lunes, 24 de marzo de 2025

Jantsch, Ari Paulo. ( 2001). Pequeno (ainda) agricultor e racionalidade educativa. Resenhado por Roque Strieder

 

Jantsch, Ari Paulo. ( 2001). Pequeno (ainda) agricultor e racionalidade educativa. Florianópolis: Núcleo de Publicações (UFSC/CED).

Pp. 252
ISBN 85-87103-067

Resenhado por Roque Strieder
Universidade do Oeste de Santa Catarina., Brasil

17 de febrero de 2003

Resumo
A reflexão tem como desafio desvelar a racionalidade do processo educativo, suas propostas e contradições, disponibilizado aos pequenos produtores agrícolas, em particular gaúchos, mas também, estendível aos pequenos agricultores das demais regiões do país. A profundidade das reflexões, a consistente base teórica faz do texto um referencial para educadores e para todos aqueles que desejam contribuir para com a construção de mais qualidade de vida. A reflexão não se detém numa mera interpretação da realidade vivida pelos pequenos agricultores. Ela sinaliza alternativas teórico-práticas que, se concretizadas em vivências cotidianas poderão alavancar modificações efetivas. Para que transformações na realidade vivencial sejam efetivadas, uma nova vertente educativa precisa integrar o cotidiano da atividade agrícola. Disso resulta o ponto forte do trabalho: a qualificação necessária para uma produção agrícola e humana, no contexto de uma economia mundializada e da revolução científico-tecnológica, ambas densamente complexas, requer capacitação de no mínimo igual magnitude à do trabalhador urbano-industrial. A base dessa qualificação requer uma radical superação da racionalidade educativa com fundamentação positivista e a adesão aos fundamentos da complexidade e da participação. Fundamentos que permitem a utilização das categorias Homem Universal e Individuação que, conjuntamente tornam inegociável toda e qualquer perspectiva de exclusão. Esse desafio/aposta permite a emergência de um pequeno agricultor como um novo ser social com potencialidades para engendrar atividades sócio-econômicas viáveis. Propõe-se, pois, um processo educacional que afirma o vir-a-ser de um produtor de alimentos interagindo com os complexos processos produtivos, que hoje, ultrapassam as fronteiras do mundo naturalizado.

Pequeno (ainda) agricultor e racionalidade educativa. (Nota 1)

Ari Paulo Jantsch, é filho de agricultores e, por isso, para escrever a sua tese/livro não teve necessidade de inventar, de imaginar mas, tão somente, de concretizar com uso de sua formação intelectual, falar de si e falar dos seus. Ao falar da sua própria vivência, torna o texto mais efetivo, sem enfeites, sem tinturas e sem metáforas. O texto é real e atesta uma realidade efetivamente vivenciada. Nas palavras de Ari: Capinei, lavrei, enverguei, arranquei toco, carreguei pedra, rocei, fiz pasto e forragem, tratei, fiz lavagem, arranquei feijão e outros, cortei arroz, trigo e soja à foice de mão, tirei leite, ajudei a carnear, castrar, etc., participei de muitas trilhadas, quebrei milho na roça, consertei estrada à picareta, prensei cana-de-açúcar em moenda movida a boi, fiz melado, plantei sementes a lanço ou com a plantadeira manual, fiz e consertei cercas de arame farpado, fiz valetas, cavei poços, carreguei sacos, fui a pé ou a carroça de boi ao moinho e às vendas, plantei grama de potreiro [...] Uma das piores foi a lida com veneno: medo, enjôo estomacal, dor de cabeça [...] prejudiquei o meu corpo, apresentando, até hoje, seqüelas na pele e bexiga...” (p. 22/23).

Ler e refletir sobre o livro, Pequeno (ainda) agricultor e racionalidade educativa, é permitir-se trilhar e reconhecer a grandiosidade dos pequenos ainda agricultores do Sul do Brasil e, por extensão, do Brasil. A leitura, no decorrer de todo o texto, nos coloca dentro da pequena propriedade, nos torna próximos de sua problemática e de sua potencialidade, nos faz sentir os seus desafios, os seus desgostos, nos faz alimentar os seus desejos de superação e também nos faz sonhar com as suas alegrias e com os desafios de ir além de sua própria incredulidade. A leitura prende a atenção e nos recheia de perplexidade diante da descrição singela mas real e dura de um modo de vida tantas e inúmeras vezes cantado em prosa e versos ou simplesmente desencantado e menosprezado.

