martes, 1 de abril de 2025

Santos, Renato Emerson dos e Lobato, Fátima (Orgs). (2003). Ações Afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Resenhado por Antônio Bernardino Balbino

 

Santos, Renato Emerson dos e Lobato, Fátima (Orgs). (2003). Ações Afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A.

216 pp.
R$ 22,00     ISBN 85-7490-260-1

Resenhado por Antônio Bernardino Balbino
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Junho 30, 2004

Um livro polêmico, oportuno e esclarecedor. Sua leitura se revela indispensável para todos os que reconhecem a necessidade de uma inserção mais racionalizada no campo histórico e teórico das discussões em torno das chamadas ações afirmativas no Brasil.

Trata-se de uma coletânea de textos agrupadas em 2 partes. A Parte 1, intitulada: “Rediscutindo as ações afirmativas”, é constituída de cinco textos analíticos dos seguintes autores: Joaquim Barbosa Gomes (o debate constitucional sobre as ações afirmativas), Luiz Fernando Martins da Silva (ação afirmativa e cotas para afro-descendentes: algumas considerações sociojurídicas), Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (ações afirmativas para a população negra nas universidades brasileiras), Sales Augusto dos Santos (ação afirmativa e mérito individual) e Renato Emerson dos Santos (racialidade e novas formas de ação social: o pré-vestibular para negros e carentes). Já a Parte 2, intitulada: “Construindo a pauta das ações afirmativas”, contém um acervo de documentos históricos produzidos no bojo dos embates políticos do processo de elaboração de propostas de combate ao racismo. São eles: Estatuto da igualdade racial (substitutivo ao projeto de Lei 3.198/2000, de autoria do Senador Paulo Paim); Manifesto dos artistas negros (Elaborado pelos Artistas e técnicos reunidos na sede do SATED –RJ, Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de

Diversões do Estado do Rio de Janeiro, em 05/06/2003); Ações afirmativas para negros e índios no ensino superior: as propostas dos NEABs, documento produzido no Encontro Nacional dos representantes dos NEABs (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros) de quatorze universidades públicas e duas universidades privadas, reunidos na UnB (Brasília) , em dezembro de 2002; Políticas de ações afirmativas para afro-descendentes na educação superior em Alagoas, documento proposta apresentado no Seminário Políticas Públicas de ações afirmativas para a educação superior em Alagoas para Afro-descendentes, realizado em Maceió, em 13/05 de 2003; Lei 10.639, de 9 de Janeiro de2003 (que altera a Lei 9394, de 20/12/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências).

Da pacionalidade à reflexão

A necessidade de uma ação efetiva do governo brasileiro e da sociedade em geral, através da adoção de medidas de caráter compensatório ou/e distributivas, no intuído de combater os efeitos danosos do processo histórico de segregação social, política e econômica, a que foram submetidos os negros no Brasil, sempre foi percebida e defendida por militantes históricos do movimento negro. Entretanto, a insensibilidade somada à arrogância e à conveniência ideológica, cultivada de maneira hegemônica pela elite intelectual, ou como diria Gramsci, pelos intelectuais da elite, conferiu a esta agenda de reivindicações o mesmo status de seus proponentes: a invisibilidade.

Entretanto graças a efervescências políticas contemporâneas, dessa história que resiste tenazmente a aceitar o fim que tantos lhe desejam atribuir, a temática das ações afirmativas no Brasil entra definitivamente na ordem do dia. Agora, para desespero de muitos, não mais apenas em forma de proposições teóricas, mas através de efetivos e nem por isso menos combatidos, instrumentos jurídicos.

Neste contexto a temática do combate as desigualdades raciais emergiu da esfera da indiferença para a da pacionalidade. A proposta deste livro é, graças a um bom volume de informações de caráter técnico e jurídico e de um embasamento histórico e teórico; nos conduzir da esfera da pacionalidade à da reflexão.

O debate constitucional sobre as ações afirmativas

Joaquim Barbosa Gomes

Doutor em Direito Público pela Universidade de Paris, professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa Gomes considera a temática do combate às desigualdades raciais, um tema de transcendental importância, não exclusivamente para os negros, mas para o Brasil como um todo, justamente por estar relacionado com o que ele considera ser o mais grave de todos os problemas nacionais e a raiz de todos os seus males estruturais, bem como por sua estreita relação com a temática do direito constitucional e do direito internacional (p. 16). Para efeitos didáticos, sua abordagem é subdividida em sete tópicos, conforme descrição abaixo.

