lunes, 24 de marzo de 2025

Souza, Donaldo Bello de & Faria, Lia Ciomar Macedo de (Orgs.). (2003). Desafios da Educação Municipal. Resenhado por Celia Regina Otranto

 

Souza, Donaldo Bello de & Faria, Lia Ciomar Macedo de (Orgs.). (2003). Desafios da Educação Municipal. Rio de Janeiro, RJ, Brasil: DP&A.

480 páginas
ISBN 85 7490 261-6

Resenhado por Celia Regina Otranto
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

21 de dezembro de 2003

Desafios da Educação Municipal é o título do livro organizado por Donaldo Bello de Souza e Lia Ciomar Macedo de Faria, publicado pela DP&A Editora (www.dpa.com.br). A obra tem o mérito de congregar 29 pesquisadores-especialistas que apresentam seus estudos e experiências em 20 textos tendo como tema central os impactos da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei 9.394/96 – e legislação complementar nos sistemas públicos municipais de ensino. É importante ressaltar, porém, que os diversos artigos não se limitam a apontar as dificuldades decorrentes da multiplicação dos municípios no território brasileiro, mas primam pela indicação de caminhos que possibilitam o enfrentamento dessas dificuldades. Os diversos autores preocupam-se em demarcar os limites e possibilidades do desenvolvimento da Educação Municipal no Brasil, partindo de dois grandes focos de análise: a) financiamento e gestão; b) níveis e modalidades de ensino. O financiamento e a gestão do ensino são abordados com enfoque especial para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), fornecendo subsídios para a compreensão e o controle das contas públicas municipais. Já os níveis e modalidades de ensino previstos na LDB são tratados a partir de uma ótica político-pedagógica, com destaque para a formação inicial e continuada dos professores que atuam nestes diferentes níveis e modalidades.

O texto intitulado “O processo de construção da Educação Municipal pós-LDB 9.394/96: políticas de financiamento e gestão”, de autoria dos organizadores, cumpre papel introdutório importante, uma vez que fornece indicadores para a compreensão do processo de descentralização da educação. Elaborado a partir de levantamento bibliográfico realizado sobre a produção acadêmica nacional publicada no país a respeito da descentralização e municipalização da educação, está estruturado em 111 das cerca de 360 obras inventariadas pelos autores. Em sua primeira seção, resgata antecedentes históricos, relativos ao embate centralização/descentralização presente na legislação brasileira, com enfoque especial na municipalização do ensino via descentralização. Prossegue, focalizando o processo de reforma do Estado brasileiro, apontando para a intervenção dos organismos internacionais nesse processo. Finaliza, analisando o estado do financiamento e da gestão da Educação Municipal, levando em consideração a Constituição Federal de 1988, a LDB 9.394/96 e o FUNDEF.

Em seguida, o livro se divide em três partes. A Parte I trata do financiamento e da gestão do ensino em âmbito municipal, a partir de um enfoque político-institucional, e está composta por sete artigos. O primeiro, “Estado, planejamento e democratização da educação”, de Jose Clovis Azevedo, destaca alguns aspectos relacionados ao processo histórico de formação do Estado brasileiro e suas repercussões na definição do modelo de gestão pública da educação adotado no país. O autor analisa criticamente a concepção de educação como direito dos cidadãos e dever do Estado, alertando que a descentralização pode estar associada ao descompromisso do poder central com a garantia do direito à escola pública. Critica a idéia de educação subordinada aos valores do mercado e aponta a polarização existente entre o campo do direito e o do mercado que perpassou as discussões e disputas ocorridas ao longo da Constituinte, da elaboração da nova LDB, do Plano Nacional de Educação e da criação do FUNDEF.

Maria Celi Chaves Vasconcelos é a autora do segundo texto, intitulado “Conselhos Municipais de Educação: criação e implantação em face das novas atribuições dos sistemas municipais de ensino”, que discute as características presentes no processo de criação e implantação dos Conselhos Municipais de Educação (CME), apontando-os como um dos principais alicerces dos sistemas municipais de ensino pós-LDB. A autora não se furta, porém, de criticar a forma como se dá a composição política destes conselhos que, muitas vezes, culmina com a indicação de membros que desconhecem as próprias atribuições do CME.

