Streck, Danilo Romeu. (2003). Educação para um
Novo Contrato Social. Rio de Janeiro: Editora Vozes.
184 páginas
R$ 27,80
Resenhado por Cênio Back Weyh
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo
Agosto 23, 2004
A obra é escrita num período de tempo marcado
profundamente por um processo de transição contratual
entre o contrato social moderno, já esgaçado, e a
emergência de um novo contrato social. O pressuposto é
de que o contrato social moderno não contempla mais uma
vontade geral e acabou sendo na prática um contrato entre
alguns homens de cor branca, que exploram a natureza para o seu
ganho pessoal e grupal. Por tanto, há uma necessidade de
estabelecimento de novas negociações, novos acordos,
novas convergências, capazes de incluir a multiplicidade de
vozes, de culturas, de raças e de gênero. Busca-se
construir um contrato social que acolhaas diferenças, que
ama a diversidade e prima pela pluralidade de pensamento em
contraposição ao determinismo histórico
autoritário do pensamento único, gerador de ódio,
violência, de guerras e de infelicidade para os povos.
Encharcado nesse tempo de incertezas, de tensão entre as
permanências e as mudanças e repleto de desafios é
que o autor nos brinda com a sua obra, em grande parte produzida
no centro e no topo do mundo (EUA), mas com o olhar de um
latino-americano que se inspira no pensamento de Paulo
Freire.
Em seis (6) capítulos densos é expresso o desejo e a
necessidade da reflexão pedagógica ultrapassar os
limites da educação escolar. Para o autor a
educação possui um compromisso com o encaminhamento de
múltiplas possibilidades de futuro. Esta ajuda a construir
um rumo, um norte para as ações individuais e
coletivas, estabelecendo novas relações entre os
sujeitos da ação, a partir das vivências do
cotidiano.
O autor parte de dois pressupostos básicos e que
alimentam sua reflexão: a) A educação não
pode restringir-se aos espaços do mundo escolar pelo fato de
possibilitar a construção de novas relações
sociais; b) O contrato social moderno está desgastado e
já não pode contemplar os desafios desse novo tempo de
mudanças.
Todo texto é perpassado pela idéia de movimento. A
partir de Rousseau (passado) o autor convida o leitor para uma
análise do momento atual (leitura de mundo a partir de
Freire) e nos oferece a necessária abertura para olhar o
futuro como uma possibilidade. Nada está preconcebido. Tudo
passa pela ação dos sujeitos. Ao se perguntar sobre
qual educação seria capaz de ajudar a construir a
cidadania necessária para um novo contrato social o autor
está buscando âncoras para uma pedagogia humanista que
possa encantar e reencantar as vivências das
gerações do tempo presente. Daí emergirá o
combustível para as mudanças que podem selar um novo
contrato social.
No primeiro capítulo encontramos a descrição do
cenário complexo da atualidade: Da globalização
até o 11 de setembro. Trata-se de uma leitura de mundo onde
a realidade local e global estão entrelaçadas. O micro
e o macro são vivenciados no cotidiano das
relações sociais. O tensionamento é uma constante
nas relações em que estamos envolvidos. Tudo isto
está presente na educação e ao mesmo tempo
são os desafios que exigem novas respostas.
No segundo capítulo o autor tenta traçar um
esboço do novo contrato social que está emergindo que
se confronta com a grande narrativa política do contrato
social moderno. Percebe-se um esforço ousado em identificar
novas convergências em meio a multiplicidade de vozes que
reclamam um novo desenho de futuro está se configurando no
momento atual de transição, que é também de
crise. Entendo que aí está uma das belas
contribuições para o momento atual do pensamento
pedagógico brasileiro e latino-americano. Há uma seta
indicando para a concretização de um pensamento
político-pedagógico que se identifica com a
história de uma nação, de um povo ou conjunto de
povos que viveram/vivem contextos semelhantes. Cremos que esta
proposição trará profundas repercussões para
a educação como um todo e representará um enorme
desafio para a educação escolar. A educação
popular está sendo relida na América Latina. Até
que ponto esta concepção ampliada de educação
já se faz presente nas práticas de educação
escolar e nas políticas públicas no Brasil?
