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Vizim, Marli e Silva, Shirley. (Orgs). (2003).
Políticas Públicas: Educação, Tecnologias
e Pessoas com Deficiência. Campinas: Mercado das
Letras/Associação de Leitura do Brasil.
256 pp.
R$ 28 ISBN 85-7591-011-6
Resenha por Anakeila Stauffer
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
31 de maio de 2004
O livro Políticas Públicas: Educação,
Tecnologias e Pessoas com Deficiência é um
importante contributo para a área educacional – cuja
história, tanto em sua vertente “regular” quanto
na prática da chamada “educação
especial”, é marcada pelas fortes
implicações individuais e coletivas, políticas e
públicas do binômio exclusão / inclusão.
Como expresso já no próprio título, o livro tem
por eixo central a discussão das políticas
públicas, que aparecem, nos nove artigos que compõem a
obra, articuladas a questões tais como a função
social da escola na visão da educação inclusiva, a
representação da deficiência em nossa sociedade, a
gestão democrática da escola, a formação de
professores, as tecnologias educacionais.
Para tanto, esses artigos debruçam-se sobre documentos
oficiais, revelando os paradoxos existentes entre os discursos
oficiais e as realidades instituídas, retraçam o
histórico do atendimento destinado às pessoas com
deficiência, discutem a formação de professores
num contexto de instituição de escolas inclusivas e
examinam o recurso às tecnologias sob a perspectiva da
ampliação dos direitos humanos.
Assim, no primeiro artigo, intitulado «Direitos Sociais e
Política Educacional: alguns ainda são mais iguais que
outros», Lisete Regina Gomes Arelaro se propõe a
analisar as políticas educacionais da década de 1990,
quando se introduz de forma brutal em nosso país a
orientação neoliberal. A autora direciona sua
reflexão para documentos oficiais – tais como a Emenda
Constitucional 14/96, a Lei 9.424/96, a Lei 9.394/96 de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Decreto
2.208/97 – examinando como a iniciativa legal compromete a
democratização do acesso e da permanência dos
alunos nas escolas, a qualidade de ensino e a gestão
democrática da educação. Lisete Arelaro observa
que, desde o primeiro mandato do governo de Fernando Henrique
Cardoso (1995-1998), o Estado vai-se isentando de suas
responsabilidades e reconceitualizando de tal forma a
noção espaço de público que a prática
das deliberações coletivas e de realização
das funções públicas passam a ser dominadas pela
ratio privada. O desengajamento do Estado na
elaboração de políticas sociais mais amplas, tais
como a educação por exemplo, tem como efeito o
desenvolvimento de ações e estratégias sociais com
caráter eminentemente compensatório, sem nenhuma
preocupação com a alteração das
relações políticas, sociais e econômicas.
Assim, a inserção do país na lógica
neoliberal acentua sua dívida para com as políticas
públicas de cunho social e, ao som do falacioso discurso de
modernização, acaba acentuando o caráter
excludente de nossa sociedade.
O segundo artigo, «Educação do Portador de
Deficiência no Novo Milênio: Dilemas e
Perspectivas» tem por objetivo evidenciar alguns dos dilemas
enfrentados pelas pessoas com deficiências na
educação escolar. Visa especialmente o autor, Marcos
José da Silveira Mazzotta, questionar as
conseqüências de uma prática de
classificação dicotômica e discriminatória
que, na escola, resulta na criação de dois sistemas
paralelos que só fazem exacerbar as limitações e
prejuízos que a educação deveria debelar.
Argumentando a impossibilidade de discernir as necessidades
individuais, tanto quanto as respostas a elas fornecidas, do
contexto social que as condiciona e as constrói, conclui que
a identificação das exigências educacionais comuns
e especiais só pode ser realizada nas situações
concretas em que elas se apresentam ao contexto educacional.
Considera, assim, que somente uma concepção abrangente
de educação permite que não se negligenciem as
potencialidades, nem tampouco as necessidades educacionais
especiais que cada indivíduo pode vir a apresentar. E
assinala que a efetivação de uma verdadeira
inclusão, no que tange à educação comum,
implica no respeito e na consideração da alteridade
presente no conjunto dos cidadãos.
