|
Hypólito, Álvaro Moreira e Gandin,
Luís Armando. (Orgs.) (2003). Educação em
Tempos de Incertezas. Lisboa: Didáctica
Editora.
170 págs
ISBN 972-650-600-X
Resenha por José Bravo Nico
Universidade de Évora
4 de Junho de 2004
O conteúdo deste livro, organizado por
Álvaro Hypólito e Luís Gandin e editado pela
Didáctica Editora, remete-nos para duas palavras: crise e
educação. Duas palavras fortes e indutoras de
mudança; duas palavras que rompem silêncios e que
têm sido, tantas vezes na História da humanidade, causa
e consequência de profundas alterações da vida dos
povos.
Como referem Álvaro Hypólito e Luís Gandin, na
apresentação da obra, os tempos que vivemos são
tempos de crise; tempos de fragmentação e
intermitência das vidas, das identidades e das
existências; tempos em que à Escola se atribuem as
culpas da crise, ao mesmo tempo que dela se espera decisiva
contribuição para a resolução da mesma crise.
No fundo, vivemos tempos paradoxais, nos quais a Escola de tudo
é culpada e da Escola tudo, ou quase tudo, se exige.
Nos tempos que vivemos, identificam-se novas
tensões e vivem-se novas «liberdades» que
nos vão remetendo para novas
«prisões». Dennis Carlson e Michael Apple
apresentam, a este propósito, uma interessante
reflexão, na qual nos conduzem através das
relações que se estabeleceram entre as políticas
educacionais e os movimentos de reforma curricular. Ao longo
desta «viagem», vamos detendo a nossa atenção
nas geometrias sociais cartesianas
características dos entendimentos «fordistas»,
passando pelas geometrias mais voláteis e
variáveis dos modelos «pós-fordistas» e
encontrando as geometrias mais pessoais e locais
das perspectivas críticas.
A contribuição de Carlson e Apple remete-nos
também para a reflexão em torno do conceito de texto
curricular, um exercício que nos leva do clássico
livro didáctico, passando pelos artefactos culturais
concebidos para construírem identidades de
consumidores e detendo-se, de forma mais atenta, nas
narrativas da cultura popular, relevando alguns dos perigos que a
sua exacerbação no âmbito curricular pode
acarretar.
Nos tempos que vivemos, o conceito de autonomia aparece-nos
como uma realidade incontornável em todos os discursos
produzidos acerca da Educação. Luís Gandin e
Álvaro Hypolito, a este propósito, apresentam-nos uma
importante reflexão acerca da subtil, mas sistemática,
mudança dos processos de controlo e monitorização
em curso, no seio de determinados conceitos
amigáveis, como é o caso da autonomia. Numa leitura
perspicaz, somos convidados a perceber que, no interior de uma
maior autonomia se escondem preocupações
contrárias e que se traduzem num, aparente mas
contraditório, aumento de liberdade.
O aparecimento e generalização de sistemas de
avaliação baseados em normas e padrões, muitas
vezes de âmbito internacional – dos quais, os
padrões nacionais são apenas meros reflexos –
vieram impor uma apertada monitorização, não de
processo, mas de produto, num contexto de autonomia em que temos
a liberdade de escolher o caminho que bem entendermos, desde que
cheguemos ao sítio que nos determinaram. Por outras
palavras, temos cada vez mais autonomia e há cada vez mais
liberdade para sermos aquilo que nos deixam ser.
Esta normalização – disfarçada de
autonomia e de liberdade – é, nos tempos que correm,
um discurso com poderosos efeitos disciplinadores que, de acordo
com o contributo das reflexões de Allan Luke, vão
aprisionando aqueles a quem eles se destinam. Um discurso que vai
modelando as identidades, os espaços de
intervenção e as práticas sociais.
A análise dos discursos, na perspectiva de Luke, pode
proporcionar à Sociologia da Educação melhores
condições de observação e compreensão
dos novos vértices da geometria social – cada vez mais
complexa e variável – dos tempos que vivemos. Os novos
textos, as novas identidades, as novas geografias
demográficas e culturais, as novas formas de
comunicação são, entre outros, alguns destes novos
vértices da realidade actual, que são alvo de
reflexão.
As diferenças culturais assumem-se, nos tempos que
correm, como um dos mais importantes vértices de
análise da realidade e, concomitantemente, como uma das
tensões mais evidentes e poderosas de alteração
dessa mesma realidade. Márcia Vieira Ferreira reflecte
acerca das questões decorrentes da desigualdade com base nas
diferenças étnicas – num percurso que analisa o
conceito de raça, estuda as relações
raciais e evidencia a importância da Educação
na construção de corredores de mobilidade entre grupos
racial e etnicamente distintos –, remetendo-nos para uma
interessante reconceptualização do conceito de
exploração, alertando-nos para aquilo a que
chamaríamos a outra face da exploração, que se
concretiza quando se priva o outro de aceder aos mesmos bens ou
às mesmas oportunidades.
