martes, 1 de abril de 2025

Hypólito, Álvaro Moreira e Gandin, Luís Armando. (Orgs.) (2003). Educação em Tempos de Incertezas. Resenha por José Bravo Nico

 

Hypólito, Álvaro Moreira e Gandin, Luís Armando. (Orgs.) (2003). Educação em Tempos de Incertezas. Lisboa: Didáctica Editora.

170 págs
ISBN 972-650-600-X

Resenha por José Bravo Nico
Universidade de Évora

4 de Junho de 2004

O conteúdo deste livro, organizado por Álvaro Hypólito e Luís Gandin e editado pela Didáctica Editora, remete-nos para duas palavras: crise e educação. Duas palavras fortes e indutoras de mudança; duas palavras que rompem silêncios e que têm sido, tantas vezes na História da humanidade, causa e consequência de profundas alterações da vida dos povos.

Como referem Álvaro Hypólito e Luís Gandin, na apresentação da obra, os tempos que vivemos são tempos de crise; tempos de fragmentação e intermitência das vidas, das identidades e das existências; tempos em que à Escola se atribuem as culpas da crise, ao mesmo tempo que dela se espera decisiva contribuição para a resolução da mesma crise. No fundo, vivemos tempos paradoxais, nos quais a Escola de tudo é culpada e da Escola tudo, ou quase tudo, se exige.

Nos tempos que vivemos, identificam-se novas tensões e vivem-se novas «liberdades» que nos vão remetendo para novas «prisões». Dennis Carlson e Michael Apple apresentam, a este propósito, uma interessante reflexão, na qual nos conduzem através das relações que se estabeleceram entre as políticas educacionais e os movimentos de reforma curricular. Ao longo desta «viagem», vamos detendo a nossa atenção nas geometrias sociais cartesianas características dos entendimentos «fordistas», passando pelas geometrias mais voláteis e variáveis dos modelos «pós-fordistas» e encontrando as geometrias mais pessoais e locais das perspectivas críticas.

A contribuição de Carlson e Apple remete-nos também para a reflexão em torno do conceito de texto curricular, um exercício que nos leva do clássico livro didáctico, passando pelos artefactos culturais concebidos para construírem identidades de consumidores e detendo-se, de forma mais atenta, nas narrativas da cultura popular, relevando alguns dos perigos que a sua exacerbação no âmbito curricular pode acarretar.

Nos tempos que vivemos, o conceito de autonomia aparece-nos como uma realidade incontornável em todos os discursos produzidos acerca da Educação. Luís Gandin e Álvaro Hypolito, a este propósito, apresentam-nos uma importante reflexão acerca da subtil, mas sistemática, mudança dos processos de controlo e monitorização em curso, no seio de determinados conceitos amigáveis, como é o caso da autonomia. Numa leitura perspicaz, somos convidados a perceber que, no interior de uma maior autonomia se escondem preocupações contrárias e que se traduzem num, aparente mas contraditório, aumento de liberdade.

O aparecimento e generalização de sistemas de avaliação baseados em normas e padrões, muitas vezes de âmbito internacional – dos quais, os padrões nacionais são apenas meros reflexos – vieram impor uma apertada monitorização, não de processo, mas de produto, num contexto de autonomia em que temos a liberdade de escolher o caminho que bem entendermos, desde que cheguemos ao sítio que nos determinaram. Por outras palavras, temos cada vez mais autonomia e há cada vez mais liberdade para sermos aquilo que nos deixam ser.

Esta normalização – disfarçada de autonomia e de liberdade – é, nos tempos que correm, um discurso com poderosos efeitos disciplinadores que, de acordo com o contributo das reflexões de Allan Luke, vão aprisionando aqueles a quem eles se destinam. Um discurso que vai modelando as identidades, os espaços de intervenção e as práticas sociais.

A análise dos discursos, na perspectiva de Luke, pode proporcionar à Sociologia da Educação melhores condições de observação e compreensão dos novos vértices da geometria social – cada vez mais complexa e variável – dos tempos que vivemos. Os novos textos, as novas identidades, as novas geografias demográficas e culturais, as novas formas de comunicação são, entre outros, alguns destes novos vértices da realidade actual, que são alvo de reflexão.

