martes, 1 de abril de 2025

Oliveira, Iolanda de (org.). (2003). Relações Raciais e Educação: Novos Desafios. Resenhado por Márcia Bezerra Neves Gonzaga

 

Oliveira, Iolanda de (org.). (2003). Relações Raciais e Educação: Novos Desafios. Rio de Janeiro: DP&A.

209 páginas
ISBN 85-7490-263-2

Resenhado por Márcia Bezerra Neves Gonzaga

Dezembro 27, 2004

A construção de uma sociedade verdadeiramente democrática exige o enfrentamento das diversas formas de desigualdade, inclusive a racial, que se internalizaram e se naturalizaram, ao longo do processo histórico, na sociedade brasileira.

Nos últimos anos, a produção de saberes produzidos a respeito das relações raciais em educação vem ampliando as bases teóricas das práticas escolares e redimensionando o olhar dos educadores para os indicadores sociais que, por décadas, evidenciam que a raça é um dos fatores que exclui significativas parcelas da sociedade do acesso a um sistema de ensino de qualidade.

A obra da professora Iolanda de Oliveira alia-se a esse objetivo na medida em que congrega sete estudos e experiências de pesquisadores comprometidos em enfocar, cada um com uma metodologia específica, como foi se instituindo a idéia de branqueamento na nossa sociedade que encontra na escola mais um espaço para a sua produção e reprodução.

O primeiro artigo intitulado “Desconstrução, transformação e construção de novos cenários das práticas da afro-americanidade” de Jesús “Chucho” Garcia, introduz a obra alertando que a temática afro-americana foi reduzida a aspectos folclóricos por uma vasta bibliografia, obscurecendo os aspectos significativos na vida dos afro-descendentes por afirmação. Ao longo do texto, o autor resgata o pensamento dominante nos séculos XIX e início do século XX para revelar, o quanto foi traumática a integração dos negros na Nova República. Somente no final da década de oitenta e por toda a década de 90, em toda a América do Sul, o movimento afro-americano iniciou um processo de auto-reconhecimento marcado por uma prolongada luta pelo reconhecimento de uma cidadania contra a exclusão de setores historicamente menos favorecidos. Para que os atores sociais pudessem elaborar uma agenda a fim de afirmar sua cidadania, foi necessário que as organizações sociais afros começassem a protagonizar seus respectivos destinos e a desconstruir os referentes estabelecidos sobre a negação da cidadania e da participação nos processos de transformação da complexa realidade latino-americana e caribenha.

No segundo texto, “Raça, demografia e indicadores sociais”, André Augusto Pereira Brandão elabora um longo estudo de séries econômicas e demográficas que relaciona pobreza urbana e diferenças raciais . A análise centra-se em três municípios da Baixada Fluminense: Nova Iguaçu, Duque de Caxias e São João de Meriti, região que apresenta um percentual muito maior de população negra ou “afro-descendente” do que de população branca. Objetiva com sua pesquisa demonstrar como o fator raça possui peso na lógica da estruturação e desenvolvimento das relações sociais, utilizando-se dos dados demográficos e econômicos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), bem como das PNADS (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio). Os resultados revelaram que a população negra apresenta condições socioeconômicas inferiores às da população branca e habita os espaços mais degradados da região, possui menos escolaridade, recebe menores salários e está mais exposta ao desemprego. No que tange à infra-estrutura urbana, os três municípios têm menor cobertura de lixo, menor cobertura de rede de esgoto e de abastecimento de água. Se nessa região repleta de carências estão assentados mais negros que brancos é porque existe uma história cotidiana de discriminação racial e de naturalização desta realidade. Tal afirmação, segundo o autor, evidencia-se nos discursos dos professores daquela região que afirmaram nunca terem sido alvos de preconceitos ou racismo.

Professoras negras no Rio de Janeiro: história de um branqueamento”, de Maria Lucia Rodrigues Muller, é o título do terceiro texto. Nele a autora aponta a existência de professoras negras no Magistério Público Municipal do Rio de Janeiro (antigo Distrito Federal) durante a Primeira República. Estas professoras eram de origem humilde, filhas ou netas de ex-escravos e a trajetória dos estudos era de muitos sacrifícios. Levavam mais tempo para concluírem o curso e, quando nomeadas efetivas eram relegadas às escolas mais distantes, nos subúrbios das cidades. A autora ao dialogar com diferentes fontes (fotografias, discursos de formatura, certidões de nascimento), constata que em vez de 32 professores “pardos” ou “morenos”, o magistério público teria aproximadamente duzentos professores negros e que esta presença foi reduzida com a racionalização de ensino que, em nome da qualidade, promoveu a extinção do Curso Normal Noturno. A discriminação racial, dessa forma, não foi institucionalizada, mas no magistério público federal as reformas, leis e regulamentos impediram o ingresso dos que não tivessem a almejada aparência européia. A instituição escolar havia de ser conformada objetivando difundir o sentimento de nacionalidade e a formatar seus alunos de modo que contribuíssem para a modernização do país. Logo, a presença do negro como professor, modelo intelectual e moral “punha por terra” todas as concepções de “inferioridade” difundidas pela cientificidade das teorias racistas, instituindo a idéia de branqueamento na sociedade através do processo educativo.

Na seqüência, a professora Iolanda de Oliveira em seu texto “A prática Pedagógica de Especialistas em Relações Raciais e Educação” apresenta a

experiência do PENESB (Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira), na faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), criado em 1995, a fim de incorporar a temática da relação racial e seus vínculos com a educação às funções da universidade. O Programa destina-se, preferencialmente, à formação continuada de profissionais de ensino e atua nos seguintes grupos de pesquisa: Raça e universidade, A questão racial na formação de professores e O negro na educação brasileira: história e memória.