No terceiro texto da coletânea, «Educação
Inclusiva: o avesso e o direito de uma mesma realidade»,
Marli Vizim examina a política educacional brasileira,
à luz da reflexão sobre as representações
sociais da deficiência, sobre a função social da
escola e sobre as exigências da educação
inclusiva. Considerando o caráter velado de muitos dos
processos e formas de exclusão que marcam a sociedade
brasileira, em seus mais distintos âmbitos, propõe-se a
traçar um panorama histórico, no qual destaca a
participação das próprias práticas
pedagógicas formuladas pela educação especial
– que, ao não considerarem a relevância da
educação, das trocas culturais e do conhecimento na
vida dos indivíduos que atendiam, acabaram por
moldá-los como cidadãos de segunda categoria; e que,
enfatizando as deficiências e não as necessidades de
aprendizagem, contribuíram para perpetuar a exclusão,
mascarand0-a e favorecendo a imagem de que a pessoa com
deficiência é incapaz, incompleta, imperfeita,
prejudicial ao convívio social. Finaliza a autora afirmando
a necessidade que se efetivem políticas públicas
inclusivas, em que do debate e da reflexão acerca da
diversidade humana possam participar os mais distintos atores
sociais, a fim de que, longe de continuarem servindo de motivos
de exclusão, a diversidade e a diferença sejam
entendidas como riqueza cultural, como próprias à
condição do ser humano e, assim, como
características a serem preservadas.
Shirley Silva é a autora do quarto artigo, «A
Política Educacional Brasileira e as Pessoas com
Deficiências. Como difundir o discurso de uma política
pública de direitos e praticar a
privatização», que enfoca a relação
paradoxal entre a prática e o discurso nas políticas
implementadas na área educacional para os indivíduos
atendidos pela educação especial. Afirma a autora que o
governo brasileiro é dúbio, pois se, no âmbito do
discurso, reconhece a importância dos direitos humanos e do
cidadão, na prática, desenvolve um conjunto de
ações regidas pela lógica de mercado, na qual
predomina a relação produtor-consumidor que implica na
«privatização» do próprio sentido da
cidadania. Shirley Silva argumenta que, em sua trajetória
histórica, a educação especial sempre assumiu um
caráter assistencialista, sendo organizada por
instituições sem fins lucrativos e filantrópicas
que acabaram por exercer uma forte autoridade sobre as
decisões relativas às iniciativas de políticas
públicas destinadas ao setor. A influência dessas
instituições impediu, igualmente, que as políticas
desenvolvidas respeitassem as distinções entre o
público e o privado, fazendo prevalecer uma dinâmica de
favorecimento e fragilizando a discussão acerca da igualdade
e da justiça da oferta educacional. Além disso, a
ação dessas instituições contribuiu ainda
para adoção de práticas educativas que adotavam um
ideal de homogeneização das diferenças, negando
aos indivíduos a quem se dirigiam a constituição
de subjetividades próprias, em nome da subserviência
às normas de controle e disciplinamento de uma ordem social
que repudia a alteridade. Finalizando, ressalta que as
políticas públicas não devem se restringir a
fornecer resoluções administrativas, devendo pensar
também em construir um discurso educador. Nesta perspectiva,
acredita a autora que a educação especial tem um papel
importante, na medida em que pode contribuir para a
construção de novos mecanismos culturais que
efetivamente superem os preconceitos, abrindo espaço para a
valorização das diferenças.
O texto de Humberto Lippo Pinheiro, «Políticas
Públicas e as Pessoas Portadoras de Deficiência»
parte do questionamento da adoção, pelas políticas
públicas nas sociedades de massas, de uma perspectiva
«generalista» que implica no não-atendimento, ou
no atendimento precário de todos aqueles que divergem do
padrão e da normalidade constituídas. Entende o autor
que a reflexão sobre os direitos das pessoas com
deficiência deve ser ampliada às mais distintas
áreas, assim como ser objeto de atenção dos mais
distintos órgãos governamentais. O autor traz como
exemplo o trabalho da Fundação de Atendimento ao
Deficiente e ao Superdotado no Rio Grande do Sul (Nova Faders)
que, segundo ele, vem propondo a elaboração de
políticas afirmativas de direitos humanos que levem à
superação das formas tradicionais, paternalistas e
assistencialistas das políticas públicas sociais,
contribuindo para que as pessoas portadoras de deficiência,
tanto quanto portadoras de altas habilidades, possam tornar-se
sujeitos histórico-sociais que participem ativamente da
discussão, da elaboração, do planejamento e da
definição de ações públicas empreendidas
– ou seja, contribuindo para que esses indivíduos se
constituam em protagonistas de próprias suas histórias,
colaborando também na construção de um estado mais
democrático e participativo.