As diferenças culturais assumem-se, nos tempos que correm, como um dos mais importantes vértices de análise da realidade e, concomitantemente, como uma das tensões mais evidentes e poderosas de alteração dessa mesma realidade. Márcia Vieira Ferreira reflecte acerca das questões decorrentes da desigualdade com base nas diferenças étnicas – num percurso que analisa o conceito de raça, estuda as relações raciais e evidencia a importância da Educação na construção de corredores de mobilidade entre grupos racial e etnicamente distintos –, remetendo-nos para uma interessante reconceptualização do conceito de exploração, alertando-nos para aquilo a que chamaríamos a outra face da exploração, que se concretiza quando se priva o outro de aceder aos mesmos bens ou às mesmas oportunidades.

Um outro vértice, que apresenta novos contornos nos tempos que correm, é o conceito de género, do qual se ocupa Marília Pinto de Carvalho. Para lá do género, como qualidade de um(a) quem, a autora reflecte acerca do género como uma qualidade do que é feito, do como é feito e do onde é feito. Assim sendo, as diferenças entre os sexos são apenas uma das dimensões do conceito de género, sendo que as (as)simetrias existentes nas relações entre homens e mulheres, se estendem a outras realidades, nomeadamente ao nível das políticas e práticas educacionais. Masculinidades e feminilidades são, nesse contexto, novas qualidades da realidade social e educacional transportando, para esse exercício de análise, todo o conjunto de estereótipos existente noutras dimensões mais clássicas deste campo de análise e reflexão social.

Nos tempos que correm até o tempo está diferente. Vivemos tempos acelerados e pouco apelativos à reflexão, de acordo com a reflexão que nos apresenta Nilton Bueno Fischer. A vida que vivemos vai-nos coisificando – de acordo com transcrição que Fischer efectua de José de Souza Martins – numa existência em que o quotidiano nos aprisiona no presente, a mecânica nos molda o pensamento e o discurso e a globalização nos torna iguais.

É nestes tempos que correm que a Educação deve contribuir para a construção de nichos de identidade, nos quais seja possível fazer política e ser cidadão à nossa medida e onde se possa fazer um firme e decisivo combate à indiferença, apatia, indiferença e violência que parecem atravessar todo o mosaico social, Escola incluída.

Nos tempos que correm, em que somos convidados a sermos aquilo que não queremos, impõe-se uma Pedagogia da Resistência que nos permita continuarmos a sermos nós próprios, com todas as vantagens e inconvenientes decorrentes desse exercício de liberdade.

Nos tempos que correm, a leitura deste livro é um momento de pausa, um tempo de espera, em que somos levados a reflectir no significado dos nossos pequenos actos, enquanto profissionais da Educação. Encontrar o rumo, assumir um determinado sentido, abraçar um ideal, acreditar numa Democracia em que as diferenças sejam pilares de construção de identidades e não de desconstrução da liberdade e da igualdade entre as pessoas e ideias é um dos principais anseios de qualquer profissional da Educação. A leitura do livro organizado por Álvaro Moreira Hypólito e Luís Armando Gandin é um desses momentos em que, mais do que encontrarmos respostas, sentimos a força e encontramos a direcção que habitam nas perguntas que somos convidados a fazer a nós próprios.

Sobre os autores do livro

Álvaro Moreira Hypolito é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas, Brasil. Publicou o livro Trabalho docente, classe social e relações de gênero, participou como co-autor de Desmistificando a profissionalização do magistério e a versão brasileira de Educação em Tempos de Incertezas. É co-editor da Revista Currículo sem Fronteiras (http://www.curriculosemfronteiras.org).

Luís Armando Gandin é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. É autor dos livros Educação Libertadora: avanços, limites e contradições, Temas para um projeto político-pedagógico (com Danilo Gandin) e da versão brasileira de Educação em Tempos de Incertezas. É co-editor da Revista Currículo sem Fronteiras (http://www.curriculosemfronteiras.org).

Sobre o autor da recensão

José Carlos Bravo Nico: Professor Universidade de Évora, Departamento de Pedagogia e Educação. Linhas de Investigação: Currículo; Educação Comunitária; Pedagogia Universitária,. sendo autor de vários artigos em revistas especializadas e co-autor em diversos livros que vêm sendo publicados desde 1994.


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