Pelas revelações surpreendentes que o livro nos traz com relação ao modo de vida do pequeno ainda agricultor, é impossível não experimentar, mesmo que metaforicamente, um cotidiano ao mesmo tempo violento e ameno, um cotidiano regado a ameaças naturais e culturais, econômicas, morais e religiosas. Um cotidiano onde a exclusão está de plantão e conflita com o esforço e a tentativa de permanência. Um cotidiano inundado de contradições, navegando nas ameaças da negação, mas, no outro extremo, uma fartura de responsabilidade e de sabedoria reconhecendo o quanto de necessidade, intensa e extensa, existe na sua habilidade para lidar com a terra, para produzir alimento, realizar-se, mesmo que muitas vezes, às custas da des-realização de seu ser encarnado. É impossível, a não ser que o nível de insensibilidade beire o intolerável, não se sensibilizar com a situação anacrônica e paradoxal de um cotidiano regado a sol e a chuva, a frio e calor, a promessas e derrotas, a esperanças que se entrecruzam, se estendem e distendem na temível e quase eterna postergação.

Esse mergulho que faz vivenciar, que torna presente o dia-a-dia do pequeno ainda agricultor, que o expõe, o reconhece e rejeita, que o valoriza e o desafia, que o provoca enquanto oportuniza, que lhe reclama um não entregar-se, que o choca com o convite de permanência, que lhe exige negar a rendição, que lhe cobra elevar-se por meio de um processo educacional efetivo, que lhe estende a mão intelectual para um sair do anonimato, constitui-se no mérito maior desse livro.

Ari mostrou-se arrojado. Não quis perder-se em rosários de lamúrias e fechar “a porteira” dando-se e dando-os por rendidos. Ari é mais audacioso, mergulhou no mundo da intelectualidade filosófica, sociológica, econômica, ideológica e por que não dizer antropológica, para dizer não ao conformismo inoperante, mas para, com bases teóricas profundas argumentar/construir reais possibilidades.

Como possuidor de amplo saber científico e técnico sobre os esquemas, os conluios, as ideologias, o violento jogo de interesses, as arbitrariedades de uma elite humana, capaz de construir um modelo econômico e político que classifica e precisa eliminar, ao invés de integrar, Ari propõe a sua hipótese de trabalho. Propõe demonstrar no livro que, “o (ainda designado) pequeno agricultor (concebido, porém, para além da acepção tradicional) precisa uma educação geral e científica-tecnológica igual (ou possivelmente superior) aos demais trabalhadores, elevando-se inclusive à condição de trabalhador intelectual (pesquisador)” (p. 29).

A lucidez do autor, com relação ao desafio proposto na hipótese, não lhe permite alimentar falsas expectativas e nem promessas salvacionistas. “Sei que tão somente o acesso ao saber altamente qualificado não ‘salva a lavoura’” (p. 24). Sabe e sabem os filhos e filhas dos pequenos ainda agricultores que, sem esse saber científico-tecnológico e sem uma garantia de sua aplicação, a perspectiva é engrossarem os acampamentos dos “sem terra”. No entanto, a importância da hipótese fica ratificada quando o autor dá o seu próprio depoimento e após o estende a outros: “jamais voltaria espontaneamente a produzir na agricultura sem um quantum de saber científico-tecnológico bem mais avançado daquele que experimentei na primeira fase de minha vida. [...] sem a garantia da aplicação [...] por falta de incentivos adequados para a aplicação por parte de quem já domina este saber, como é o caso de muitos agrônomos ou, de outros, pelo não acesso a este saber, como é o caso de muitos filhos de pequenos agricultores, simplesmente preferem ocupar postos de trabalho nas cidades, mesmo com uma baixa remuneração”.(p. 23).

