martes, 1 de abril de 2025

Evangelista, Francisco; Gomes, Paulo de Tarso (Orgs.). (2003). Educação para o Pensar. Resenha por Walter Omar Kohan

 

Evangelista, Francisco; Gomes, Paulo de Tarso (Orgs.). (2003). Educação para o Pensar. Campinas: Editora Alínea.

211 pp.
ISBN 85-7516-067-2

Resenha por Walter Omar Kohan
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

14 de Junho de 2004

O livro contém dezoito trabalhos apresentados nos Encontros de “Educação para o Pensar” que foram celebrados, na Unidade Campinas do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, desde 1997 até presumivelmente 2002 (o livro não o explicita claramente). Ele apresenta uma diversidade de temáticas e linhas teóricas que confluem na proposta de “Educação para o pensar” que tem como referencial teórico principal o filósofo estadunidense Matthew Lipman.

Pelo menos três capítulos, que parecem ter inspirado o título dos Encontros e, conseqüentemente, o do livro, se concentram em apresentar o programa “filosofia para crianças” de sua autoria. No capítulo 1 (“Filosofia para crianças – Educação para o pensar”), Marcos Lorieri, uma das pessoas mais seriamente envolvidas no trabalho com o programa de filosofia para crianças no Brasil, faz uma apresentação dos objetivos do programa, com ênfase nas habilidades cognitivas (de investigação, de raciocínio, de formação de conceitos e de tradução) que ele desenvolve. Trata-se de um texto descritivo e convidativo a experimentar as bondades da proposta. No capítulo 10 (“Filosofia Viva... Encharcada na Vida”), Sílvio Wonsovicz apresenta os objetivos e desafios filosóficos de um tal programa de educação para o pensar nos dias de hoje. Propõe, como estratégias, “formar cidadãos críticos, criativos e ponderados” e “aprender a aprender” e conclui apresentando as qualidades de um líder que ele mesmo diz ser “nesse tempo da filosofia com crianças no Brasil” (p. 110). Finalmente, no capítulo 11 (“A educação para o pensar de Matthew Lipman”) Francisco Evangelista se concentra em mostrar os princípios metodológicos do programa filosofia para crianças, que descreve em oito passos (p. 115-6). Da atenção, também, aos momentos da formação de professores e monitores que trabalham com o programa. Em seu conjunto, estes três capítulos têm a finalidade de apresentar, exibir, e ilustrar os princípios, métodos e objetivos de “a educação para o pensar”.

Outros dois capítulos exploram o ensino de filosofia ao nível médio. No capítulo 5 (“Ensino de Filosofia na Educação Média: em Torno da Questão Valorativa”), Sílvio Gallo contextualiza a presença e ausência da disciplina ‘filosofia’ nos currículos de ensino médio do Brasil e discute o sentido que o ensino de filosofia em nível médio poderia ter atualmente neste país. Gallo destaca, como sentido principal da presença da filosofia, sua contribuição para que os jovens exerçam a cidadania de forma ativa e percebam a dimensão valorativa de suas vidas: isto significa que se percebam a si próprios como pessoas que criam e constroem valores significativos para eles e para as suas comunidades. No capítulo 13 (“A filosofia no novo ensino médio: uma presença inócua?”), Dalton José Alves discorre sobre a situação legal ambígua da filosofia no nível médio atual: embora a LDB considera que os jovens deverão ao concluir o ensino médio dominar “os conhecimentos de filosofia e sociologia necessários para o exercício da cidadania” (LDB 9394/96, art. 36; par. 1; inc. 3), a presença da filosofia nos currículos de ensino médio não está garantida e o autor chama a lutar pela inclusão da filosofia como disciplina obrigatória.

