| ||
Paixão, Marcelo Jorge de Paula. (2003). Desenvolvimento humano e relações raciais. Rio de Janeiro: DP&A.160 pág. Resenhado por Aparecida Tereza R. Regueira
Dezembro 23, 2004É importante registrar que, nos últimos 20 anos, as pesquisas populacionais, têm , de alguma forma, servido de referência para importantes estudos e implementação de políticas públicas, na medida em que disponibilizam, aos diversos segmentos da sociedade brasileira, indicadores que deixam visíveis as expressivas desigualdades sociais, regionais e, principalmente, raciais no país. Chamam a atenção, então, para o acesso diferenciado entre um grupo e outro da população, e, por que não dizer, restrito, a serviços oferecidos à coletividade como educação, saúde, saneamento básico, moradia, alimentação, entre outros. Isto vem resultando, para o grupo excluído, a impossibilidade de ter acesso, no competitivo mercado de trabalho, à carteira assinada, e a um rendimento que lhe dê condições de viver mais dignamente. Contudo, cabe comentar alguns estudos pioneiros que introduziram o enfoque estatístico sobre tais questões. Florestan Fernandes foi o primeiro estudioso, ao final dos anos 1950-1960 e durante o Projeto Unesco, a introduzir nas Ciências Sociais estudos baseados em informações do Censo Demográfico 1950. Identificou, com isso, não só diferenças regionais, devido a uma grande maioria de negros e mulatos no Nordeste, como, também, concentrações raciais mais privilegiadas. Note-se que esses estudos já davam pistas para as desigualdades na miscigenação brasileira. Nos anos 1980, alguns autores passaram também a desenvolver seus trabalhos distanciados da visão sociológica tradicional, que até então se preocupava, por excelência, com o desenvolvimento e a modernização. A produção científica, nesse período, ampliou seus estudos, passando a analisar, a partir das estatísticas, variáveis como grupos de cor, posição social e classes sociais. Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle e Silva são destaques nessa nova postura sociológica. Já os anos 2000, sob a influência, entre outras, das discussões em Durban na África do Sul, ou melhor, a IIIª Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em setembro de 2001, marca a produção de importantes estudos, que não só reacenderam os debates sobre a magnitude das desigualdades raciais no país, como também foram responsáveis pela implementação de significativas conquistas em benefício da população afro-descendente. A implantação da Política de Cotas para negros, já em algumas universidades brasileiras, é um exemplo bastante expressivo. Conseqüentemente, a obra do professor Marcelo Paixão também se inclui em todo esse cenário discursivo, na medida em que prioriza a análise de relevantes indicadores de âmbito nacional e internacional, na discussão das desigualdades sociais no Brasil e de seu traço marcadamente racial. O livro “Desenvolvimento Humano e Relações Raciais” reúne, em quatro capítulos, parte da produção do autor, elaborada entre 2000 e 2002, no campo das relações raciais. Vale destacar como eixo temático, ou seja, o que dá sentido e o mais especial na obra, o diagnóstico apresentado por Marcelo Paixão, principalmente nos capítulos 1 e 2. Sem grandes pretensões teóricas, o autor consegue detectar os determinantes e as conseqüências da desigualdade racial. Especial atenção ainda para o feito do professor Marcelo Paixão que conseguiu, através de intensa pesquisa, desagregar por cor/raça o IDH-Brasil (Índice de Desenvolvimento Humano), entre outras comparações. Identifica, assim, a dimensão das desigualdades socioeconômicas nas estruturas da sociedade brasileira, ou seja, o grande abismo entre “brasileiros/as brancos/as e brasileiros/as negros/as”. No primeiro capítulo, o autor apresenta o suporte metodológico que utilizou para tal façanha. Contou, então, com as metodologias utilizadas pelo PNUD (Projeto das Nações Unidas para o Desenvolvimento), no IDH; pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a mesma das PNADS (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), e também a utilizada pela Fundação João Pinheiro no IDH-Municipal. Em seguida, tenta explicar, através de um relato didático, claro, objetivo e de fácil compreensão, a desagregação étnica nos três índices que compõem o IDH, ou seja, o índice de rendimento, de longevidade e o educacional. E isso faz com que o leitor mais leigo perceba as tais expressões, fórmulas e cálculos com mais simpatia e atenção. Já no segundo capítulo, têm especial destaque dois momentos do pesquisador. No primeiro, o autor tenta traçar um retrato das desigualdades raciais no Brasil, e seus efeitos em relação às desigualdades sociais como um todo no país. Analisa, então, os indicadores oferecidos pelas PNADS, dos anos 90, sempre de acordo com a cor ou raça das pessoas. O que observa é que indicadores, como rendimento, condições de saneamento, mortalidade, expectativa de vida e educação, dão conta, de certa forma, que a situação da população negra é bem pior que a da população branca. Apenas o indicador educacional apresenta alguma melhoria nos dois grupos populacionais, isso por conta das políticas de universalização na educação básica implementadas naquele período. Cabe aqui comentar que tanto