O rigor do autor faz-se presente já na introdução do livro: Primeira Parte, capítulo introdutório Iniciando a “Conversa”, que foge de certa forma das tradicionais introduções. Ele a complementa com “elementos destinados a construir, problematizar e compreender o objeto em estudo” (p. 33). Mas é necessário dizer que apesar de todo o rigor, exigência dos trabalhos científicos, a leitura é muito agradável, apresentando o texto inúmeras vezes um leve toque de poesia, principalmente quando permite que seus personagens agricultores falem de suas histórias pessoais, tornando-se por vezes personagens reais de um mundo literário, artístico e científico.

O livro é composto de cinco partes. Cinco partes que se complementam e que se exigem entre si. Essa forma de escrever, requerendo um constante retorno – uma espécie de iteração - para emaranhar-se no fascinante mundo dos fractais –, é própria das reflexões envolvendo a complexidade e a interdisciplinaridade, como o autor defende e argumenta em seu quarto capítulo.

Além das cinco partes, constituindo o escopo forte do livro, o autor também faz uso do que poderíamos denominar de anexo interno. Uma espécie de parênteses, num total de 14 – denominados de Box – nos quais conceitua teoricamente expressões e ou categorias conceituais com o objetivo de facilitar e permitir uma leitura de melhor compreensão. O uso dos Box é certamente uma inovação extremamente agradável e elucidatória quando conceitos difusos e de múltiplas interpretações são objetivamente delimitados dentro de um contexto específico e necessário que o autor lhes deseja atribuir.

A segunda parte, O Ponto de partida: a moldura teórico-contextual em que discutimos a educação do pequeno agricultor, divide-se em três capítulos: A base conceitual (categorias/conceitos) da discussão da educação do pequeno agricultor & elementos de contexto; Totalidade histórico-social, ruptura paradigmática, alternativa sócio-econômica viável & racionalidade educativa; e, O estudo da alternativa sócio-econômica viável: complexidade e interdisciplinaridadea é o espaço utilizado pelo autor para explicitar o referencial teórico. São três capítulos nos quais procura apontar os limites e as insuficiências de uma racionalidade positivista. Enquanto consolida sua reflexão em torno dessa insuficiência e aponta/acusa seu teor de dominação, construindo redutos de acomodação, e sustenta a mesma a partir de autores clássicos nacionais ou não, Ari começa a construir o arcabouço daquilo que é o específico de seu trabalho: a necessidade profunda de rompimento paradigmático com o positivismo conformando uma ordem posta e a afirmação de uma nova “racionalidade educativa”. Para fazê-lo precisa encontrar elementos e categorias conceituais que permitem esse rompimento, para então tentar construir uma compreensão da realidade não mais atrelada à esfera meramente positivista.

Ao mesmo momento em que faz um esforço para encontrar alternativas à compreensão da realidade, reflete profundamente sobre as condições objetivas, mesmo a subjetividade, peculiares ao dia-a-dia dos pequenos ainda agricultores. Para dar conta de seu empreendimento conceitual trabalha com duas categorias que considera básicas: a de Homem Universal e a de Individuação. A categoria, Homem Universal, segundo o autor, é aquela que abrange uma cidadania universal, por isso: “Homem Universal (cosmopolita, omnilateral) é o homem pleno de humanidade, que se apropria de todo o conteúdo que a materialidade histórica já pôs para o homem” (p. 62). É na abrangência desse conceito que pretende compreender o cotidiano da vida dos pequenos ainda agricultores que, de uma forma ou de outra, encontram-se não só imersos no contexto da mundialização da economia de mercado, da revolução científico-tecnológica e informacional, como também estes se tornam determinantes dos processos que constituem esse dia-a-dia real.

Para formalizar a Individuação e lhe atribuir o caráter de categoria o autor afirma: “A categoria individuação quer dar conta do processo de produção do homem a partir do pressuposto da democracia real (não reduzida à mera formalidade), com o que as condições objetivas de existência humana são assumidas como bem comum universal e como fundantes [...] dos atos históricos realizáveis pelo homem”. (p. 63).