1- Ação afirmativa e princípio da igualdade.

A grande questão que o autor se propõe a elucidar neste tópico é a aparente contradição entre meio e fim. Como podem as ações afirmativas terem como objetivo, a promoção da igualdade, se na verdade acabam por instrumentalizar um tratamento preferencial?

Neste sentido, Gomes procura demonstrar a evolução histórica e os desdobramentos do próprio conceito de igualdade. Concebida no contexto das revoluções burguesas, a noção de igualdade formal representou um marco no processo democrático justamente por propor a eliminação dos privilégios que caracterizavam o Antigo Regime. Entretanto, a despeito de todos os avanços capitaneados pelo Liberalismo, não é possível deixar de se reconhecer contemporaneamente, que a igualdade formal de direitos não potencializa a igualdade real dos diferentes sujeitos historicamente diferenciados no interior de uma dada ordem social.

Foi justamente esta compreensão que possibilitou o surgimento do conceito de igualdade substancial, no qual se alicerça a coerência jurídica e filosófica da diferenciação provisória e emergencial, proposta pelas Ações Afirmativas: “Da transição da ultrapassada noção de igualdade “estática” ou “formal” ao novo conceito de igualdade “substancial” surge a idéia de “igualdade de oportunidades” , noção justificadora de diversos experimentos constitucionais pautados na necessidade de se extinguir ou pelo menos mitigar o peso das desigualdades econômicas e sociais e, conseqüentemente, de promover a justiça social”(p. 20).

2- Definição e objetivos das ações afirmativas.

Reconhecendo o Direito dos EUA como o lugar de origem do conceito de políticas de ações afirmativas, Gomes as define como sendo “um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego” (p. 27).

Os principais objetivos das políticas de ações afirmativas seriam os de: a) concretizar o ideal de igualdade; b) contribuir de maneira pedagógica para a promoção de transformações de ordem cultural do imaginário coletivo com vistas a eliminação da idéia de supremacia e de subordinação racial; c) eliminar efeitos de processos históricos de discriminação; d) promover uma maior diversidade representativa com a inserção de membros de grupos tradicionalmente marginalizados, nas esferas públicas e privadas do poder econômico, político e social; e) contribuir para tornar mais efetivas as influências positivas que o pluralismo tende a exercer sob os povos de formação e composição multicultural; f) possibilitar o surgimento de exemplos vivos de mobilidade ascendente, com vistas ao estímulo e ao fortalecimento da auto-estima das novas gerações.

3- A problemática constitucional .

A alusão ao Art. 5.º da Constituição como impeditivo constitucional à adoção de políticas de ações afirmativas, é na visão do autor motivada por dois equívocos básicos: 1) o não entendimento do caráter cidadão da Constituição de 1988, expresso sobretudo nos Art. 3º, Incisos I e III; Art. 7º; Art. 37 inciso VIII; Art. 170 e incisos VII e IX. 2º); 2) o desconhecimento de que a igualdade a que se refere a constituição não é meramente uma igualdade formal e sim uma igualdade efetiva. Não se trata apenas de uma igualdade de direitos, mas a uma igualdade de se ter direito ao exercício da igualdade. “Somente a ação afirmativa, vale dizer, a atuação transformadora, igualadora pelo e segundo o Direito possibilita a verdade do princípio da igualdade, para se chegar à igualdade que a Constituição Brasileira garante como direito fundamental de todos” (p. 41).

4- Ação afirmativa e relações de gênero.

Embora não tenham sido alvo de reações tão adversas e críticas tão acirradas quanto as que vêm merecendo por parte da mídia e de certos segmentos da elite intelectual conservadora (Giroux, 1992), Gomes assinala as Leis 9.100/95 e 9504/97 que instituíram e regulamentaram cotas mínimas para candidatas mulheres nas eleições, como sendo a consagração do recebimento positivo por parte do Direito brasileiro das políticas de ações afirmativas. “Assim, as mencionadas leis consagraram a recepção definitiva pelo Direito brasileiro do princípio da ação afirmativa. Ainda que limitada a uma forma específica de discriminação, o fato é que essa política social ingressou nos “moeurs politiques “ da Nação, uma vez que foi aplicada sem contestação em dois pleitos eleitorais”(p. 44).

