e sociais têm influenciado a imagem que os professores constóem deles próprios e do seu papel na sociedade. A mensagem central que permeia todos os textos reunidos nesta coletânea pode ser assim resumida: se pretendemos que a autonomia da profissão do magistério seja fortalecida, que os professores tenham maior poder de decisão sobre o processo pedagógico,  e que as necessidades educacionais de toda a sociedade sejam satisfatoriamente atendidas, então todos aqueles diretamente envolvidos com o ensino devem se tornar mais críticos e desafiar as estruturas neoliberais que se tornaram hegemônicas nas últimas décadas.

Na atual literatura educacional existe uma verdadeira obsessão com discursos sobre identidades polarizadas e antagônicas no que diz respeito aos profissionais do magistério –  "professora como mãe" em oposição ao professor como "ator racional." Estas perspectivas polares têm tido consequências bastante específicas e significantes  para a compreensão da hierarquia de gênero institucionalizada na profissão do magistério (Dillabough, 1999). A partir da perspectiva dominante neoliberal, a identidade profissional dos professores e professoras é caracterizada em termos da sua "capacidade racional de agir de forma competente em nome do aprendizado dos alunos e da mudança econômica e social (Dillabough, 1999, 375). Esta perspectiva, a qual posiciona a educação de forma mais efetiva dentro da ordem capitalista, tem dominado a educação e servido para restringir na prática a autenticidade e autonomia dos profissionais da educação. Dillabough (1999) argumenta ainda que esta "cultura" tem servido para enfraquecer e erodir a autenticidade política de professores, levando às formas de controle instrumental que existem hoje na educação. Este mecanismo político, embora dando a impressão de liberação, sistematicamente "des-qualifica" e desprofissionaliza os professores ao ponto de submetê-los novas formas, mais sutis, de exploração.

Uma perspectiva contrária a esta visão neoliberal, apresentada por Casey (1990) e Steedman (1985), sugere que a estrutura de ensino tem sido definida por dualismos de gênero biologicamente determinados que tem codificado mulheres como "femininas"e então representa professoras como "mães." Como resultado, o status professional das mulheres professoras é associado ao trabalho doméstico na esfera privada. Embora o discurso educacional sobre as mulheres professoras é freqüentemente essencializado por noções tradicionais de identidade feminina, o paradoxo é que tais noções são construídas como irracionais e guiadas por emoções. Em decorrência disso, a construção social do status professional das mulheres promove a naturalização da identidade da mulher educadora como sendo inferior à do homem educador (Dillabough, 1999). O dualismo de gênero inerente à profissão do magistério é então "representado de múltiplas formas; mulheres professoras como subordinadas, como mães, e como bode expiatório para o que não tem sido alcançado na educação"(Dillabough, 1999, 385). Em  "Entre a casa e a escola: educadoras do ensino fundamental na periferia de São Paulo"(Capítulo 8), Marília Pinto de Carvalho traz para o primeiro plano diversos aspectos negativos que estão entremeados no debate público-doméstico, tais como: a substituição de competência técnica por simples dedicação; o uso ideológico desta perspectiva para desmobilizar organizações coletivas de professores e facilitar a aceitação e o conformismo em face aos baixos salários do magistério; a falta de definição entre os professionais da educação nas escolas. Carvalho questiona o conceito de "professor como ator racional," argumentando que:

Em algum casos, eles só aparecem como negativos se estamos comparando a escola e as professoras com um padrão considerado positivo e esse padrão é que precisa ser questionado, levando-nos a uma revisão dos nossos conceitos de bom profissional, de competência, de docilidade ou militância e de relações professionais adequadas (p. 238).