Sem fazer menção aqui às outras categorias trabalhadas pelo autor, as duas, acima referendadas, permitem perceber que o mundo vivencial dos pequenos ainda agricultores só pode ser entendido a partir de sua realidade concebida como extremamente complexa, portanto, muito além daquilo que a racionalidade positivista se propunha. Ari especifica que ser complexa não significa estar subjugada aos meandros do insuperável, muito pelo contrário, ele a entende como um conjunto de processos amplos e complexos que permitem a superação via rompimento de seus limites a partir de olhares abertos, mas também enfáticos, para evitar que mais uma vez se coadunem com a exclusão.

A terceira parte do livro, A educação do pequeno agricultor a partir da moldura teórico-contextual: (re)articulando categorias e materialidade histórica, sub-divide-se nos capítulos cinco e seis: A materialidade histórica como definidora da práxis educativa voltada ao pequeno agricultor; e, Problematizando a educação do pequeno agricultor a partir da moldura teórico-contextual e do ideal da formação do homem universal: do poder do atraso à alternativa sócio-econômico viável, é dedicada à discussão da educação. O autor lança um olhar crítico ao tradicional processo educativo do agricultor, que considera “duplamente a-histórico” e “indefensável”: primeiro, porque nega o Homem Universal, e, segundo, porque refreia a individuação” (p. 159). Nesse espaço de discussão demonstra a possibilidade de uma educação para a formação do Homem Universal visando superar o espectro de atraso numa proposição de atividades sócio-econômicas sustentáveis. Afirma: “Certamente as noções fundamentais e aprofundadas, dentre outras, de ecologia, de saúde animal/vegetal/humana e de biotecnologia se impõe para que o pequeno produtor de alimentos de ora em diante” (p. 159).

Na quarta parte do livro, Alguns elementos do mundo vivencial dos pequenos agricultores ou a dificuldade na desconstrução do “poder do atraso” e na construção do homem universal individuado (começando a concluir “provável e provisoriamente”), que é composta pelo capítulo sete, Homem Universal: sua vida e sua morte na vivência (contraditória) dos pequenos agricultores, o autor dá mostras dos méritos conceituais trabalhados anteriormente, quando retoma a discussão da complexa temática da construção do Homem Universal, da Individuação e a contribuição ou não das políticas educacionais – o ruralismo pedagógico - para tal e a envolve no mundo de vivência dos pequenos ainda agricultores descobrindo o fosso abissal entre o “poder do atraso” e o sonho de Homem Universal. Nessa parte e com base em procedimentos metodológicos criteriosos e científicos, o autor ouve e conversa com pequenos agricultores, visando entender a racionalidade educativa bem como as conseqüências dela sobre o cotidiano de suas vidas.

Escolhe criteriosamente os seus interlocutores no sentido de abranger, na amostra, o contexto da mundialização da economia de mercado e a presença da ciência/tecnologia no modo de produção agrícola. Convida quatro famílias que articulam produção para a subsistência com também produção para mercado local, regional e mundial. Uma família que, expondo e vendendo seus produtos agrícolas numa feira rural, é escolhida como representante dos agricultores que se beneficiam de uma parcela de mercado organizado pelo poder público municipal. Para representar e entender a articulação entre conhecimento científico-tencológico, propiciado por extensões universitárias e ou extensões de órgãos como a EMBRAPA e EMATER, selecionou mais uma família como representante dos pequenos agricultores que caminham na direção do rompimento com a tradicional condição de pequeno agricultor.

O resultado é esse “belíssimo” embora chocante capítulo sete. Nele os pequenos agricultores se mostram e falam do seu dia-a-dia. Relatam suas atividades cotidianas, falam do uso dos instrumentos de trabalho, muitos ainda rudimentares, falam da rotina e das atividades diárias que se repetem, falam das suas implicações e conseqüências sobre a saúde, sobre o seu ser existencial. Referem-se aos momentos de angústia do produzir contra a naturalidade, das dificuldades da ausência/presença do Estado, dos sonhos e dos projetos não realizados. Externam a dureza de uma trajetória que muitas vezes leva para uma acomodação irreversível e resultante do sentimento de solidão, da falta de recursos financeiros, da falta de conhecimentos, do não saber obter ajuda, do abandono pelo mercado, pela política, pelo Estado...