O tratamento preferencial dispensado às mulheres não fere o princípio de igualdade, uma vez que, reconhecendo os mecanismos socioculturais que inibem a efetiva representatividade das mesmas nas esferas do poder, busca, no espírito da própria Constituição, estabelecer condições mínimas para o gozo pleno do direito.

5- Ação afirmativa e portadores de deficiência.

No caso dos deficientes físicos, a adoção de políticas de ações afirmativas é expressamente determinada pela Constituição em seu Art. 37, inciso VIII. Esta determinação prevista na Constituição foi materializada e regulamentada pelas Leis 7.835/89 e 8112/90 (Regime jurídico único dos servidores civis da União) em seu Art. 5º.

6- Ação afirmativa e Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Neste tópico, Gomes faz alusão aos Parágrafos 1º e 2º do Art. 5º da Constituição, os quais prevêem a aplicação imediata e a validade para fins de direito, das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais e dos tratados e acordos internacionais compartilhados pela Federação.

7- Critérios, modalidades e limites das ações afirmativas.

Uma vez que as ações afirmativas pressupõem, ainda que em caráter provisório, o tratamento diferenciado dos diferentes, com vistas à promoção de uma efetiva igualação como operar adequadamente a sua aplicação, ou como estabelecer critérios válidos para essa diferenciação?

Esta diferenciação precisa ser, antes de tudo, baseado na razoabilidade, na racionalidade e na proporcionalidade. Somando-se a estes critérios deve ainda: a) decorrer de um comando constitucional; b) ser específica quanto aos “beneficiados” pela diferenciação; c) ser eficiente.

Gomes conclui fazendo duas afirmações de grande relevância para este momento. A primeira é que tão ou mais importante do que os critérios adotados na implantação das políticas de ações afirmativas, é o reconhecimento oficial por parte do Estado brasileiro da existência da discriminação racial e da nocividade social, econômica e política de seus efeitos. A segunda é que não se pode reduzir as políticas de ações afirmativas a adoção do sistema de cotas, sob pena de se reduzir a sua abrangência social e a sua importância histórica: “ação afirmativa não se confunde nem se limita às cotas”(p. 53).

Ação afirmativa e cotas para afro-descendentes: algumas considerações sociojurídicas

Luiz Fernando Martins da Silva

Sob o porquê da adoção do sistema de cotas para ingresso de negros nas universidades, ser considerado como uma estratégia legítima e necessária no combate às desigualdades raciais, Silva (advogado e professor da Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas –Rio de Janeiro, RJ) afirma: “Até existir uma classe média negra profissional, com domínio dos mesmos códigos e competências da elite, não haverá combate efetivo à discriminação racial. E o ensino superior detém as maiores taxas de retorno para o indivíduo. Portanto, na procura de mobilidade ou de ascensão social, este é o nível que mais influencia na ruptura do ciclo da pobreza” (p. 59).

O autor sustenta a sua tese, apresentando alguns dados estatísticos oficiais, nos quais é comprovada a perpetuação da enorme desigualdade educacional entre brancos e negros, desigualdade esta que se repercute no campo socioeconômico.

Embora tenham ganhado visibilidade internacional e fundamentação conceitual, a partir de sua adoção nos EUA, nos anos 50 e 60 e, com a promulgação das Leis dos Direitos Civis em 1964; Silva lembra que segundo o pesquisador Jacques d’Adesky, sua ocorrência já havia sido verificada na índia desde 1948, com o estabelecimento de cotas para beneficiar as vítimas das desigualdades sociais geradas no contexto do antigo sistema de castas.

Valendo-se do conceito de igualdade material, Souza procura demonstrar a adequação jurídica das ações afirmativa com a adoção do sistema de cotas de ingresso preferencial para negros nas universidades. “A intenção de dar-se um tratamento mais favorável a quem está em situação de desvantagem, em razão de serem grupos débeis econômica e socialmente, não caracteriza arbítrio ou violação do princípio da igualdade, pelo contrário, pretende viabilizar a isonomia material” (p. 67).