Álvaro Hypolito Moreira e os demais colaboradores do livro mostram com realismo como as professoras experimenta no Brasil tais hierarquias de gênero. Diversos capítulos oferecem ao leitor uma visão privilegiada das transformações que ocorreram na profissão de magistério na virada do século 20 e ilustram as complicadas relações de gênero existentes na carreira docente hoje. Os conceitos de "des-qualificação" e desvalorização da profissão do magistério começam a aparecer em "Profisionalismo, escola normal, feminização e femilização: magistério sul-rio-grandense de instrução pública – 1880-1935"(Capítulo 3), de autoria de Elomar Tambara. Este capítulo revela como os professores eram certificados até o advento da República e a "desqualificação" que ocorreu com a passagem da chamada Velha República. De acordo com a perspectiva da autora, embora estas mudanças significaram um inquestionável avanço para as mulheres naquele período, permitindo que elas ingressassem no mercado de trabalho, o estabelecimento da ideologia de feminização associada com mecanismos políticos que estimularam a "desqualificação profissional consubstanciados, em especial, na cosmovisão dominante"(p. 94) que ocorreu através da implantação das Escolas Normais significou a consolidação do magistério de nível primário, fazendo dele uma profissão "secundária." 

As relações de gênero e a forma como se deu a reestruturação das escolas sob a égide da ideologia neoliberal são discutidos em "Profissionais da educação, cultura escolar e relações de gênero: a relação entre os inspetores escolares e as diretoras de grupos em Belo Horizonte na Primeira República"(Capítulo 4). Luciano Mendes de Faria Filho discute as relações entre inspetores escolares e diretoras de grupos no sistema educacional de Belo Horizonte no começo do século XX quando o sistema público de educação primária e a cultura das escolas estavam sendo reestruturadas para atender as necessidades de uma sociedade em processo de modernização e as demandas do emergente sistema capitalista brasileiro. A idéia do "professor como um ator racional" começa a aparecer durante este período e as tensões entre professores e diretores de escola, de um lado, e os inspetores escolares e representantes da Secretaria de Educação (majoritariamente homens), por outro lado, podiam ser observadas. Farias argumenta que no meio destas tensões, intensificadas pelo processo de reestruturação do sistema de ensino, no qual diferentes grupos disputavam a melhor forma de reorganizar as escolas (i.e, dividir os estudantes em grupos, selecionar o currículo apropriado, distribuir o tempo escolar, etc.), os professores também estavam desenvolvendo suas identidades profissionais – a identidade de educadora como mãe, e como bode expiatório para fracassos educacionais.

No texto "Memória e ensino: formação docente, trajetórias profissionais e práticas pedagógicas pela voz de antigas professoras primárias"(Capítulo 5), Eliane Peres utiliza história oral para analisar formação, trajetórias de carreira e práticas pedagógicas de professoras primárias na década de 30. Este capítulo oferece ao leitor uma visão histórica sobre o perfil do magistério na primeira metade do século XX, enfatizando os desafios, obstáculos, e conquistas das professoras naquele período. As próprias professoras relatam que apesar dos obstáculos que elas enfrentavam, para muitas a profissão do magistério representava a única alternativa para quebrar as barreiras e iniquidades que bloqueavam o ingresso das mulheres no mercado de trabalho. Conforme Peres corretamente assinala, "essa geração de mulheres-professoras foi precursora de lutas e embates posteriores"(p.136). Este capítulo, que contém a essência da parte histórica de Trabalho Docente, ajuda o leitor a compreender o que significava ser professora, os desafios que elas enfrentavam, e como a feminização da profissão teve um profundo impacto sobre o magistério.

