martes, 1 de abril de 2025

Streck, Danilo Romeu. (2003). Educação para um Novo Contrato Social. Resenhado por Cênio Back Weyh

 

Streck, Danilo Romeu. (2003). Educação para um Novo Contrato Social. Rio de Janeiro: Editora Vozes.

184 páginas

R$ 27,80

Resenhado por Cênio Back Weyh
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo

Agosto 23, 2004

A obra é escrita num período de tempo marcado profundamente por um processo de transição contratual entre o contrato social moderno, já esgaçado, e a emergência de um novo contrato social. O pressuposto é de que o contrato social moderno não contempla mais uma vontade geral e acabou sendo na prática um contrato entre alguns homens de cor branca, que exploram a natureza para o seu ganho pessoal e grupal. Por tanto, há uma necessidade de estabelecimento de novas negociações, novos acordos, novas convergências, capazes de incluir a multiplicidade de vozes, de culturas, de raças e de gênero. Busca-se construir um contrato social que acolhaas diferenças, que ama a diversidade e prima pela pluralidade de pensamento em contraposição ao determinismo histórico autoritário do pensamento único, gerador de ódio, violência, de guerras e de infelicidade para os povos.

Encharcado nesse tempo de incertezas, de tensão entre as permanências e as mudanças e repleto de desafios é que o autor nos brinda com a sua obra, em grande parte produzida no centro e no topo do mundo (EUA), mas com o olhar de um latino-americano que se inspira no pensamento de Paulo Freire.

Em seis (6) capítulos densos é expresso o desejo e a necessidade da reflexão pedagógica ultrapassar os limites da educação escolar. Para o autor a educação possui um compromisso com o encaminhamento de múltiplas possibilidades de futuro. Esta ajuda a construir um rumo, um norte para as ações individuais e coletivas, estabelecendo novas relações entre os sujeitos da ação, a partir das vivências do cotidiano.

O autor parte de dois pressupostos básicos e que alimentam sua reflexão: a) A educação não pode restringir-se aos espaços do mundo escolar pelo fato de possibilitar a construção de novas relações sociais; b) O contrato social moderno está desgastado e já não pode contemplar os desafios desse novo tempo de mudanças.

Todo texto é perpassado pela idéia de movimento. A partir de Rousseau (passado) o autor convida o leitor para uma análise do momento atual (leitura de mundo a partir de Freire) e nos oferece a necessária abertura para olhar o futuro como uma possibilidade. Nada está preconcebido. Tudo passa pela ação dos sujeitos. Ao se perguntar sobre qual educação seria capaz de ajudar a construir a cidadania necessária para um novo contrato social o autor está buscando âncoras para uma pedagogia humanista que possa encantar e reencantar as vivências das gerações do tempo presente. Daí emergirá o combustível para as mudanças que podem selar um novo contrato social.

No primeiro capítulo encontramos a descrição do cenário complexo da atualidade: Da globalização até o 11 de setembro. Trata-se de uma leitura de mundo onde a realidade local e global estão entrelaçadas. O micro e o macro são vivenciados no cotidiano das relações sociais. O tensionamento é uma constante nas relações em que estamos envolvidos. Tudo isto está presente na educação e ao mesmo tempo são os desafios que exigem novas respostas.

No segundo capítulo o autor tenta traçar um esboço do novo contrato social que está emergindo que se confronta com a grande narrativa política do contrato social moderno. Percebe-se um esforço ousado em identificar novas convergências em meio a multiplicidade de vozes que reclamam um novo desenho de futuro está se configurando no momento atual de transição, que é também de crise. Entendo que aí está uma das belas contribuições para o momento atual do pensamento pedagógico brasileiro e latino-americano. Há uma seta indicando para a concretização de um pensamento político-pedagógico que se identifica com a história de uma nação, de um povo ou conjunto de povos que viveram/vivem contextos semelhantes. Cremos que esta proposição trará profundas repercussões para a educação como um todo e representará um enorme desafio para a educação escolar. A educação popular está sendo relida na América Latina. Até que ponto esta concepção ampliada de educação já se faz presente nas práticas de educação escolar e nas políticas públicas no Brasil?

