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Jantsch, Ari Paulo. ( 2001). Pequeno (ainda) agricultor e
racionalidade educativa. Florianópolis: Núcleo de
Publicações (UFSC/CED).
Pp. 252
ISBN 85-87103-067
Resenhado por Roque Strieder
Universidade do Oeste de Santa Catarina., Brasil
17 de febrero de 2003
Resumo
A reflexão tem como desafio desvelar a racionalidade do
processo educativo, suas propostas e contradições,
disponibilizado aos pequenos produtores agrícolas, em
particular gaúchos, mas também, estendível aos
pequenos agricultores das demais regiões do país. A
profundidade das reflexões, a consistente base teórica
faz do texto um referencial para educadores e para todos aqueles
que desejam contribuir para com a construção de mais
qualidade de vida. A reflexão não se detém numa
mera interpretação da realidade vivida pelos pequenos
agricultores. Ela sinaliza alternativas
teórico-práticas que, se concretizadas em
vivências cotidianas poderão alavancar
modificações efetivas. Para que
transformações na realidade vivencial sejam efetivadas,
uma nova vertente educativa precisa integrar o cotidiano da
atividade agrícola. Disso resulta o ponto forte do trabalho:
a qualificação necessária para uma
produção agrícola e humana, no contexto de uma
economia mundializada e da revolução
científico-tecnológica, ambas densamente complexas,
requer capacitação de no mínimo igual magnitude
à do trabalhador urbano-industrial. A base dessa
qualificação requer uma radical superação da
racionalidade educativa com fundamentação positivista e
a adesão aos fundamentos da complexidade e da
participação. Fundamentos que permitem a
utilização das categorias Homem Universal e
Individuação que, conjuntamente tornam inegociável
toda e qualquer perspectiva de exclusão. Esse desafio/aposta
permite a emergência de um pequeno agricultor como um novo
ser social com potencialidades para engendrar atividades
sócio-econômicas viáveis. Propõe-se, pois, um
processo educacional que afirma o vir-a-ser de um produtor de
alimentos interagindo com os complexos processos produtivos, que
hoje, ultrapassam as fronteiras do mundo naturalizado.
Pequeno (ainda) agricultor e racionalidade educativa. (Nota 1)
Ari Paulo Jantsch, é filho de agricultores e, por isso,
para escrever a sua tese/livro não teve necessidade de
inventar, de imaginar mas, tão somente, de concretizar com
uso de sua formação intelectual, falar de si e falar
dos seus. Ao falar da sua própria vivência, torna o
texto mais efetivo, sem enfeites, sem tinturas e sem
metáforas. O texto é real e atesta uma realidade
efetivamente vivenciada. Nas palavras de Ari:
“Capinei, lavrei, enverguei, arranquei toco,
carreguei pedra, rocei, fiz pasto e forragem, tratei, fiz
lavagem, arranquei feijão e outros, cortei arroz, trigo e
soja à foice de mão, tirei leite, ajudei a carnear,
castrar, etc., participei de muitas trilhadas, quebrei milho na
roça, consertei estrada à picareta, prensei
cana-de-açúcar em moenda movida a boi, fiz melado,
plantei sementes a lanço ou com a plantadeira manual, fiz e
consertei cercas de arame farpado, fiz valetas, cavei poços,
carreguei sacos, fui a pé ou a carroça de boi ao moinho
e às vendas, plantei grama de potreiro [...] Uma das piores
foi a lida com veneno: medo, enjôo estomacal, dor de
cabeça [...] prejudiquei o meu corpo, apresentando, até
hoje, seqüelas na pele e bexiga...” (p. 22/23).
Ler e refletir sobre o livro, Pequeno (ainda) agricultor e
racionalidade educativa, é permitir-se trilhar e
reconhecer a grandiosidade dos pequenos ainda agricultores do Sul
do Brasil e, por extensão, do Brasil. A leitura, no decorrer
de todo o texto, nos coloca dentro da pequena propriedade, nos
torna próximos de sua problemática e de sua
potencialidade, nos faz sentir os seus desafios, os seus
desgostos, nos faz alimentar os seus desejos de
superação e também nos faz sonhar com as suas
alegrias e com os desafios de ir além de sua própria
incredulidade. A leitura prende a atenção e nos recheia
de perplexidade diante da descrição singela mas real e
dura de um modo de vida tantas e inúmeras vezes cantado em
prosa e versos ou simplesmente desencantado e menosprezado.