Ações afirmativas para a população negra nas universidades brasileiras

Antônio Sérgio Alfredo Guimarães

PhD em Sociologia pela Wisconsin-Madison ,professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, Antônio Sérgio Alfredo Guimarães procura desenvolver sua abordagem, reconhecidamente política, seguindo um roteiro de 5 tópicos.

1- Apequena absorção de jovens negros nas universidades brasileiras.

Através de dados estatísticos, Guimarães demonstra que a população de jovens pardos e pretos nas universidades brasileiras,mais especificamente as públicas, não corresponde ao que eles representam na composição da população nacional.

Um dado bastante curioso neste quadro comparativo onde são analisadas 5 universidades públicas, uma da Região sul (UFPR), uma do Sudeste (UFRJ), duas do Nordeste (UFBA e UFMA) e uma do Centro-Oeste (UnB), é que, a UFRJ apresenta o segundo menor percentual de alunos negros (pardos + pretos), só perdendo para a Faculdade representante da Região Sul.

2- As causas da pequena absorção de “negros”.

Utilizando-se de dados estatísticos que realizam o cruzamento entre desempenho dos alunos e o nível socioeconômico, o autor reconhece a inequívoca interferência do fator econômico, no processo de exclusão dos negros nas universidades de maior prestígio. O pertencimento à classe socioeconômica mais privilegiada, proporciona 4 grandes vantagens no processo de competição pelas vagas nas universidades: 1º) a possibilidade de dedicação exclusiva aos estudos; 2º) a freqüência aos cursos diurnos, com maior carga horária e melhor qualificação; 3º) a possibilidade de freqüentar estabelecimentos de ensino de melhor infra-estrutura; 4º) a estrutura de apoio familiar.

Além desses fatores de ordem econômica, Guimarães aponta para a interferência de fatores de ordem subjetiva: “o desempenho inferior dos grupos “pardos” e “pretos” em todas as classes socioeconômicas (exceto os pardos de classe A) sugere que há também um elemento subjetivo, talvez um sentimento de baixa autoconfiança, que interfere no desempenho dos negros em situação de grande competição, tal como ocorre também com as mulheres” (p. 77).

Por último Guimarães critica o próprio exame de vestibular como processo único de avaliação e seleção de habilidades.

3- Tipos de ações que estão sendo ou que podem vir a ser desenvolvidas

Não se trata aqui de escolher entre ações afirmativas e políticas de cunho universalistas. Ambas as formas de intervenção não são excludentes entre si, podendo inclusive ser aplicadas de maneira simultânea. Propor a adoção de cotas para negros nas universidades não significa abrir mão e nem tão pouco negar a necessidade da melhoria da qualidade do ensino fundamental e médio, do crescimento dos níveis de empregabilidade, da distribuição de renda, do aumento de vagas nas universidades públicas, da flexibilização dos processos de avaliação. “Meu argumento é de que essas políticas são necessárias, mas não suficientes, além de que levariam muito tempo para surtirem efeito” (p.79).

4- Da justiça de medidas que beneficiem membros de grupos de cor privilegiados negativamente

O objetivo das ações afirmativas não é criar privilégios nem eliminar direitos. Sua proposta é possibilitar o acesso dos membros dos segmentos marginalizados ao exercício efetivo dos seus direitos. Trata-se de uma ação inclusiva e não excludente.

5- Da exeqüibilidade de políticas que beneficiem membros desses grupos de cor.

Como estabelecer uma política de acesso com base no corte racial de uma população que não tem a racialidade como mecanismo de identificação sociocultural? Como estabelecer meios seguros de evitar que pessoas historicamente não identificadas como negras, se utilizem da auto declaração para se beneficiarem inadequadamente?

Com base em dados de uma pesquisa realizada com 14.794 alunos de graduação da USP, valendo-se das categorias do senso do IBGE, apenas 0,1% dos alunos não responderam ou utilizaram mais de uma das categorias, o que demonstra na prática que a identidade racial do brasileiro, não é assim tão fluida. Quantos aos oportunistas, ainda que não seja possível evitá-los, Guimarães propõe dificultar a sua ação aliando os critérios raciais aos critérios socioeconômicos.