Mas é necessário salientar que, apesar dos assustadores limites manifestados pelos entrevistados na pesquisa de campo, Ari não está desatento e não se prende ao e nem pretende confinar o pequeno agricultor no modelo tradicional e a um mundo ainda naturalizado. Como sua proposta é de superação, ele visualiza as potencialidades existentes no ser do pequeno agricultor para sair do primitivismo agrícola, desvenciliar-se da submissão ao capital e questiona o “ruralismo pedagógico”. Ari vê um pequeno agricultor para além do individualismo de uma única propriedade e o pretende firmado como ser social. O ser social que, na sua individuação compreendendo os complexos processos produtivos, literalmente toma posse das totalidades produtivas. Eis então o Homem Universal afirmado como um novo ser humano capaz não só de absorver mas, também, de construir saber humanístico e/ou politécnico; enfim, potencialmente vivendo melhor.

É assim que Ari produziu a quinta parte, como Capítulo “conclusivo”: entre o caótico (fim da história) e a utopia (otimismo militante), a alternativa sócio-econômico viável ou a história continua, composta pelo capítulo oitavo: Concluindo “provável e provisoriamente”: da mundialização excludente (fim da história) à formação geral e científico-tecnológica do pequeno (ainda) agricultor enquanto mediação constituinte de um novo ser social e da individualização do homem universal. Nele o autor é cuidadoso, característica de toda a obra, evitando as tradicionais recaídas em conceituações preconceituosas. Sem deixar de apontar, não se pretende refém dos muitos olhares depreciadores que lançam culpabilidades sobre o pequeno agricultor, como enfatiza na síntese apresentada no Capítulo Introdutório. Citamos: “o não alinhamento ao paradigma dos insumos – modernização”, evocações ideológicas que pretendem as inconseqüentes apostas em “resistências”; ele desdenha a visão ingênua e a suposta “vida pura” dos que “vivem na terra”; questiona o “ruralismo pedagógico” (p. 35) como proposta que mantém a dualidade campo-cidade.

Contra essas asserções propõe no capítulo conclusivo uma racionalidade educativa para o pequeno (ainda) agricultor com base na complexidade e na interdisciplinaridade.

Afirma: “... a racionalidade educativa em questão, quando traz como base a totalidade histórico-social (múltiplas determinações em movimento, expressas nas mais diversas transições em curso) subsidia, antes e necessariamente, uma ruptura impiedosa com tudo aquilo que até hoje constitui o ser (o tradicional pequeno agricultor)” (p. 224). Lista nas páginas 225 e 226 um total de dezesseis considerações que considera como as “principais transições indicativas do novo ser social”. Essas transições, enquanto processos de realização, serão também o indicativo para a concretização de uma ruptura histórica na vida do pequeno ainda agricultor e a sua transposição, como exigência e desafio, rumo à constituição de um novo ser social.

Para que ocorra a efetiva transformação do pequeno ainda agricultor em um ser social, várias mudanças precisam acompanha-la e Ari recomenda:

  • a viabilidade de uma alternativa sócio econômica como possibilidade de individuação não alienada (p. 227);
  • ser fundamental no mundo Homem Universal que o ser humano seja o centro em substituição à centralidade do capital, ou seja “a mundialização só tem sentido quando corresponder à individuação do Homem Universal” (p. 228);
  • pensar “uma proposta educacional universalizadora do Homem Universal que toma [...] a direção da democracia sob o paradigma da participação” (p. 229);
  • “a educação do pequeno (ainda) agricultor exige pelo menos a mesma complexidade que a do trabalhador urbano-industrial, dando-lhe condições iniciais iguais para ser cidadão do mundo-homem pleno de humanidade” (p. 230);
  • abrir mão da persistência num mundo dito rural por que a mesma “não passa de saudocismo que contribui para a exclusão dos pequenos agricultores” (p. 230) e,
  • por isso, “nosso pensamento afirma o pequeno agricultor enquanto Homem Universal, mediado também (não exclusivamente) pela educação científica-tecnológica, o que demanda tanto a superação do arcaísmo do qual é expressão a educação rural, quanto a exclusão a priori (devido à lógica excludente) patrocinada pelo grande capital e justificada pelos seus ‘intelectuais orgânicos’” (p. 231).