A seguir, Bertha de Borja Reis do Valle discorre a respeito da “Formulação dos planos de cargos e salários e estatutos do magistério: a nova legislação”. O artigo, que tem como foco principal a valorização do magistério, apresenta um histórico da profissão docente no Estado do Rio de Janeiro, abordando a organização do magistério estadual, os planos de carreira e a situação salarial do magistério nos municípios fluminenses. A autora conclui, trazendo alguns posicionamentos em relação às discussões que permeiam, na atualidade, encontros e debates nacionais sobre carreira docente, alertando para a importância do momento atual nas determinações a respeito dos planos de carreiras e aposentadorias dos professores da rede pública.

O quarto texto, “Gestão financeira da educação: o legal x o real?”, redigido por Nicholas Davies, examina alguns elementos básicos sobre a gestão dos recursos financeiros da educação, chamando a atenção para a qualidade dos dados oficiais disponíveis. O autor aponta os percalços sofridos pela dificuldade de acesso e contabilização de dados, bem como a desigualdade de recursos entre os governos. Denuncia as falhas do FUNDEF e traça considerações a respeito de um futuro Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério (FUNDEB).

Na seqüência, Candido Alberto Gomes, Beatrice Laura Carnielli e Myriam Cristiano Maia Gonçalves, assinam o artigo intitulado “Políticas federais de apoio: as tortuosas ruas de mão-dupla das relações intergovernamentais”. Nele, os autores apresentam, inicialmente, uma visão histórica das relações entre a União, Estados e Municípios, do período imperial até os tempos atuais. Analisam os quadros constitucionais e legais, até chegarem às transferências de recursos financeiros do Ministério da Educação (MEC) aos Estados e Municípios, com foco principal no período entre 1997 e 2001. Especial destaque é dado à municipalização do ensino fundamental e ao papel do FUNDEF nesse processo.

“Avaliação da educação: novos desafios em contexto de municipalização”, é o título do sexto artigo de autoria de Alicia Bonamino e Creso Franco. Nele os autores discutem as avaliações em larga escala na Educação Básica, mais precisamente o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), apontando seus antecedentes, características, potencialidades e limites. Os autores concluem apresentando quatro alternativas, em ordem crescente de complexidade, para a melhoria da interação do SAEB com escolas e redes municipais de ensino.

O texto intitulado “Participação popular: a escola como alvo do terceiro setor”, de Adolfo Ignácio Calderón e Vlademir Marim, encerra a Parte I, abordando os processos de incentivo à prática do voluntariado nas escolas. O artigo analisa as raízes históricas da participação popular na escola e as mudanças paradigmáticas, visando facilitar a compreensão dos novos contornos que essa prática assume em tempos de hegemonia neoliberal. Examina a constituição do chamado terceiro setor e seus impactos na escola, levando em consideração as ações desenvolvidas pelo voluntariado, por Organizações Não Governamentais (ONGs) e pelo empresariado.

A Parte II do livro é composta por dez trabalhos com enfoque político-educacional em torno dos níveis e modalidades de ensino previstos na LDB, que afetam os sistemas municipais de educação. O primeiro, assinado por Vera Maria Ramos de Vasconcellos, Ligia Maria Leão de Aquino e Ana Paula Santos Lima Lanter Lobo, tem por título “A integração da Educação Infantil ao sistema de ensino: exigências e possibilidades pós-LDB”, e contribui, de forma efetiva, para subsidiar reflexões e ações vinculadas à oferta de Educação Infantil e sua integração ao sistema de ensino, focalizando as políticas públicas governamentais e a legislação pertinente. As autoras destacam a importância da função pedagógica de professores que atuam neste nível de ensino e identificam documentos legais que redefinem o lugar da Educação Infantil no contexto sócio-educacional brasileiro.

Mais adiante, Cecília Maria Aldigueri Goulart apresenta o texto “A universalização do ensino fundamental, o papel político-social da escola e o desafio das novas políticas de alfabetização e letramento”. O estudo, após um breve histórico a respeito da difícil formação de uma população letrada no Brasil, discute a importância da escola e o papel relevante da linguagem na constituição dos sujeitos sociais. A autora conclui, estabelecendo: a) aspectos que considera básicos para a vida de uma política educacional consistente; b) uma síntese de indicadores que podem conformar novos caminhos e soluções para a realização de tal política.