Ação afirmativa e mérito individual

Sales Augusto dos Santos

Doutor em Sociologia pela UnB e membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UnB, Santos comenta neste capítulo os resultados de uma pesquisa feita junto aos alunos de pós-graduação com relação a adoção de sistema de cotas para ingresso de negros naquela universidade, bem como os principais argumentos contrários a esta medida.

Sua abordagem é subdividida em 4 partes. A primeira é introdutória, onde ele procura delinear desde o conceito de ações afirmativas, até o contexto de sua discussão e aplicação no Brasil. A segunda parte contém a apresentação dos dados da pesquisa com uma análise crítica. Na terceira parte ele discute os 4 argumentos contrários à implantação de política de cotas mais votados pelos alunos entrevistados na UnB. A quarta parte é a conclusão onde ele apresenta parte da biografia do professor Carlos Benedito Rodrigues da Silva, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão.

Santos denuncia o caráter perverso do racismo brasileiro; sua negação: “no Brasil, não somos cegos à cor/raça dos indivíduos, mas ao racismo e às suas conseqüências virulentas. Neste país, conforme afirmou o sociólogo Florestan Fernandes, surgiu uma espécie de preconceito reativo: o preconceito contra o preconceito ou o preconceito de ter preconceito” (p. 86). Segundo dados da pesquisa do Instituto Datafolha realizada em 1995, embora 89% dos brasileiros reconheçam a existência de racismo na sociedade brasileira, apenas 10% admitem praticá-lo.

Mas como o tratamento da questão racial na sociedade brasileira evoluiu de uma total indiferença para uma tamanha efervescência? Santos nos ajuda a entender um pouco melhor este percurso. Não se trata de um simples modismo inconseqüente. A questão da adoção de políticas de ações afirmativas em prol dos negros, foi introduzida na agenda do Estado brasileiro a partir da criação do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para a Valorização da População Negra, coordenado pelo professor Hélio Santos, criado em 20 de novembro de 1995 e instalado em 27/02/96, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Mas também esta iniciativa, não foi espontânea. Decorreu de um conjunto de pressões internas, oriundas das históricas e isoladas lutas anti-racistas capitaneadas pelos movimentos negros; bem como de pressões externas.

Com relação à argumentação contrária a adoção do sistema de cotas de ingresso para negros, a mais votadas pelos alunos da UnB, é justamente a que faz referência à questão do mérito. Mas não é contra o mérito do esforço individual que a política de cotas se aplica. O seu objetivo é antes ampliar a própria concepção do que seja mérito, permitindo o reconhecimento de sua ocorrência mesmo entre os menos favorecidos economicamente. “Contudo, faz-se necessário saber de quem é o mérito ou, se se quiser, quem tem mais mérito. Serão aqueles estudantes que tiveram todas as condições normais para cursar os ensinos fundamental e médio e passaram no vestibular ou aqueles que apesar das barreiras raciais e de outras adversidades em sua trajetória, conseguiram concluir o ensino médio e também estão aptos para cursar uma universidade?”( p. 113-114).

Racialidade e novas formas de ação social: o pré-vestibular para negros e carentes

Renato Emerson dos Santos

Professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Formação de Professores da UERJ, Renato Emerson dos Santos,com muita profundidade e lucidez, nos esclarece com sua abordagem, como a temática racial potencializou, numa determinada conjuntura histórica, a aglutinação e cooperação de diferentes sujeitos históricos, orientados por concepções ideológicas igualmente diferenciadas.

Essa diversidade, que de certo modo imprimiu uma maior dinâmica ao movimento dos pré-vestibulares, é também a causa de sua ambigüidade e de suas crises e rupturas internas.

O Pré-vestibular para negros e carentes (PVNC) bem como os demais pré-vestibulares comunitários representaram desde sua fase inicial e representam ainda hoje, um elemento fundamental na luta pela eliminação dos efeitos da discriminação racial. Sua missão pedagógica é anterior e ultrapassa a tarefa de capacitação para o ingresso nas universidades.

Sobre os Organizadores

Renato Emerson dos Santos e Fátima Lobato são coordenadores do Programa de Políticas da Cor na Educação Brasileira e pesquisadores do Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Sobre o Autor da Resenha

Antônio Bernardino Balbino é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil (STBSB), Professor de Sociologia da Educação do Colégio Estadual Vicentina Goulart, Mestrando em Educação pelo programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e membro do grupo de pesquisa do Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da UERJ.


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