Nos dois capítulos seguintes (3° e 4°)
encontramos os fundamentos para uma reflexão a partir de
dois clássicos da pedagogia – Rousseau (moderno) e
Freire (atual). O passado ilumina o momento atual e possibilita a
articulação com o devir. As leituras de Freire podem
pautar uma nova forma de viver juntos. Indicam também para a
possibilidade do diálogo entre as múltiplas
manifestações culturais do mundo atual, caminho que
consolidará uma nova ética social.
Em “O Emílio”, podemos reconhecer o quanto a
atual pedagogia ainda está impregnada de retóricas
abstratas, de exclusão e de delimitadores da cidadania. O
autor chega a dizer “que somos muito mais parecidos com o
Emílio do que talvez gostássemos de
admitir”(contracapa). Talvez fosse oportuno perguntar sobre
o tipo de leitura de Rousseau que chegou para a América
Latina. Nisso se justificaria uma releitura do pensamento desse
clássico em nossos dias. De que forma as leituras de
Rousseau poderiam ajudar a re-significar o conceito de cidadania
no Brasil e na América Latina? Por outro lado, quais as
contribuições de Freire para alavancar um novo contrato
social?
No quinto capítulo encontramos um olhar
político-pedagógico sobre a experiência do
Orçamento Participativo (OP) como sendo um espaço
privilegiado para se aprender a cidadania. As discussões
resultantes de pesquisas realizadas no decorrer da gestão do
Governo Popular e Democrático (1999-2002) no Estado do Rio
Grande do Sul demonstram que a participação empodera,
traz conhecimento e autonomia. Neste processo fica evidente que
relações pedagógicas são relações
de poder. Na prática o texto sugere que existe a
possibilidade de o OP contribuir para a formação
cidadã e a reinvenção da educação.
Entende o autor que o processo dialógico que perpassa o OP
questiona as práticas pedagógicas pouco participativas
e centralizadoras que ainda fazem parte da cultura das
instituições educacionais. Sendo assim, o OP é uma
inovação que repercute em outros setores da sociedade,
especialmente nas relações pedagógicas, que
são relações de poder.
Como fechamento do livro é apresentado ao leitor um
conjunto de sete (7) pautas no sentido de propor a continuidade
das discussões sobre e para além do novo contrato
social. Importa manter a abertura do debate sobre temas que
não podem ser esgotados pela própria natureza do
objeto, por isso mesmo, pautas. O autor entende que “a
pedagogia de um novo contrato social provavelmente será
formulada numa linguagem polifônica, pelo reconhecimento da
complexidade do ensinar e do aprender que, como parte da vida,
estão constantemente rompendo enquadramentos e atravessando
fronteiras” (pp.134-35).
Para o autor, a educação do novo contrato social
propõe como pauta
- A importância da presença da pedagogia
nos processos e movimentos sociais como possibilidade de
potencialização de práticas formadoras de
cidadania e de reinvenção da educação
escolar;
- Aproximações com outras áreas do
conhecimento para qualificar-se nas ações dentro do
paradigma da complexidade;
- A necessidade de desenvolver esforços para o
desocultamento do mercado como um sistema ético e criar
estratégias que possam sustentar uma ética da
vida;
- O fortalecimento e a democratização da
esfera pública não-estatal a partir da
participação na recriação do poder;
- Estar à altura de seu tempo – integrar a
memória histórica, a visão utópica e a
tecnologia de seu tempo – cultivar, sobretudo, a capacidade
de fazer perguntas.
- Colocar as permanências e as mudanças
dialeticamente numa tensão criativa, possibilitando a
qualificação das mudanças;
- A educação precisa estar aninhada na
busca de um viver juntos que esteja para além dos limites da
normatização e da legalidade contratual.
A temática proposta pelo autor é apaixonante para
aqueles que acreditam ser possível criar um mundo melhor
onde as vivências irradiam a utopia. Só poderia ser uma
obra de alguém que se pauta pela esperança e profundo
amor à vida. Como não poderia deixar de ser é uma
visão da realidade entre outras e por isso não pretende
ser a palavra final sobre um tempo tão complexo.
Do autor da Resenha
Cênio Back Weyh, Doutorando do PPGEducação,
UNISINOS.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo,
RS;
Prof. da URI, Univ. Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões, Câmpus de Santo Ângelo, RS.
Endereço: weyh.gel@terra.com.br
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