Pelas revelações surpreendentes que o livro nos traz
com relação ao modo de vida do pequeno ainda
agricultor, é impossível não experimentar, mesmo
que metaforicamente, um cotidiano ao mesmo tempo violento e
ameno, um cotidiano regado a ameaças naturais e culturais,
econômicas, morais e religiosas. Um cotidiano onde a
exclusão está de plantão e conflita com o
esforço e a tentativa de permanência. Um cotidiano
inundado de contradições, navegando nas ameaças da
negação, mas, no outro extremo, uma fartura de
responsabilidade e de sabedoria reconhecendo o quanto de
necessidade, intensa e extensa, existe na sua habilidade para
lidar com a terra, para produzir alimento, realizar-se, mesmo que
muitas vezes, às custas da des-realização de seu
ser encarnado. É impossível, a não ser que o
nível de insensibilidade beire o intolerável, não
se sensibilizar com a situação anacrônica e
paradoxal de um cotidiano regado a sol e a chuva, a frio e calor,
a promessas e derrotas, a esperanças que se entrecruzam, se
estendem e distendem na temível e quase eterna
postergação.
Esse mergulho que faz vivenciar, que torna presente o
dia-a-dia do pequeno ainda agricultor, que o expõe, o
reconhece e rejeita, que o valoriza e o desafia, que o provoca
enquanto oportuniza, que lhe reclama um não entregar-se, que
o choca com o convite de permanência, que lhe exige negar a
rendição, que lhe cobra elevar-se por meio de um
processo educacional efetivo, que lhe estende a mão
intelectual para um sair do anonimato, constitui-se no
mérito maior desse livro.
Ari mostrou-se arrojado. Não quis perder-se em
rosários de lamúrias e fechar “a porteira”
dando-se e dando-os por rendidos. Ari é mais audacioso,
mergulhou no mundo da intelectualidade filosófica,
sociológica, econômica, ideológica e por que
não dizer antropológica, para dizer não ao
conformismo inoperante, mas para, com bases teóricas
profundas argumentar/construir reais possibilidades.
Como possuidor de amplo saber científico e técnico
sobre os esquemas, os conluios, as ideologias, o violento jogo de
interesses, as arbitrariedades de uma elite humana, capaz de
construir um modelo econômico e político que classifica
e precisa eliminar, ao invés de integrar, Ari propõe a
sua hipótese de trabalho. Propõe demonstrar no livro
que, “o (ainda designado) pequeno agricultor
(concebido, porém, para além da acepção
tradicional) precisa uma educação geral e
científica-tecnológica igual (ou possivelmente
superior) aos demais trabalhadores, elevando-se inclusive à
condição de trabalhador intelectual
(pesquisador)” (p. 29).
A lucidez do autor, com relação ao desafio proposto
na hipótese, não lhe permite alimentar falsas
expectativas e nem promessas salvacionistas. “Sei que
tão somente o acesso ao saber altamente qualificado não
‘salva a lavoura’” (p. 24). Sabe e sabem os
filhos e filhas dos pequenos ainda agricultores que, sem esse
saber científico-tecnológico e sem uma garantia de sua
aplicação, a perspectiva é engrossarem os
acampamentos dos “sem terra”. No entanto, a
importância da hipótese fica ratificada quando o autor
dá o seu próprio depoimento e após o estende a
outros: “jamais voltaria espontaneamente a produzir na
agricultura sem um quantum de saber
científico-tecnológico bem mais avançado daquele
que experimentei na primeira fase de minha vida. [...] sem a
garantia da aplicação [...] por falta de incentivos
adequados para a aplicação por parte de quem já
domina este saber, como é o caso de muitos agrônomos
ou, de outros, pelo não acesso a este saber, como é o
caso de muitos filhos de pequenos agricultores, simplesmente
preferem ocupar postos de trabalho nas cidades, mesmo com uma
baixa remuneração”.(p. 23).
O rigor do autor faz-se presente já na
introdução do livro: Primeira Parte,
capítulo introdutório Iniciando a
“Conversa”, que foge de certa forma das
tradicionais introduções. Ele a complementa com
“elementos destinados a construir, problematizar e
compreender o objeto em estudo” (p. 33). Mas é
necessário dizer que apesar de todo o rigor, exigência
dos trabalhos científicos, a leitura é muito
agradável, apresentando o texto inúmeras vezes um leve
toque de poesia, principalmente quando permite que seus
personagens agricultores falem de suas histórias pessoais,
tornando-se por vezes personagens reais de um mundo
literário, artístico e científico.
