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Ferreira, Rodolfo. (2003). O Professor Invisível:
imaginário, trabalho docente e vocação. Rio de
Janeiro, RJ, Brasil: Quartet Editora.
160 pp.
R$ 25,00 ISBN 85-85696-68-0
Resenhado por Zacarias Jaegger Gama
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Dezembro 8, 2004
Tornando visível o mistério do Professor
Invisível
Hoje em dia, estamos sabendo cada vez mais sobre os
professores brasileiros, “uma categoria que ganha pouco,
mas se diverte”. A pesquisa que nos faz essa
revelação é patrocinada pela UNESCO. Sua recente
divulgação nos revela ainda que a maioria do
professorado é casada, do sexo feminino, com pais com baixa
escolaridade, ganha entre cinco e dez salários mínimos,
não tem computadores domésticos nem navega na internet.
Também ficamos sabendo ser alto o nível de
satisfação dos professores com boa parte do tempo de
serviço cumprido; que mais da metade declara sua
aspiração de permanecer na função atual, e
que somente um pequeno porcentual (10,7%) pensa se dedicar a
outra atividade.
É surpreendente que 63,4% dos professores entrevistados
estão satisfeitos com a opção de carreira.
Porém, talvez mais surpreendente ainda seja o fato de muitos
conseguirem superar a situação de vida dos seus
familiares, o que quer dizer, segundo a mesma pesquisa, que o
magistério é também uma das poucas carreiras a
permitir movimentos de ascensão social.
Estas revelações da UNESCO são importantes e
oportunas. Elas tanto mostram um retrato atualizado do
professorado, às vezes colocando por terra alguma verdade
cujo escopo é o senso comum, como também servem para
confirmar determinadas tendências de investigações
feitas nos campi das universidades brasileiras. Dentre as
quais se encontra a pesquisa de Rodolfo Ferreira,
professor-pesquisador da Faculdade de Educação da UERJ,
relatada no excelente livro: “O professor invisível:
imaginário, trabalho docente e vocação”,
lançado pela Quartet Editora. Nesse livro, com estilo e
eloqüência, discute as razões da perseverança
de muitos professores “em atividades sobre as quais a maior
parte das informações que circulam no meio social
atestam desprestigio e baixa remuneração”.
Antes, em seu livro “Entre o sagrado e o profano: o
lugar social do professor” (Quartet, 2000), Ferreira tinha
suas preocupações voltadas para os alarmantes
índices de abandono da carreira docente; agora, com mais
amadurecimento e ousadia metodológica, quer saber por que
muitos professores escolhem a docência e por que permanecem
nesta carreira até se aposentarem. Ele quer saber quem
são, como encaram o mundo e articulam seus desejos. Se eles
são inocentes, acríticos, incompetentes, se têm
baixa estima, ou se, simplesmente, são pessoas
despolitizadas e alienadas. Se são professores por
profissão, sem coragem para investir em outras carreiras, ou
se são professores por vocação, em certo sentido
atendendo a um chamado particular.
Em tese, Ferreira não acredita que a escolha de carreira
esteja “apenas relacionada a alguns valores que circulam
nas sociedades capitalistas”, ou à ingenuidade e
à alienação; em sua perspectiva há muitas
escolhas que são influenciadas pelo imaginário das
pessoas, em particular pelo mito da vocação. Em
função desse seu pressuposto, seu objetivo de estudo
é o de perscrutar os mistérios que envolvem a
vocação, porém, não como destino
predeterminado, mas como “uma das dimensões de
humanidade que não nega qualquer outra”. Sua
investigação incide, então, sobre seu objeto
central, isto é, sobre as relações entre estes
mistérios e o exercício do magistério,
conjecturando ser falso o dilema que opõe a
vocação e o mestre, de um lado, e a profissão e o
professor, de outro.
Para realizar a investigação que se propõe,
Ferreira rompe, entretanto, com alguns limites definidos pela
ciência moderna adjetivada por Morin (2001) como
“elucidativa, enriquecedora, conquistadora e
triunfante”, mas que do ponto de vista das ciências
humanas deixa de pensar os seres humanos como seres vivos
biológicos, dotados de espírito e consciência. Com
a ousadia e os riscos próprios destes tempos de
pós-modernidade, vai “atrás dos arquétipos
que podem estar mobilizando esses professores que reafirmam
cotidianamente uma relação com o magistério que
parece extrapolar as tentativas de compreensão realizadas
até o momento”, acreditando ser o imaginário uma
das chaves importantes para compreender os “diferentes
caminhos que cada ser humano trilha”, bem como as suas
vinculações a certos trabalhos ao longo de suas vidas.
Não por acaso, seus referenciais teóricos vão de
Jung a Hilman, de Durand a Campbell, de Darwin a Pearson e
Fétizon a Gusdorf, entre outros. Não por acaso ainda,
ele próprio, assume publicamente o desejo de ultrapassar o
discurso “moderno” que em sua ótica “se
apresenta desgastado semanticamente”.