Um outro vértice, que apresenta novos contornos nos
tempos que correm, é o conceito de género, do qual se
ocupa Marília Pinto de Carvalho. Para lá do
género, como qualidade de um(a) quem, a autora
reflecte acerca do género como uma qualidade do
que é feito, do como é feito e do onde
é feito. Assim sendo, as diferenças entre os sexos
são apenas uma das dimensões do conceito de
género, sendo que as (as)simetrias existentes nas
relações entre homens e mulheres, se estendem a outras
realidades, nomeadamente ao nível das políticas e
práticas educacionais. Masculinidades e feminilidades
são, nesse contexto, novas qualidades da realidade social e
educacional transportando, para esse exercício de
análise, todo o conjunto de estereótipos existente
noutras dimensões mais clássicas deste campo de
análise e reflexão social.
Nos tempos que correm até o tempo está diferente.
Vivemos tempos acelerados e pouco apelativos à
reflexão, de acordo com a reflexão que nos apresenta
Nilton Bueno Fischer. A vida que vivemos vai-nos
coisificando – de acordo com transcrição
que Fischer efectua de José de Souza Martins – numa
existência em que o quotidiano nos aprisiona no presente, a
mecânica nos molda o pensamento e o discurso e a
globalização nos torna iguais.
É nestes tempos que correm que a Educação deve
contribuir para a construção de nichos de
identidade, nos quais seja possível fazer política
e ser cidadão à nossa medida e onde se possa fazer um
firme e decisivo combate à indiferença, apatia,
indiferença e violência que parecem atravessar todo o
mosaico social, Escola incluída.
Nos tempos que correm, em que somos convidados a sermos aquilo
que não queremos, impõe-se uma Pedagogia da
Resistência que nos permita continuarmos a sermos
nós próprios, com todas as vantagens e inconvenientes
decorrentes desse exercício de liberdade.
Nos tempos que correm, a leitura deste livro é um momento
de pausa, um tempo de espera, em que somos levados a reflectir no
significado dos nossos pequenos actos, enquanto profissionais da
Educação. Encontrar o rumo, assumir um determinado
sentido, abraçar um ideal, acreditar numa Democracia em que
as diferenças sejam pilares de construção de
identidades e não de desconstrução da liberdade e
da igualdade entre as pessoas e ideias é um dos principais
anseios de qualquer profissional da Educação. A leitura
do livro organizado por Álvaro Moreira Hypólito e
Luís Armando Gandin é um desses momentos em que, mais
do que encontrarmos respostas, sentimos a força e
encontramos a direcção que habitam nas perguntas que
somos convidados a fazer a nós próprios.
Sobre os autores do livro
Álvaro Moreira Hypolito é professor da Faculdade
de Educação da Universidade Federal de Pelotas,
Brasil. Publicou o livro Trabalho docente, classe social e
relações de gênero, participou como co-autor
de Desmistificando a profissionalização do
magistério e a versão brasileira de
Educação em Tempos de Incertezas. É
co-editor da Revista Currículo sem Fronteiras
(http://www.curriculosemfronteiras.org).
Luís Armando Gandin é professor da Faculdade
de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Brasil. É autor dos livros Educação
Libertadora: avanços, limites e contradições,
Temas para um projeto político-pedagógico (com
Danilo Gandin) e da versão brasileira de
Educação em Tempos de Incertezas. É
co-editor da Revista Currículo sem Fronteiras
(http://www.curriculosemfronteiras.org).
Sobre o autor da recensão
José Carlos Bravo Nico: Professor Universidade de
Évora, Departamento de Pedagogia e Educação.
Linhas de Investigação: Currículo;
Educação Comunitária; Pedagogia
Universitária,. sendo autor de vários artigos em
revistas especializadas e co-autor em diversos livros que
vêm sendo publicados desde 1994.
Reseñas Educativas/ Resenhas Educativas
publica reseñas de libros sobre educación, cubriendo
tanto trabajos académicos como practicas educativas.
Todas las informaciones son evaluadas por los editores:
Editor para Español y Portugués
Gustavo E. Fischman
Arizona State University
Editor General (inglés)
Gene V Glass
Arizona State University
Reseñas Educativas es firmante de la Budapest Open Access Initiative.
| |
No hay comentarios:
Publicar un comentario