A autora apresenta a organização do curso de pós-graduação lato sensu e seus objetivos que se constituíram a partir do compromisso com a formação de educadores, particularizando a questão racial, por ser este um persistente fator de seletividade escolar. Por fim, a ementa de cada disciplina do curso é apresentada como referência, para que as instituições interessadas façam suas apreciações críticas e colaborem com sugestões para o aprimoramento dos trabalhos realizados.

“O Negro na Confluência da educação e da literatura” é da autoria de Márcia de Jesus Pessanha, professora de Didática de Ensino da Universidade Federal Fluminense que sentiu a necessidade de desenvolver em seu projeto de pesquisa de doutorado em literatura comparada, estudos que tratassem das relações raciais e suas implicações no âmbito literário e educacional. A autora iniciou seu trabalho na linha de pesquisa sobre relações raciais, literatura e escola, e fez sua adesão ao PENESB a partir do sub-projeto: “Relações raciais e literatura na formação de professores.” Seu intento busca resgatar, através da leitura e análise de textos literários, as matrizes históricas e culturais do negro, bem como desvelar sua face oculta e de apresenta-lo de forma positiva como sujeito de seu próprio discurso. Finaliza reforçando sua preocupação com a atuação dos professores nas escolas de ensino fundamental e seu investimento nesta área, a partir da observação e do acompanhamento dos alunos do curso de especialização Raça, Etnia e Educação no Brasil. Todos exercem o magistério na rede pública de ensino.

O sexto artigo promove a discussão sobre o caráter seletivo da educação e a negligência do efeito dos indicadores sociais como o gênero e a raça, que certamente exclui significativas parcelas da sociedade das oportunidades de acesso ao sistema de ensino, sobretudo no ensino superior. O artigo de Sérgio da Rocha Souza, intitulado “O pré-vestibular para negros como instrumento de política compensatória - o caso do Rio de Janeiro”, aponta que o governo, até então, não apresentou qualquer política consistente de ações integradas para estabelecer um efetivo sistema de discriminação positiva. A sociedade civil, no entanto, mais do que discussões, já elaborou medidas efetivas como é o caso dos cursos PVNC, iniciado por Frei David, em 1993, no município de São João de Meriti, e que se multiplicaram por todo o Estado. Mais de 15 mil alunos negros e carentes conseguiram ingressar na universidade por conta desta iniciativa. Os educadores do PVNC crêem que o pré-vestibular comunitário representa uma ação compensatória de vida àqueles que foram excluídos do processo educacional, já que a universidade é um dos espaços em que a desigualdade de oportunidade aparece de forma mais consistente: apenas 2% de negros estão nas universidades públicas atualmente.

A discussão prossegue com Moema de Poli Teixeira, autora do último texto do livro intitulado “Negros egressos de uma universidade pública do Rio de Janeiro.” A autora afirma que do contrário do que muitas vezes pensa o senso comum, a questão racial é muito pouco pesquisada no Brasil. Tal realidade se evidencia quando se pretende buscar informações por cor da população na área de saúde, educação ou trabalho e constata-se que estas não são levantadas, remetendo ao antigo paradigma de que no Brasil a questão racial é diluída devido à mestiçagem. Salienta que a universidade possui uma prática político-administrativa que colabora com o processo de invisibilidade racial de sua população, resultado de uma quase ausência de informações neste campo; sendo “pega de surpresa” diante do debate em torno das políticas de ação afirmativa. O desafio da autora foi a análise de dados que durante três anos levantou a cor para o conjunto de alunos e professores de todos os cursos oferecidos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. A partir deste levantamento, surgiu o interesse de saber o que havia acontecido com os alunos, transcorridos sete anos de seu ingresso na universidade. Entre outras informações, a pesquisa revelou que 30% dos alunos não-brancos encontravam-se, em 2002, com as matrículas canceladas, 60% dos que ingressaram nos cursos de Química, Química Industrial, Física e Matemática abandonaram o curso e 42% evadiram do curso de Letras. A desigualdade tornou-se uma evidência ao se observar que os estudantes brancos se inscreveram para os cursos considerados de alto prestígio e que os alunos negros, mulatos ou pardos, que ingressaram para esses cursos, possuíam um poder aquisitivo mais elevado. Segundo a pesquisadora, a situação socioeconômica desse aluno não branco está diretamente ligada aos fatores de tempo na universidade e desistência do curso, incrementando a discussão de políticas afirmativas de permanência para os contemplados pelas políticas de cotas, por exemplo.

Sem dúvida, este livro que integra a Coleção Políticas da Cor, iniciativa do Programa Políticas da Cor na Educação Brasileira do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, revela-se indispensável a todos os atores sociais comprometidos com a promoção da igualdade nesse país. Cada um dos textos apresentados não esgota o tema a que se dedica. Na verdade, ao delimitar um determinado campo de reflexão, abre espaço para novas articulações entre educação e relações raciais, uma temática ainda tão silenciada no espaço escolar. A ruptura deste silêncio é o grande desafio imposto aos educadores e educadoras comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa, mais humana e verdadeiramente democrática.

Acerca da organizadora da obra

Iolanda de Oliveira. Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenadora do PENESB (Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira) e doutora em Psicologia Escolar.

Acerca da autora da resenha

Márcia Bezerra Neves Gonzaga. Professora da Rede Municipal e Estadual de ensino e aluna do Mestrado em Educação da UERJ.


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