Além das questões de gênero que têm permeado a feminização e a professionalização do magistério, o Brasil, assim como o restante do mundo, têm testemunhado a intensificação do processo de globalização em todas as suas diferentes dimensões – econômica, cultural, social, e política. Os impactos deste processo sobre os sistemas nacionais de educação não devem ser subestimados. De fato, as profundas mudanças políticas e econômicas trazidas pela globalização tem sido acompanhadas por  um declínio na sociabilidade do ensino e, paradoxalmente, por uma forte pressão sobre os professores para que adotem pedagogias mais tradicionais, com um foco nos resultados ao invés do processo de ensino em si (Dillabough, 1999). Cada vez mais, os esforços de reestruturação dos sistemas educacionais são concebidos em respostas aos imperativos da globalização, determinados em grande medida pela forças de mercado. As escolas são o estuário onde convergem e desembocam as pressões e tensões provocadas pelas rápidas transformações econômica e tecnológicas que movem o processo de globalização. A sociedade de hoje requer trabalhadores que tenham capacidade de tomar decisões com informações inperfeitas, monitar seu próprio trabalho e agir de forma empreendedora e criativa. Obviamente, os profissionais da educação são diretamente afetados pelas novas demandas endereçadas às escolas.

Vários capítulos em Trabalho Docente levantam questões sobre a estrutura que o neoliberalismo tem criado na área educacional, argumentando que significantes mudanças estruturais e curriculares precisam ser feitas para que a educação possa atender as necessidades de um mundo em crescente transformação e integração. O texto "Educação pos-crítica e formação docente"  (Capítulo 10), escrito por Tomaz Tadeu da Silva, sublinha a necessidade de se buscar  novos e criativos caminhos para o desenvolvimento do currículo escolar. Na sua discussão sobre os impactos do pos-modernismo sobre o currículo e a formação de professores, bem como os impasses da teoria crítica em educação face aos ataques da ideologia neoliberal instalada hoje na educação pública, Silva argumenta que

…o currículo é o espaço onde se corporificam formas de conhecimento e de saber.  O currículo é um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder, representação e domínio, discurso e regulação.  É também no currículo que se condensam realções de poder que são crucias para o processo de formação de subjectividades sociais.  Em suma, currículo, poder e processo de formação estão mutuamente implicados (p. 268). 

Silva explora estas intrincadas relações na sua discussão sobre como a formação de professores deveria prepará-los para lidar com as transformações enfrentadas pela sociedade moderna. Ele argumenta que um currículo "crítico" deveria ser centrado em torno de questões e problemas do nosso tempo tais como AIDS, pobreza, violência, e destruição do meio-ambiente, para nomear alguns. Ao promover a "descolonização" do currículo, a educação se abre para a insurreição contra todas as forma de dominação e para a transgressão de novas fronteiras, ao invés de se fechar a si mesma como mecanismo de reprodução da ideologia dominante. 

Álvaro Hypolito Moreira, em "Reestruturação educativa e trabalho docente: autonomia, contestação e controle" (Capítulo 11), contribui para este tema  ao observar como as reformas curriculares neoliberal no Brasil têm sistematicamente reforçado o status quo. Ele argumenta que os professores e outros agentes educacionais precisam reinterpretar, definir, e decidir o "que" é educação e "como" o processo educacional deve ser desenvolvido. Embora os capítulos anteriores informam e contribuem para um profundo entendimento dos processos educacionais, os dois capítulos finais desenham juntos as diferentes possibilidades teóricas e políticas que deveriam ser consideradas quando são examinadas novas orientações para educação e, mais especificamente, para formação de professores. Conforme os autores se propuseram a oferecer, o livro faz sua contribuição ao debate educacional sobre trabalho docente e a profissão do magistério, colocando o leitor em contato com uma  variedade de discussões e perspectivas teóricas concorrentes que, sem dúvida, aprofundam o entendimento e sugerem novas formas de olhar a profissão do magistério – particularmente a partir de uma perspectiva de gênero. O livro mostra as complexidades inerentes à profissão do magistério e examina como dualismos de gênero historicamente determinados serviram como mecanismos de construção de identidades no campo do magistério, levando o leitor a questionar as estruturas existentes.