O terceiro artigo, “Formação de profissionais da Educação Infantil: um desafio para as políticas municipais de educação face às exigências da LDB”, é assinado por Patrícia Corsino, Maria Fernanda Nunes e Sonia Kramer. Apresenta e discute dados obtidos na pesquisa Formação de Profissionais da Educação Infantil no Estado do Rio de Janeiro: concepções, políticas e modos de implementação, realizada de 1999 a 2001, fazendo um balanço das propostas de formação de profissionais de Educação Infantil, em creches, pré-escolas e escolas de Ensino Fundamental no Estado do Rio de Janeiro. Após uma incursão na história e política da Educação Infantil, analisa dados relativos à formação, ingresso e carreira dos profissionais que atuam neste nível de ensino. A parte final do artigo apresenta conclusões e recomendações que foram encaminhadas aos Municípios, pelas autoras, como subsídios para as políticas voltadas à infância e à formação de profissionais.

A discussão prossegue com Célia Linhares e Waldeck Carneiro da Silva que discorrem a respeito das “Políticas de formação de professores: limites e possibilidades colocados pela LDB para as séries iniciais do Ensino Fundamental”. Após apontarem as contradições e ambigüidades na LDB, os autores interpretam criticamente os atos legais voltados para a formação de professores, a criação dos Institutos Superiores de Educação, o impasse entre o Curso de Pedagogia e o Normal Superior e o movimento nacional de resistência às imposições legais. As concepções e os interesses que alimentam esta disputa são as principais questões analisadas pelos autores, que buscam contribuir para a ampliação do debate nacional a respeito do tema.

A Educação de Jovens e Adultos é o tema do trabalho de Sandra Sales intitulado “Avanços e retrocessos: refletindo sobre a educação de jovens e adultos na década de 1990”. O texto se inicia com uma análise dos debates nacionais e internacionais sobre a Educação de Jovens e Adultos para , em seguida, estabelecer comparação com as políticas em curso no Brasil, na última década. Ressalta que, apesar do debate ter avançado significativamente, as políticas públicas para a área não evoluíram na mesma medida. Aponta para a necessidade de garantir aos jovens e adultos uma oferta permanente de educação, de forma a atender as peculiaridades e interesses da população atendida por esta modalidade de ensino.

Na seqüência, Neise Deluiz e Marise Ramos assinam o artigo que tem por título “Educação Profissional: iniciativas no âmbito dos sistemas municipais de ensino e suas possíveis relações no desenvolvimento de políticas de geração de trabalho e renda”. O texto analisa a reforma da Educação Profissional proposta pela LDB, regulamentada pelo Decreto 2.208/97, levantando algumas iniciativas no âmbito dos sistemas públicos municipais de ensino e as parcerias para o desenvolvimento de políticas de geração de trabalho e renda.

A Educação Especial está contemplada no artigo de Júlio Romero Ferreira e Rosana Glat, sob o título “Reformas educacionais pós-LDB: a inclusão do aluno com necessidades especiais no contexto da municipalização”. Após análise da trajetória histórica da Educação Especial, desde a década de 1970, até as reformas mais recentes, os autores examinam a evolução do atendimento educacional prestado aos alunos com necessidades especiais e o acesso à escola comum. Concluem, apontando para a necessidade de construção de uma escola inclusiva.

Prosseguindo, são analisadas a Educação Rural e a Educação Indígena. A primeira, com o estudo de Yolanda Lima Lobo e Roberto Faria intitulado “A questão política do direito à educação da população do campo”, que resgata os principais marcos teóricos da política educacional brasileira para o homem do campo, reconstrói o itinerário dos compromissos legais do Poder Público com a Educação Rural, salienta o papel dos movimentos sociais no campo e a formação de cidadãos portadores de direitos. Já a Educação Indígena é apresentada sob o curioso título “Maino’i e Axi’já: esboço do mapa da Educação Indígena no Rio de Janeiro”. Na cultura indígena, Maino’i é um beija-flor de bico comprido que traz boas notícias e axi‘já é um pássaro de peito avermelhado e barriga amarela cujo canto agourento pressagia desgraça. Esses dois pássaros guiam o artigo de José Ribamar Bessa Freire que avalia as medidas políticas relacionadas à Educação Indígena no Rio de Janeiro, discutindo, numa perspectiva histórica, o confronto entre processos não escolarizados e a experiência escolar.

“Educação a Distância: entre a legislação e a realidade”, de autoria de Raquel Villardi, encerra a Parte II do livro. Neste artigo são apresentadas as questões centrais sobre a utilização da Educação a Distância como política de ampliação da oferta de educação pública a partir da LDB. Após análise dos documentos legais que regulamentam esta oferta, a autora conclui com as perspectivas para a próxima década, focalizando, preferencialmente, a questão da formação docente nessa modalidade educativa. Para Villardi, “a opção pela formação docente a partir de ambientes tecnológicos é uma opção pelo futuro”.