O livro é composto de cinco partes. Cinco partes que se
complementam e que se exigem entre si. Essa forma de escrever,
requerendo um constante retorno – uma espécie de
iteração - para emaranhar-se no fascinante mundo dos
fractais –, é própria das reflexões
envolvendo a complexidade e a interdisciplinaridade, como o autor
defende e argumenta em seu quarto capítulo.
Além das cinco partes, constituindo o escopo forte do
livro, o autor também faz uso do que poderíamos
denominar de anexo interno. Uma espécie de parênteses,
num total de 14 – denominados de Box – nos quais
conceitua teoricamente expressões e ou categorias
conceituais com o objetivo de facilitar e permitir uma leitura de
melhor compreensão. O uso dos Box é certamente uma
inovação extremamente agradável e
elucidatória quando conceitos difusos e de múltiplas
interpretações são objetivamente delimitados
dentro de um contexto específico e necessário que o
autor lhes deseja atribuir.
A segunda parte, O Ponto de partida: a moldura
teórico-contextual em que discutimos a educação do
pequeno agricultor, divide-se em três capítulos:
A base conceitual (categorias/conceitos) da discussão da
educação do pequeno agricultor & elementos de
contexto; Totalidade histórico-social, ruptura
paradigmática, alternativa sócio-econômica
viável & racionalidade educativa; e, O estudo da
alternativa sócio-econômica viável: complexidade e
interdisciplinaridadea é o espaço utilizado pelo
autor para explicitar o referencial teórico. São
três capítulos nos quais procura apontar os limites e
as insuficiências de uma racionalidade positivista. Enquanto
consolida sua reflexão em torno dessa insuficiência e
aponta/acusa seu teor de dominação, construindo redutos
de acomodação, e sustenta a mesma a partir de autores
clássicos nacionais ou não, Ari começa a construir
o arcabouço daquilo que é o específico de seu
trabalho: a necessidade profunda de rompimento paradigmático
com o positivismo conformando uma ordem posta e a
afirmação de uma nova “racionalidade
educativa”. Para fazê-lo precisa encontrar elementos e
categorias conceituais que permitem esse rompimento, para
então tentar construir uma compreensão da realidade
não mais atrelada à esfera meramente positivista.
Ao mesmo momento em que faz um esforço para encontrar
alternativas à compreensão da realidade, reflete
profundamente sobre as condições objetivas, mesmo a
subjetividade, peculiares ao dia-a-dia dos pequenos ainda
agricultores. Para dar conta de seu empreendimento conceitual
trabalha com duas categorias que considera básicas: a de
Homem Universal e a de Individuação. A categoria,
Homem Universal, segundo o autor, é aquela que abrange uma
cidadania universal, por isso: “Homem Universal
(cosmopolita, omnilateral) é o homem pleno de humanidade,
que se apropria de todo o conteúdo que a materialidade
histórica já pôs para o homem” (p. 62).
É na abrangência desse conceito que pretende
compreender o cotidiano da vida dos pequenos ainda agricultores
que, de uma forma ou de outra, encontram-se não só
imersos no contexto da mundialização da economia de
mercado, da revolução científico-tecnológica
e informacional, como também estes se tornam determinantes
dos processos que constituem esse dia-a-dia real.
Para formalizar a Individuação e lhe atribuir o
caráter de categoria o autor afirma: “A categoria
individuação quer dar conta do processo de
produção do homem a partir do pressuposto da democracia
real (não reduzida à mera formalidade), com o que as
condições objetivas de existência humana são
assumidas como bem comum universal e como fundantes [...] dos
atos históricos realizáveis pelo homem”. (p.
63).
Sem fazer menção aqui às outras categorias
trabalhadas pelo autor, as duas, acima referendadas, permitem
perceber que o mundo vivencial dos pequenos ainda agricultores
só pode ser entendido a partir de sua realidade concebida
como extremamente complexa, portanto, muito além daquilo que
a racionalidade positivista se propunha. Ari especifica que ser
complexa não significa estar subjugada aos meandros do
insuperável, muito pelo contrário, ele a entende como
um conjunto de processos amplos e complexos que permitem a
superação via rompimento de seus limites a partir de
olhares abertos, mas também enfáticos, para evitar que
mais uma vez se coadunem com a exclusão.