Embora este livro tenha muitas qualidades e pontos fortes e por essa razão sua leitura é recomendada aos que trabalham na área de educação, existem algumas fragilidades e limitações importantes que deveriam ser discutidas. Primeiro, embora seja importante entender as diferentes teorias existentes para tratar das questões de classe, raça e gênero, o livro oferece poucos exemplos práticos de como alguns destes problemas poderiam ser superados ou enfrentados por meio de mudanças estruturais.  No capítulo "Raça, classe e gênero na pesquisa educacional: por uma posição paralelista não sincornista" (Capítulo 1), Michael Apple argumenta que na literatura educacional em geral existem poucos exemplos práticos ou modelos que tenham se debruçado sobre as complexas intersecções entre educação e diferencial de poder. Embora alguns estudos de caso históricos sejam usados para ilustrar as mudanças e transformações que ocorreram na área educacional no Brasil, escassas conexões entre teoria e prática são feitas ao longo do livro.

Esta obra coletiva poderia ter resultado num guia mais prático se incluisse exemplos específicos de como certos esforços de reformas, políticas ou programas educacionais têm ou não têm enfrentado as diversas questões discutidas ao longo dos textos de diferentes autores reunidos neste volume. Por exemplo, Jacinta Reis da Silva, no capítulo entitulado "Relações raciais/étnicas e práticas pedagógicas: Uma relação a ser discutida" (Capítulo 9), analisa como atitudes de colegas em relação a crianças provenientes de minorias raciais ou grupos socialmente excluídos e marginalizados freqüentemente fazem com que elas se sintam menos aceitas no ambiente escolar. Ela sustenta que os professores, aos se deparar como esse tipo de situação, não sabem a melhor forma de enfrentá-las. Essas atitudes criam uma sensação de insegurança entre estudantes que pertence a minorias raciais e/ou famílias pobres, o que compromete sua habilidade de aprender. Embora a apresentação destas idéias seja extremamente importante para o entendimento das relações de raça no espaço da escola, o capítulo teria sido mais prático se a autora tivesse incluído exemplos de como estas relações poderiam ser facilitadas para beneficiar todos os estudantes em sala de aula. Certamente a utilização de alguns exemplos práticos ao longo do livro teria ampliado seu alcance e fortalecido sua relevância e e contribuição na área.

Um segundo aspecto no qual o livro deixa uma importante lacuna diz respeito à dimensão institucional das discriminações raciais e as hierarquias de gênero. De fato,  quando as questões de gênero e raça são examinadas, é negligenciado o fato de que existem importantes barreiras institucionais na sociedade que influenciam a habilidade das mulheres e das minorias adquirirem poder. Mais especificamente, dois conceitos que passam ao largo das análises – os conceitos de "privilégio masculino" e "privilégio dos brancos" – poderiam contribuir para colocar em evidência estas barreiras institucionais. Peggy McIntosh (1990), no seu artigo White Privilege: Unpacking the Invisible Knapsack, apresenta a seguinte consideração:

Refletindo sobre o não-reconhecido privilégio masculino como um fenômeno, eu cheguei à conclusão que, uma vez que as hierarquias na nossa sociedade são entrelaçadas, provavelmente existe um fenômeno de privilégio dos brancos que é igualmente negado e protegido. Como uma pessoa branca, eu me dei conta que eu tinha sido ensinada sobre racismo como algo que coloca os outros em desvantagem, mas não fui ensinada a ver um dos seus aspectos corolários, o privilégio branco, o que me coloca em vantagem (p.31).