Para que a constituição desse novo ser social do pequeno agricultor tenha a sua individuação efetivada, o autor propõe oito metas importantes e potencialmente suficientes, dentre as quais destacamos: superar a concepção fragmentária dos processos produtivos bem como da educação, da ciência e da tecnologia; permitir um acesso universal dos pequenos agricultores ao ensino público em todos os níveis; oportunizar não apenas acesso aos órgãos de pesquisa mas, viabilizar uma efetiva participação dos mesmos como pesquisadores; instituir uma prática educativa com base na agroecologia e ecologia; oportunizar uma vivência educativa fundamentada na interdisciplinaridade e na participação (p. 234/5).

Bem, enfim desejo dizer que este é um livro que a vale a pena ser lido, refletido e tornar-se motivo de diálogo. Vale a pena ser lido porque, como afirmamos no início, o livro não é uma moldura de enfeite. Preocupar-se e re-visitar intelectualmente essa importante parcela da população mundial, teorizar sobre a mesma é importante. Porém, mais humano, mais convincente é ver um filho de agricultor voltando ao seu pago e contribuir efetivamente com a proposição de novas formas educacionais que poderão implicar em novas e diferentes formas vivenciais.

Desejo parabenizar ao prof. Dr. Ari pela sensibilidade do retorno. Parabenizá-lo pelo compromisso mantido com suas origens. Parabenizá-lo como ser humano que, na lida do campo ou da sala de aula, expressa não apenas preocupação com a exclusão e violação de corporeidades humanas, mas contribui fartamente com a dinamização de reflexões que fazem nascer a desejabilidade participativa e humanizadora.

Por derradeiro preciso dizer que, por pequena ou grande, extensa ou reduzida que seja uma resenha, ela será incapaz de englobar a totalidade e a riqueza da reflexão que o agricultor/intelectual Ari se propôs e está a nos oferecer. Ler o livro na íntegra permite que o leitor encontre a sua mais fina forma de participar do debate já iniciado rumo à construção de um ser humano mais sensível consigo e com os outros.

Nota

1. A obra resenhada é a tese de doutorado do autor, defendida no Curso de Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP – SP. Assim, a pesquisa que originou o livro contou com a orientação do Dr.Prof. Valdemar Sguissardi. Valdemar é também autor do Prefácio do presente livro.

Sobre o autor do livro

Com relação ao autor, Dr. Ari Paulo Jantsch, cabe ressaltar que ele é Professor do Departamento de Estudos Especializados em Educação – EED do Centro de Ciências da Educação – CED da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. É mestre em Planejamento Educacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Concluiu o doutorado, em Educação, pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Integra o Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC desde 1997 e, como pesquisador, atua nas linhas de pesquisa de Trabalho e Educação e de Educação e Comunicação. No momento está efetuando um Curso de pós-doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, tendo como interlocutor o Prof. Dr. Nilton Bueno Fischer. Desenvolve também atividades de pesquisa voltadas ao pequeno agricultor do sul do Brasil, tendo como conceitos norteadores a complexidade, a interdisciplinaridade e a comunicação, como veremos serem a base do livro em destaque.

Sobre o autor da resenha

Roque Strieder é Professor do Centro de Ciências da Educação da UNOESC – Universidade do Oeste de Santa Catarina. Exerce atual a função de Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão no Campus de São Miguel do Oeste. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Integra também o Programa de Pós-Graduação em Educação da UNOESC – Campus de Joaçaba. Como pesquisador atua nas linhas de pesquisa Educação e Conhecimento e líder de Grupo de Pesquisa certificado junto ao CNPq. As pesquisas, com financiamento do CNPq, em desenvolvimento versam sobre o compromisso da educação na construção da ética e o papel da simbiogênese no processo da humanização. Tem inúmeras publicações em periódicos e anais regionais e nacionais. Livros publicados:

  • Strieder, Roque. Produção agrícola integrada: a emergência humana do trabalhador agrícola. São Miguel do Oeste: UNOESC, 2000. 171 p.
  • Strieder, Roque. Educar para a iniciativa e a solidariedade. Ijuí, RS: UNIJUI, 2000. 368 p.
  • Strieder, Roque. Educação e humanização: por uma vivência criativa. Florianópolis: Habitus, 2002. 312 p.


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