A terceira parte do livro, A educação do pequeno
agricultor a partir da moldura teórico-contextual:
(re)articulando categorias e materialidade histórica,
sub-divide-se nos capítulos cinco e seis: A materialidade
histórica como definidora da práxis educativa voltada
ao pequeno agricultor; e, Problematizando a
educação do pequeno agricultor a partir da moldura
teórico-contextual e do ideal da formação do homem
universal: do poder do atraso à alternativa
sócio-econômico viável, é dedicada
à discussão da educação. O autor lança
um olhar crítico ao tradicional processo educativo do
agricultor, que considera “duplamente
a-histórico” e “indefensável”:
“primeiro, porque nega o Homem Universal, e,
segundo, porque refreia a
individuação” (p. 159). Nesse espaço de
discussão demonstra a possibilidade de uma
educação para a formação do Homem Universal
visando superar o espectro de atraso numa proposição de
atividades sócio-econômicas sustentáveis. Afirma:
“Certamente as noções fundamentais e
aprofundadas, dentre outras, de ecologia, de saúde
animal/vegetal/humana e de biotecnologia se impõe para que o
pequeno produtor de alimentos de ora em diante” (p.
159).
Na quarta parte do livro, Alguns elementos do mundo
vivencial dos pequenos agricultores ou a dificuldade na
desconstrução do “poder do atraso” e na
construção do homem universal individuado
(começando a concluir “provável e
provisoriamente”), que é composta pelo
capítulo sete, Homem Universal: sua vida e sua morte na
vivência (contraditória) dos pequenos agricultores,
o autor dá mostras dos méritos conceituais trabalhados
anteriormente, quando retoma a discussão da complexa
temática da construção do Homem Universal, da
Individuação e a contribuição ou não das
políticas educacionais – o ruralismo pedagógico -
para tal e a envolve no mundo de vivência dos pequenos ainda
agricultores descobrindo o fosso abissal entre o “poder do
atraso” e o sonho de Homem Universal. Nessa parte e com
base em procedimentos metodológicos criteriosos e
científicos, o autor ouve e conversa com pequenos
agricultores, visando entender a racionalidade educativa bem como
as conseqüências dela sobre o cotidiano de suas
vidas.
Escolhe criteriosamente os seus interlocutores no sentido de
abranger, na amostra, o contexto da mundialização da
economia de mercado e a presença da ciência/tecnologia
no modo de produção agrícola. Convida quatro
famílias que articulam produção para a
subsistência com também produção para mercado
local, regional e mundial. Uma família que, expondo e
vendendo seus produtos agrícolas numa feira rural, é
escolhida como representante dos agricultores que se beneficiam
de uma parcela de mercado organizado pelo poder público
municipal. Para representar e entender a articulação
entre conhecimento científico-tencológico, propiciado
por extensões universitárias e ou extensões de
órgãos como a EMBRAPA e EMATER, selecionou mais uma
família como representante dos pequenos agricultores que
caminham na direção do rompimento com a tradicional
condição de pequeno agricultor.
O resultado é esse “belíssimo” embora
chocante capítulo sete. Nele os pequenos agricultores se
mostram e falam do seu dia-a-dia. Relatam suas atividades
cotidianas, falam do uso dos instrumentos de trabalho, muitos
ainda rudimentares, falam da rotina e das atividades diárias
que se repetem, falam das suas implicações e
conseqüências sobre a saúde, sobre o seu ser
existencial. Referem-se aos momentos de angústia do
produzir contra a naturalidade, das dificuldades da
ausência/presença do Estado, dos sonhos e dos projetos
não realizados. Externam a dureza de uma trajetória que
muitas vezes leva para uma acomodação irreversível
e resultante do sentimento de solidão, da falta de recursos
financeiros, da falta de conhecimentos, do não saber obter
ajuda, do abandono pelo mercado, pela política, pelo
Estado...
Mas é necessário salientar que, apesar dos
assustadores limites manifestados pelos entrevistados na pesquisa
de campo, Ari não está desatento e não se prende
ao e nem pretende confinar o pequeno agricultor no modelo
tradicional e a um mundo ainda naturalizado. Como sua proposta
é de superação, ele visualiza as potencialidades
existentes no ser do pequeno agricultor para sair do primitivismo
agrícola, desvenciliar-se da submissão ao capital e
questiona o “ruralismo pedagógico”. Ari vê
um pequeno agricultor para além do individualismo de uma
única propriedade e o pretende firmado como ser social. O
ser social que, na sua individuação compreendendo os
complexos processos produtivos, literalmente toma posse das
totalidades produtivas. Eis então o Homem Universal afirmado
como um novo ser humano capaz não só de absorver mas,
também, de construir saber humanístico e/ou
politécnico; enfim, potencialmente vivendo melhor.