O conceito de privilégio branco é definido como sendo similar a uma mochila invisível e sem peso com provisões especiais, como mapas, passaportes, guias, ferramentas e cheques em branco que são dadas à população caucasiana (McIntosh, 1990). Estas inerentes estruturas institucionais fazem este grupo racial se sentir mais confiante e confortável ao mesmo tempo que fazem outros grupos frequentemente se sentirem alienados e sem confiança (McIntosh, 1990). O conceito de privilégio e as diferenças entre poder conquistado e herdado estão igualmente presentes nas relações de gênero. Poder decorrente de privilégios (poder não-conquistado ), tais como aquele proveniente do fato de ser branco ou homem, pode parecer força, mas na verdade é  uma permissão para evadir ou dominar (McIntosh, 1990). McIntosh (1990) argumenta que para começar a redesenhar o sistema social de forma a eliminar os privilégios que originan hierarquias e iniquidades, nós precisamos em primeiro lugar reconhecer estas dimensões invisíveis e superar os silêncios e negações envolvendo privilégios que são sustentados por mecanismos políticos-institucionais. MacIntosh argumenta ainda que a confiança associada ao privilégio dos brancos é proveniente de coisas simples como ser capaz de se mudar para uma área residencial da sua escolha e que é co-habitada pela sua própria raça; em qualquer instituição, se você perguntar para falar com o "chefe" ou com quem está "no comando," você pode estar quase certo que eles vão ser da mesma raça sua. Além disso, filmes, programas de TV, propaganda, livros, bonecas, revistas retratam primariamente pessoas da sua raça. Embora o conceito de privilégio é elusivo, até que a sociedade comece a "descolonizar" as estruturas institucionais e a "desfazer esta mochila invisível," ela não vai abrir espaços para insurreição contra as diferentes formas de dominação e a transgressão de novas fronteiras.

Embora o livro "Trabalho Docente: formação e identidades" revolva em torno de questões de raça e etnicidade, a discussão das barreiras institucionais e os conceitos de privilégio branco foram completamente negligenciados.  O acréscimo de um capítulo que examinasse estes conceitos, especificamente dentro do contexto da educação e da profissão do magistério, teria aumentado significantemente a contribuição do livro para o entendimento de raça e gênero na educação e possivemente para o entendimento de "como" criar um novo currículo que atenda melhor as necessidades dos estudantes e professores de hoje. Os conceitos de gênero, raça e etnicidade e os seus impactos nos professores, na formação de professores e estudantes poderia ter sido elaborados em maior profundidade para fazer uma grande contribuição.

Em conclusão, "Trabalho Docente: formação e identidades" é uma leitura altamente recomendada para estudantes  e pesquisadores interessados em ampliar o seu conhecimento sobre a história do magistério no Brasil e, mais especificamente, sobre como as  forças econômicas, políticas, sociais e culturais combinaram-se para criar identidades de gênero e raça entre os professores. O livro contém uma sólida introdução que enuncia tanto os seus objetivos quanto o conteúdo dos textos que integram o volume, dois capítulos teóricos que oferecem ao leitor noções básicas sobre as principais teorias de gênero, raça economia e política, e 9 capítulos adicionais que apresentam, sob diferentes perspectivas, uma visão panorâmica sobre como pós-modernismo, teoria crítica e neo-liberalismo têm afetado a profissão do magistério.

Referências  bibliográficas

Beneria, Lourdes; Floro, Maria; Grown, Caren, and Martha MacDonald. (2000). Introduction: globalization and gender. [versão eletrônica] Feminist Economics, 6, 3, vii-xviii,

Casey, K. (1990). Teacher as mother: curriculum theorizing in the life histories of contemporary women teachers, Cambridge Journal of Education, 20, 301-320.

Dillabough, Jo-Anne. (1999). Gender politics, conceptions of the modern teacher: women, identity, and professionalism. [versão eletrônica] British Journal of Sociology of Education, 20, 3, 373-394.

McIntosh, Peggy. (1990). White privilege: unpacking the invisible knapsack.  Independent School, winter, 31-36.

Steedman, C. (1985). The mother made conscious: the historical development of a primary school pedagogy, History Workshop Journal, 20, 149-163.

Sobre a autora desta resenha

Audrey-Marie Schuh Moore está completando seu PhD na Faculdade de Educação e Desenvolvimento Humano da Universidade de Minnesota (EUA). Suas áreas de interesse são desenvolvimento educacional comparado, desenvolvimento econômico e rural, reformas e políticas relacionadas a crianças da área rural em países em desenvolvimento, e o papel da educação nos processos de desenvolvimento nacional. Ela é também especialista de ensino.


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