Assim, com o intuito de compreender o mistério (essa
coisa que considera abstrata e desprezada pelos paradigmas da
ciência clássica), ou o mito pessoal dos
professores-jequitibás que perseveram e permanecem no
magistério até se aposentarem, mas sem revelar tal
mistério, Ferreira desenha um caminho metodológico
rebuscado que procura englobar elementos da mitocrítica
(considerando-se que vai trabalhar com motivos e
situações pessoais, com “diferentes
lições e sua correlação com outros mitos de
um dado espaço cultural” e, finalmente, com imagens),
da mitoanálise (dada sua intenção de considerar a
amplitude das narrativas, os mitologemas, as narrativas
canônicas, as variações e as derivações
do mito, a constelação de afinidades) e do
arquétipo teste de 9 elementos (AT-9), muito embora, com
relação a este último tenha optado por “um
caminho que constitui enquanto hermenêutica”, na
medida em que lhe possibilita, com base em pressupostos dos
hermeneutas de Éranos e Grenoble, interpretar e compreender
os textos, a história (e não uma simples estória)
de vida da professora Teresinha, aquela que se torna central em
seu estudo. Ferreira pouco se importa com o fato de que seja do
sexo feminino, ou mesmo de não ter sujeitos masculinos em
sua pesquisa-livro “O Professor Invisível”. O
que lhe importa é que em Teresinha estão “o fruto
do carvalho” e o mito pessoal. Teresinha, pelo menos nas
representações típicas do meio social, é uma
das professoras de ensino fundamental que se encontra entre os
que “enfrentam os maiores desestímulos” sem
qualquer prognose de se aposentar.
As entrevistas de Ferreira com Teresinha tiveram o tom das
conversas gostosas e reveladoras. No transcurso delas a mestra
diz ser carioca, nascida no Méier, aposentada, ainda estar
trabalhando nas salas de leitura de duas escolas públicas da
cidade do Rio de Janeiro, e que desde criança brincava de
dar aulas para as suas bonecas. Agora, 36 anos depois, com o
maior prazer, vai passando seus dias com os alunos sentados na
roda, no chão, na contação de histórias com a
ajuda de tapetes-cenários que ela mesma costura e manipula.
“É uma viagem na fantasia”, conforme diz.
Aos poucos Teresinha se revela para Ferreira, o qual,
especulando, intuindo e baseando-se em suas referências
teóricas, vai tornando visível o mistério da
professora. Fica sabendo que “seu mito pessoal é o de
que é possível fazer algo para melhorar a vida das
pessoas”. Que vive sob a influência de quatro dos
arquétipos de Pearson: Inocente, Guerreiro, Mártir e
Mago. Que na perspectiva das deusas gregas Ártemis, Atenas,
Héstia, Hera, Deméter, Perséfone e Afrodite, vive
“sob algum tipo de influência de Deméter”.
Que seu modo de ser professora confunde-se com sua própria
vida. Que professores como Teresinha buscam, por
vocação, viver seus mitos, “senão como um
exercício de humanidade, ao menos como uma busca por essa
humanidade”.
Por tudo isto, “O Professor Invisível” é
um convite ao leitor, em particular aqueles que têm
interesse em dar visibilidade aos “frutos do
carvalho”, ou melhor, conhecer os professores que se
distanciam de outros que, noutra tipologia, mesmo em face da
possibilidade de se revelarem mestres ainda assim podem ser
denominados de “profissionais, eucaliptus,
gigolôs”.
Sobre o autor do livro
Rodolfo Ferreira é Doutor em Educação
Brasileira (USP) e professor adjunto do Departamento de
Estudos Gerais em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). É também PROCIENTISTA, Chefe de Departamento e
Pesquisador do Núcleo de Gestão e Avaliação
(NUGA/UERJ). Seus estudos são desenvolvidos na área de
Formação de Professores. É autor do livro
“Entre o sagrado e o profano: o lugar social do
professor” e co-autor de “Bacharel ou professor? O
processo de reestruturação dos cursos de
formação de professores no Rio de
Janeiro”.
Sobre o autor da resenha
Zacarias Jaegger Gama é mineiro
de Manhumirim/Martins Soares (MG) e Doutor e Mestre em
Educação (UFRJ) com tese e dissertação
discutindo aspectos da avaliação educacional. Durante
anos foi Coordenador Pedagógico do Colégio São
Vicente de Paulo-Cosme Velho, RJ. Atualmente é professor
adjunto do Departamento de Estudos Aplicados ao Ensino da
Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro e professor titular Mestrado em Ciências
Pedagógicas do Instituto Superior de Estudos
Pedagógicos (ISEP). É autor de
“Avaliação na Escola de 2º Grau”
(Papirus, SP), “Retrato de Professores Cariocas:
revelação feita a partir do SAEB/1995”
(INEP,Brasília) e co-autor de “Professor ou
Pesquisador: o processo de reestruturação dos cursos de
pós-graduação no Rio de Janeiro” (Quartet,
RJ).
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