A Parte III apresenta um balanço dos limites e possibilidades de municipalização da educação pós-LDB e é constituída por dois artigos que visam cumprir papel conclusivo a respeito do conjunto de temáticas abordadas na obra. O primeiro, “Governo FHC: ‘toda criança na escola?’ — quando 1 + 1 é mais que 2 ... nas estatísticas oficiais”, de Nicholas Davies tem um enfoque quantitativo. Analisa a evolução das estatísticas educacionais brasileiras entre 1997 e 2002, com foco no Ensino Fundamental Regular. O segundo é assinado pelos organizadores do livro que, em texto intitulado “Limites e possibilidades da Educação Municipal pós-LDB (9.394/96)”, e apoiando-se fundamentalmente, no conjunto de fontes que balizam o conteúdo da obra, apresentam sob uma vertente qualitativa, uma conclusão global das questões discutidas. O texto tem o mérito de apresentar um breve balanço sobre as dificuldades enfrentadas pelos governos municipais para efetivarem a municipalização do ensino e algumas proposições que podem contribuir para a transposição desses entraves.

Como se pode perceber, é uma grande obra. Não só pelo número de páginas (480) mas também, e principalmente, pela qualidade dos textos que a integram. É justamente a qualidade dos artigos que me faz classificá-la como antológica, indispensável a todos aqueles que se proponham a entender, estudar e enfrentar “os desafios da educação municipal”. O livro cumpre, com desenvoltura, o papel de promover uma análise crítica global a respeito das alterações impostas, pela atual LDB e pela legislação que a regulamenta, nos sistemas municipais de ensino. Por esse motivo, se torna um indispensável referencial teórico, para subsidiar, nos mais diversos fóruns, quaisquer discussões relacionadas à educação municipal.

“Desafios da Educação Municipal” se constitui no primeiro produto do Projeto de Pesquisa de seus organizadores denominado Mapa Estadual das Reformas Educacionais Pós-LDB 9.394/96: Leituras, Posicionamentos e Ações das Secretarias Municipais de Educação do Estado do Rio de Janeiro (2001-2004), em desenvolvimento pelo Núcleo de Estudos em Políticas de Educação (NUEPE) da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Um segundo produto da mesma pesquisa já está em fase de conclusão e remete a um levantamento bibliográfico exaustivo (360 estudos) disposto na forma de uma bibliografia comentada acerca da produção acadêmica nacional publicada no país (teses, dissertações, livros, artigos etc.), compreendida no período 1996 – 2002, sob o título Descentralização e Municipalização da Educação no Brasil: um recorte da bibliografia nacional pós-LDB (1996 – 2002). Pelo alto nível qualitativo do primeiro, a expectativa é grande em relação ao segundo. É aguardar e conferir!

Sobre os autores do livro

Donaldo Bello de Souza. Doutor em Educação pela UFRJ. Professor Adjunto, Procientista e Coordenador do Núcleo de Estudos em Políticas de Educação (NUEPE) da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pesquisador da Fundação Carlos Chagas Filho – Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Pesquisador nas áreas de Trabalho-Educação e Políticas Públicas de Educação. (donaldosouza@hotmail.com).

Lia Ciomar Macedo de Faria. Doutora em Educação pela UFRJ. Professora Adjunta e Subcoordenadora do Núcleo de Estudos em Políticas de Educação (NUEPE) da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Educação do Instituto Superior de Estudos Pedagógicos (ISEP). Secretária Municipal de Educação de Niterói, RJ (1991-1993 e 1994-1997), Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (1999-2001). Coordenadora da UIPS (Internacional Socialista) na América Latina. Pesquisadora da Fundação Carlos Chagas Filho – Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) nas áreas de História Oral da Educação e Políticas Públicas de Educação. (liafaria@terra.com.br).

Acerca da autora da resenha

Celia Regina Otranto. Professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Doutora em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisadora nas áreas de Política Educacional e História da Educação. (celiaotranto@terra.com.br; http://www.celia.na-web.net).


Reseñas Educativas/ Resenhas Educativas
publica reseñas de libros sobre educación, cubriendo
tanto trabajos académicos como practicas educativas.
Todas las informaciones son evaluadas por los editores:
Editor para Español y Portugués
Gustavo E. Fischman
Arizona State University
Editor General (inglés)
Gene V Glass
Arizona State University
Reseñas Educativas es firmante de la
Budapest Open Access Initiative.
 

No hay comentarios:

Publicar un comentario