O sexto artigo, escrito por Rosângela Gavioli Prieto,
«Formação de Professores para o Atendimento de
Alunos com Necessidades Educacionais Especiais: Diretrizes
Nacionais para a Educação Básica e a
Educação Especial», sistematiza e examina algumas
das atuais diretrizes para a formação de professores da
educação básica e da educação especial,
assim como as implicações dessas diretrizes para o
atendimento do direito à educação. Recorre, em sua
análise, às propostas dos variados documentos oficiais
que regulamentam a questão da formação docente
para, em seguida, apresentar suas considerações acerca
daqueles que considera os principais problemas dessa
formação. Assim, a autora reivindica a adoção
de uma perspectiva formativa que se estenda da educação
básica até o ensino superior; propõe a
crítica à concepção assistencialista e
médico-pedagógica que predominou historicamente, em
detrimento de uma visão autenticamente educacional; sugere
que os cursos de formação de professores preocupem-se
em fornecer as bases teóricas para que cada professor possa,
em sua prática, assegurar a aprendizagem dos alunos com
necessidades educacionais especiais – que envolve não
apenas os portadores de deficiências, mas todo
indivíduo que apresente necessidade educacional especial,
como os alunos com altas habilidades, ou que apresente alguma
conduta típica. Por fim, conclui que a formação
dos formadores é, ela também, de extrema
relevância para a construção de referenciais de
ação político-administrativa voltados para a
educação para todos.
O sétimo artigo, de autoria de Tânia Regina Levada
Neves, «Movimentos Sociais e Cidadania: quando a pessoa com
deficiência mental fala na primeira pessoa do singular»
tem por objetivo demonstrar que quando a pessoa com
deficiência mental tem oportunidade de participar, sendo
estimulada, apoiada, incentivada, ela elabora seu discurso na
“primeira pessoa do singular”, ampliando seu conceito
de cidadania, forjando a constituição do real conceito
de inclusão. A falta de oportunidade de ser sujeito da
própria história corrobora a idéia de que a pessoa
com deficiência mental é incapaz. Esse estigma não
só vem por parte da sociedade, mas acaba por constituir a
própria subjetividade, a identidade desta pessoa. Para que a
participação seja instituída, a autora destaca que
os movimentos sociais organizados têm exercido um importante
papel. Por movimento social, a autora conceitua a
organização de grupos oprimidos que buscam formas de
libertação dentro das relações sociais
comandadas pela dialética opressão/libertação
(Scherer-Warrem, 1987). Segundo a autora, atualmente, movimentos
sociais organizados das pessoas com deficiência como as
Organizações Não-Governamentais e os Conselhos de
Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência são
relevantes. Estes últimos são objeto de estudo da
autora que realiza uma análise comparativa destes, a fim de
avaliar sua capacidade de atuação no que concerne
à conquista da cidadania plena, garantindo a igualdade de
oportunidade de participação e atendimento às
necessidades de caráter coletivo. Para tanto, a autora
coletou os textos legais de implementação dos
Conselhos, comparando os objetivos, a composição e os
procedimentos de escolha dos representantes. Após sua
análise, Tânia Neves defende que a
instituição de uma sociedade inclusiva deve constituir
realidades onde as pessoas com deficiência possam participar
do processo de construção de políticas
públicas não segregacionistas, ressignificando sua
imagem como um indivíduo no mundo, sendo participantes,
agentes que buscam soluções coletivas para seus
problemas.