É assim que Ari produziu a quinta parte, como
Capítulo “conclusivo”: entre o caótico
(fim da história) e a utopia (otimismo militante), a
alternativa sócio-econômico viável ou a
história continua, composta pelo capítulo oitavo:
Concluindo “provável e provisoriamente”: da
mundialização excludente (fim da história) à
formação geral e científico-tecnológica do
pequeno (ainda) agricultor enquanto mediação
constituinte de um novo ser social e da
individualização do homem universal. Nele o autor
é cuidadoso, característica de toda a obra, evitando as
tradicionais recaídas em conceituações
preconceituosas. Sem deixar de apontar, não se pretende
refém dos muitos olhares depreciadores que lançam
culpabilidades sobre o pequeno agricultor, como enfatiza na
síntese apresentada no Capítulo Introdutório.
Citamos: “o não alinhamento ao paradigma dos insumos
– modernização”, evocações
ideológicas que pretendem as inconseqüentes apostas em
“resistências”; ele desdenha a visão
ingênua e a suposta “vida pura” dos que
“vivem na terra”; questiona o “ruralismo
pedagógico” (p. 35) como proposta que mantém a
dualidade campo-cidade.
Contra essas asserções propõe no capítulo
conclusivo uma racionalidade educativa para o pequeno (ainda)
agricultor com base na complexidade e na
interdisciplinaridade.
Afirma: “... a racionalidade educativa em
questão, quando traz como base a totalidade
histórico-social (múltiplas determinações em
movimento, expressas nas mais diversas transições em
curso) subsidia, antes e necessariamente, uma ruptura impiedosa
com tudo aquilo que até hoje constitui o ser (o tradicional
pequeno agricultor)” (p. 224). Lista nas páginas
225 e 226 um total de dezesseis considerações que
considera como as “principais transições
indicativas do novo ser social”. Essas
transições, enquanto processos de realização,
serão também o indicativo para a
concretização de uma ruptura histórica na vida do
pequeno ainda agricultor e a sua transposição, como
exigência e desafio, rumo à constituição de
um novo ser social.
Para que ocorra a efetiva transformação do pequeno
ainda agricultor em um ser social, várias mudanças
precisam acompanha-la e Ari recomenda:
- a viabilidade de uma alternativa sócio econômica
como possibilidade de individuação não alienada
(p. 227);
- ser fundamental no mundo Homem Universal que o ser humano
seja o centro em substituição à centralidade do
capital, ou seja “a mundialização só tem
sentido quando corresponder à individuação do
Homem Universal” (p. 228);
- pensar “uma proposta educacional universalizadora do
Homem Universal que toma [...] a direção da democracia
sob o paradigma da participação” (p.
229);
- “a educação do pequeno (ainda) agricultor
exige pelo menos a mesma complexidade que a do trabalhador
urbano-industrial, dando-lhe condições iniciais iguais
para ser cidadão do mundo-homem pleno de humanidade”
(p. 230);
- abrir mão da persistência num mundo dito rural por
que a mesma “não passa de saudocismo que
contribui para a exclusão dos pequenos agricultores”
(p. 230) e,
- por isso, “nosso pensamento afirma o pequeno agricultor
enquanto Homem Universal, mediado também (não
exclusivamente) pela educação
científica-tecnológica, o que demanda tanto a
superação do arcaísmo do qual é
expressão a educação rural, quanto a
exclusão a priori (devido à lógica
excludente) patrocinada pelo grande capital e justificada pelos
seus ‘intelectuais orgânicos’” (p.
231).
Para que a constituição desse novo ser social do
pequeno agricultor tenha a sua individuação efetivada,
o autor propõe oito metas importantes e potencialmente
suficientes, dentre as quais destacamos: superar a
concepção fragmentária dos processos produtivos
bem como da educação, da ciência e da tecnologia;
permitir um acesso universal dos pequenos agricultores ao ensino
público em todos os níveis; oportunizar não apenas
acesso aos órgãos de pesquisa mas, viabilizar uma
efetiva participação dos mesmos como pesquisadores;
instituir uma prática educativa com base na agroecologia e
ecologia; oportunizar uma vivência educativa fundamentada na
interdisciplinaridade e na participação (p. 234/5).
Bem, enfim desejo dizer que este é um livro que a vale
a pena ser lido, refletido e tornar-se motivo de diálogo.