Nos dois capítulos seguintes (3° e 4°) encontramos os fundamentos para uma reflexão a partir de dois clássicos da pedagogia – Rousseau (moderno) e Freire (atual). O passado ilumina o momento atual e possibilita a articulação com o devir. As leituras de Freire podem pautar uma nova forma de viver juntos. Indicam também para a possibilidade do diálogo entre as múltiplas manifestações culturais do mundo atual, caminho que consolidará uma nova ética social.

Em “O Emílio”, podemos reconhecer o quanto a atual pedagogia ainda está impregnada de retóricas abstratas, de exclusão e de delimitadores da cidadania. O autor chega a dizer “que somos muito mais parecidos com o Emílio do que talvez gostássemos de admitir”(contracapa). Talvez fosse oportuno perguntar sobre o tipo de leitura de Rousseau que chegou para a América Latina. Nisso se justificaria uma releitura do pensamento desse clássico em nossos dias. De que forma as leituras de Rousseau poderiam ajudar a re-significar o conceito de cidadania no Brasil e na América Latina? Por outro lado, quais as contribuições de Freire para alavancar um novo contrato social?

No quinto capítulo encontramos um olhar político-pedagógico sobre a experiência do Orçamento Participativo (OP) como sendo um espaço privilegiado para se aprender a cidadania. As discussões resultantes de pesquisas realizadas no decorrer da gestão do Governo Popular e Democrático (1999-2002) no Estado do Rio Grande do Sul demonstram que a participação empodera, traz conhecimento e autonomia. Neste processo fica evidente que relações pedagógicas são relações de poder. Na prática o texto sugere que existe a possibilidade de o OP contribuir para a formação cidadã e a reinvenção da educação. Entende o autor que o processo dialógico que perpassa o OP questiona as práticas pedagógicas pouco participativas e centralizadoras que ainda fazem parte da cultura das instituições educacionais. Sendo assim, o OP é uma inovação que repercute em outros setores da sociedade, especialmente nas relações pedagógicas, que são relações de poder.

Como fechamento do livro é apresentado ao leitor um conjunto de sete (7) pautas no sentido de propor a continuidade das discussões sobre e para além do novo contrato social. Importa manter a abertura do debate sobre temas que não podem ser esgotados pela própria natureza do objeto, por isso mesmo, pautas. O autor entende que “a pedagogia de um novo contrato social provavelmente será formulada numa linguagem polifônica, pelo reconhecimento da complexidade do ensinar e do aprender que, como parte da vida, estão constantemente rompendo enquadramentos e atravessando fronteiras” (pp.134-35).

Para o autor, a educação do novo contrato social propõe como pauta

  1. A importância da presença da pedagogia nos processos e movimentos sociais como possibilidade de potencialização de práticas formadoras de cidadania e de reinvenção da educação escolar;
  2. Aproximações com outras áreas do conhecimento para qualificar-se nas ações dentro do paradigma da complexidade;
  3. A necessidade de desenvolver esforços para o desocultamento do mercado como um sistema ético e criar estratégias que possam sustentar uma ética da vida;
  4. O fortalecimento e a democratização da esfera pública não-estatal a partir da participação na recriação do poder;
  5. Estar à altura de seu tempo – integrar a memória histórica, a visão utópica e a tecnologia de seu tempo – cultivar, sobretudo, a capacidade de fazer perguntas.
  6. Colocar as permanências e as mudanças dialeticamente numa tensão criativa, possibilitando a qualificação das mudanças;
  7. A educação precisa estar aninhada na busca de um viver juntos que esteja para além dos limites da normatização e da legalidade contratual.

A temática proposta pelo autor é apaixonante para aqueles que acreditam ser possível criar um mundo melhor onde as vivências irradiam a utopia. Só poderia ser uma obra de alguém que se pauta pela esperança e profundo amor à vida. Como não poderia deixar de ser é uma visão da realidade entre outras e por isso não pretende ser a palavra final sobre um tempo tão complexo.

Do autor da Resenha

Cênio Back Weyh, Doutorando do PPGEducação, UNISINOS. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS; Prof. da URI, Univ. Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Câmpus de Santo Ângelo, RS.

Endereço: weyh.gel@terra.com.br


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