O penúltimo artigo, «Para além das
exclusões: por uma sociedade da informação rumo
à sociedade do conhecimento e das diferenças», de
autoria de Jorge Márcio Pereira de Andrade, tem por objetivo
avaliar criticamente as implicações, em especial para
as pessoas com deficiência, da adoção pela
educação das tecnologias de comunicação e
informação. O autor parte do suposto de que,
contrariamente ao que muitos esperam, o simples acesso ao
ciberespaço não implicará na ascensão
imediata daqueles a quem a sociedade até aqui impôs uma
posição de «sub-cidadãos» à
condição de plena cidadania; não obstante,
acredita que, não sendo as técnicas e as tecnologias
apolíticas e neutras, seja possível superar o seu uso
excludente e antiético dessas contribuições
tecnológicas, construindo iniciativas coletivas e
políticas de universalização e
democratização dos novos meios e das novas tecnologias
criadas pelo homem. Em outras palavras, o autor preocupa-se que
as novas tecnologias não se constituam, no campo
educacional, como modelos normatizadores que acabem por
estigmatizar os indivíduos diferenciados ou as minorias
rejeitadas, legitimando as relações de poder; e
assinala que há recursos tecnológicos que contribuem
para a equiparação de oportunidades e a
efetivação dos direitos das pessoas com
deficiência, na medida em que estabelecem novas formas de
comunicação para e sobre as deficiências, que
possibilitam novas formas de domínio do mundo, que ampliam o
espaço de socialização e de inserção
cultural, que melhoram a qualidade de vida, tornando esses
indivíduos mais independentes e autônomas. Assim, o
autor defende a criação de valores que ultrapassem a
lógica capitalista, gerando uma ética em que a
coletividade supere a hiperindividualização narcisista
e despotencializadora do diferente, do outro, de nossas
alteridades, de modo a que as tecnologias possam prestar uma real
contribuição para a demolição dessas
barreiras instituídas.
O último texto, escrito por José Antonio dos Santos
Borges e intitulado «Impactos das tecnologias de
informação sobre os deficientes visuais», analisa
o conjunto das representações historicamente
instituídas sobre os deficientes visuais em diferentes
sociedades, detendo-se particularmente sobre a adoção
da técnica Braille – que, segundo o autor, ainda que
tenha modificado radicalmente a participação das
pessoas cegas na vida cultural, foi responsável pela
introdução de uma exigência de
transcrição que, dependendo de uma estrutura por demais
cara e complexa, circunscreveu a educação convencional
dos cegos ao âmbito de instituições caracterizadas
por uma concepção fortemente assistencialista. O autor
considera que a primeira grande mudança nesse quadro foi
devida à introdução dos gravadores portáteis,
que possibilitaram a criação, por parte de pequenas
instituições, de bibliotecas sonoras de textos gravados
em fitas cassete e assim conduziram a um tímido crescimento
das condições de acesso cultural da população
cega. Porém, segundo Santos Borges, data de 1994 a
introdução da principal inovação
tecnológica na vida dos deficientes visuais brasileiros e
latino-americanos: a criação do sistema Dosvox,
formulado pelo Núcleo de Computação
Eletrônica da UFRJ. Utilizando a língua portuguesa, o
sistema mostrou-se, ainda, adequado à realidade brasileira
na medida em que lançou mão de recursos bastante
baratos e que sua utilização revelava-se bastante
simples. Disseminando a cultura da computação, o Dosvox
propiciou, segundo o autor, a multiplicação de
programas que facilitam o acesso do deficiente visual ao mundo da
tecnologia. O artigo se encerra com uma crítica à
ausência de políticas públicas preocupadas com a
ampliação do acesso às tecnologias, considerando
que, a socialização das tecnologias depende do
compromisso, por parte de toda a sociedade, com a
criação, a valorização, a
manutenção e o financiamento de produtos e
procedimentos que proporcionem aos deficientes uma vida mais
autônoma e integrada à sociedade.
Assim, o grande mérito da obra é submeter os temas
da atualidade da educação especial a uma reflexão
política mais ampla, situando-os frente a questões
como a educação democrática, a resistência
à privatização do Estado, o respeito aos direitos
humanos e do cidadão. Sem dúvida emerge, dessa
reflexão, uma educação especial revitalizada; mas
também emerge, ao mesmo tempo, a certeza de que a área
é um locus imprescindível de
elaboração de políticas públicas.
Acerca da autora da resenha
Anakeila Stauffer. Mestre em Educação pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutoranda em
Educação da Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro.
Reseñas Educativas/ Resenhas Educativas
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