a situação do nível superior, em 2000 (Nota 1), quanto à do analfabetismo, em 2001 (Nota 2), em ambas representações, o grupo negro da população (pretos e pardos) ainda está em significativa desvantagem em relação ao grupo branco, independente da melhoria apontada pelo autor. No segundo momento, Paixão, ao comparar os IDHs de negros e brancos brasileiros com os IDHs dos países sul-americanos, percebe que o componente racial tem uma implicação direta na pior ou melhor qualidade de vida das populações dessas nações. Países como Argentina, Chile e Uruguai, por exemplo, que têm o perfil populacional predominantemente branco, possuem o IDH mais elevado da região. Também quando compara a média do IDH dos países africanos com o IDH geral dos negros brasileiros, verifica que os primeiros, em 1998, apresentavam um IDH baixo, ou seja, na 142ª colocação na Tabela de Classificação do PNUD. Já o IDH dos negros no Brasil, no mesmo período, apresentava-se razoavelmente superior, ou seja, na 106ª colocação. Além disso, o autor faz uma leitura das desigualdades raciais através da evolução dos IDHs do grupo branco e negro da população, entre 1997 e 1999, em relação ao total Brasil e grandes regiões. De modo geral, tal investigação conduziu a alguns aspectos interessantes. O autor teve a oportunidade de constatar que as maiores distâncias, em termos de posicionamento dos IDHs entre negros e brancos, são verificadas nas regiões mais desenvolvidas do país - no Sul e Sudeste. Enquanto que nas regiões menos desenvolvidas, como o Nordeste, mesmo levando em conta a sua permanente e extrema desigualdade, o que mais se destaca é a baixa qualidade de vida da população afro-descendente. É importante dizer que o livro de Marcelo Paixão teve significativa repercussão na imprensa, percebida nos comentários de quarta capa, como o de Elio Gaspari, que sintetiza o ambicioso estudo do autor: “Terrível pesquisador o professor Paixão. Ele separou as estatísticas sociais dos brancos da dos negros. Resultou que o Brasil branco tem um IDH alto, na 46ª posição, entre a fica Lituânia e a Croácia, dez pontos abaixo da Argentina e seis abaixo do Uruguai. O Brasil negro na 107ª, entre El Salvador e China, acima de todos os países africanos, inclusive a África do Sul e a Nigéria...”. (publicado em O Globo/Folha de São Paulo, de 17 de agosto de 2003). A obra do professor Marcelo Paixão é um convite à reflexão. Evidencia, também, a urgência na produção de outros estudos que discutam a significativa desigualdade da população negra , por conta da preconceituosa hierarquização nas estruturas da moderna sociedade brasileira. Na verdade, a discriminação verificada nessas estruturas foi determinada pelos diversos mecanismos, forjados e naturalizados pela sociedade, ao longo do tempo. Então, na medida que privilegiam e incluem um determinado grupo da população, limitam ou excluem outro contingente, também representativo, quanto à possibilidade de acesso a melhores condições de saúde, educação, moradia e alimentação. Com isso, contribuem, efetivamente, para a construção de novos indicadores como desemprego, pobreza, violência. Não há como contestar ou se tentar varrer para baixo do tapete os indicadores de pesquisas oficiais, como os censos demográficos e PNADS, que têm apontado essas mazelas sociais. De acordo com essas estatísticas, não se tem a menor dúvida de que a pobreza no Brasil tem cor, ou seja, que de dez brasileiros pobres, sete são negros. De fato, Marcelo Paixão presenteia a todos com um livro provocativo, que solicita do leitor o questionamento sobre tais questões. E com certeza, se tem muito a agradecer a esse “terrível” pesquisador. Notas1. Ver : CENSO DEMOGRÁFICO 2000: educação: resultados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. 2. Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2001, do IBGE, estão os resultados desse indicador que denunciam a perpetuação da desigualdade, ou seja, a significativa brecha entre brancos e afro-descendentes, com relação ao direito a um mesmo acesso à educação. Acerca do autor do livroMarcelo Jorge de Paula Paixão. Professor do Instituto de Economia da UFRJ, coordenador do Observatório Afro-brasileiro (IPDH-UFRJ), está concluindo sua tese de doutorado no IUPERJ sobre o tema das relações e desigualdades raciais no Brasil. Acerca da autora da resenhaAparecida Tereza Rodrigues Regueira. Exerce suas atividades profissionais no IBGE, no Centro de Documentação e Disseminação de Informações, onde documenta todas as pesquisas e estudos produzidos pela instituição. Está finalizando sua dissertação de mestrado - Programa de Pós-graduação em Educação na UERJ, que trata do mapeamento de fontes estatísticas sobre o negro no Brasil, e analisa a contribuição das pesquisas populacionais no estudo das desigualdades raciais na educação.Reseñas Educativas/ Resenhas Educativas publica reseñas de libros sobre educación, cubriendo tanto trabajos académicos como practicas educativas. Todas las informaciones son evaluadas por los editores: Editor para Español y Portugués Gustavo E. Fischman Arizona State University Editor General (inglés) Gene V Glass Arizona State University Reseñas Educativas es firmante de la Budapest Open Access Initiative. |
No hay comentarios:
Publicar un comentario