Vale a pena ser lido porque, como afirmamos no início, o
livro não é uma moldura de enfeite. Preocupar-se e
re-visitar intelectualmente essa importante parcela da
população mundial, teorizar sobre a mesma é
importante. Porém, mais humano, mais convincente é ver
um filho de agricultor voltando ao seu pago e contribuir
efetivamente com a proposição de novas formas
educacionais que poderão implicar em novas e diferentes
formas vivenciais.
Desejo parabenizar ao prof. Dr. Ari pela sensibilidade do
retorno. Parabenizá-lo pelo compromisso mantido com suas
origens. Parabenizá-lo como ser humano que, na lida do campo
ou da sala de aula, expressa não apenas
preocupação com a exclusão e violação de
corporeidades humanas, mas contribui fartamente com a
dinamização de reflexões que fazem nascer a
desejabilidade participativa e humanizadora.
Por derradeiro preciso dizer que, por pequena ou grande,
extensa ou reduzida que seja uma resenha, ela será incapaz
de englobar a totalidade e a riqueza da reflexão que o
agricultor/intelectual Ari se propôs e está a nos
oferecer. Ler o livro na íntegra permite que o leitor
encontre a sua mais fina forma de participar do debate já
iniciado rumo à construção de um ser humano mais
sensível consigo e com os outros.
Nota
1. A obra
resenhada é a tese de doutorado do autor, defendida no Curso
de Doutorado em Educação do Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP – SP.
Assim, a pesquisa que originou o livro contou com a
orientação do Dr.Prof. Valdemar Sguissardi. Valdemar
é também autor do Prefácio do presente livro.
Sobre o autor do livro
Com relação ao autor, Dr. Ari Paulo Jantsch, cabe
ressaltar que ele é Professor do Departamento de Estudos
Especializados em Educação – EED do Centro de
Ciências da Educação – CED da Universidade
Federal de Santa Catarina – UFSC. É mestre em
Planejamento Educacional pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul – UFRGS. Concluiu o doutorado, em
Educação, pela Universidade Metodista de Piracicaba
– UNIMEP. Integra o Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFSC desde
1997 e, como pesquisador, atua nas linhas de pesquisa de Trabalho
e Educação e de Educação e
Comunicação. No momento está efetuando um Curso de
pós-doutoramento no Programa de Pós-Graduação
em Educação da UFRGS, tendo como interlocutor o Prof.
Dr. Nilton Bueno Fischer. Desenvolve também atividades de
pesquisa voltadas ao pequeno agricultor do sul do Brasil, tendo
como conceitos norteadores a complexidade, a
interdisciplinaridade e a comunicação, como veremos
serem a base do livro em destaque.
Sobre o autor da resenha
Roque Strieder é Professor do Centro de Ciências da
Educação da UNOESC – Universidade do Oeste de
Santa Catarina. Exerce atual a função de
Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e
Extensão no Campus de São Miguel do Oeste. Mestre em
Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina -
UFSC. Doutor em Educação pela Universidade Metodista de
Piracicaba – UNIMEP. Integra também o Programa de
Pós-Graduação em Educação da UNOESC
– Campus de Joaçaba. Como pesquisador atua nas linhas
de pesquisa Educação e Conhecimento e líder de
Grupo de Pesquisa certificado junto ao CNPq. As pesquisas, com
financiamento do CNPq, em desenvolvimento versam sobre o
compromisso da educação na construção da
ética e o papel da simbiogênese no processo da
humanização. Tem inúmeras publicações em
periódicos e anais regionais e nacionais. Livros
publicados:
- Strieder, Roque. Produção agrícola
integrada: a emergência humana do trabalhador
agrícola. São Miguel do Oeste: UNOESC, 2000. 171
p.
- Strieder, Roque. Educar para a iniciativa e a
solidariedade. Ijuí, RS: UNIJUI, 2000. 368 p.
- Strieder, Roque. Educação e
humanização: por uma vivência criativa.
Florianópolis: Habitus, 2002. 312 p.
Reseñas Educativas/ Resenhas Educativas
publica reseñas de libros sobre educación, cubriendo
tanto trabajos académicos como practicas educativas.
Todas las informaciones son evaluadas por los editores:
Editor para Español y Portugués
Gustavo E. Fischman
Arizona State University
Editor General (inglés)
Gene V Glass
Arizona State University
Reseñas Educativas es firmante de la Budapest Open Access Initiative.
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