Outros seis capítulos estudam implicações sociais, éticas e políticas da educação, de alguma forma conectadas com estes capítulos que acabamos de sintetizar. O capítulo 14, “Pensando a Ética e a Educação”, de Cássio Donizete Marques, aponta para a dimensão valorativa já sinalizada por Sílvio Gallo. O autor parte do princípio de que a ética é o critério fundamental da ação humana. Marques aborda a relação entre ética e educação de duas formas: a) a ética como ciência que surge da educação; b) a ética como reflexão sobre a prática educacional. Na sua última parte, “Ética e educação na obra Luísa”, o autor apresenta os princípios que conformam a dimensão ética da comunidade de investigação proposta por Lipman.

Os outros cinco capítulos desta temática não fazem qualquer referência ao ensino de filosofia ou a uma “educação para o pensar”, temática central do livro. No capítulo 3 (“A construção de um Projeto Político Pedagógico”), Maria Márcia Sigrist Malavazi destaca alguns princípios na construção de um projeto político pedagógico na escola: a utopia, o planejamento participativo, o aluno como centro, o trabalho coletivo, a coerência nos princípios e objetivos norteadores, a metodologia dos temas geradores, a auto-avaliação do aluno e do professor e a apresentação de conteúdos significativos. No capítulo 7 (“Educação Social e Utopias na América Latina”), Gabriel L. Santiago apresenta diversas forma de entender o conceito de utopia e defende a alternativa utópica da educação popular. No capítulo 9 (“Educação e Cidadania”), Lídia Maria Rodrigo contrapõe uma visão burguesa e conservadora da cidadania (que supõe um cidadão passivo, com direitos e deveres pré-constituídos, no marco do poder jurídico constituído) a uma nova visão de cidadania contida na luta dos movimentos sociais contemporâneos. Neles, a cidadania não é algo que se outorga mas algo que se conquista. Esta noção de cidadania rompe a idéia tradicional de que a cidadania se constitui na relação de um indivíduo com o Estado “para promover sua articulação no âmbito da própria sociedade civil” (p. 100). Este “novo sentido” de educar para a cidadania parte da luta de classes como princípio e tem como objetivo instaurar a igualdade a partir de lutas concretas. Por sua vez, no capítulo 18 (“Estatuto da Criança e do Adolescente”), Ramón Llonguera Arola, Sueli Maria Pessagno Caro e Wilson Roberto Aparecido Montevechi analisam a implantação da doutrina de proteção integral da infância no Brasil, desde a década de setenta até o Estatuto da Criança e do Adolescente, sancionado em lei em julho de 1990. O texto analisa algumas noções envolvidas numa tal doutrina de proteção integral, particularmente as noções de família, escola e comunidade. Finalmente, o capítulo 17, “Família & Escola: “Mamãe, a Professora Quer Falar com Você. Eu Não Fiz Nada “”, de Tânia Mara Tavares da Silva, traz uma análise das abordagens sobre a instituição familiar, com particular interesse no marco teórico dado por teóricos da história das mentalidades e por análises antropológicas. A autora analisa as causas dos ruídos na relação entre a instituição escolar e a instituição familiar e apela para que a escola busque e encontre a família real, em virtude de processo histórico que a faz mudar constantemente. Em palavras da autora: “Há que se compreender que a pluralidade da organização familiar, que existiu também no passado, é hoje uma realidade cada vez mais preponderante na medida em que hoje não temos nem mais um modelo ideal que deveria ser seguido (p. 197).

Outros dois capítulos enfatizam o papel fundamental que a filosofia tem na formação das pessoas. No Capítulo 2, Filosofia e Formação Humana: A Criança”, Régis de Morais define três tipos possíveis de interação do ser humano com o mundo, baseadas cada uma delas em nível biológico: a) interação passiva (marcada por reduzidíssima atividade do cérebro criativo); b) interação reflexivo-ordenadora (ainda desprovida de tais manifestações); c) interação reflexivo-criadora (baseada na capacidade interpretativa e inovadora do cérebro criativo). A filosofia – “elemento básico de construção de sentido, de articulação cultural do saber” (p. 31) - desempenha um papel vital para que uma tal interação reflexivo-criativa possa ter lugar, tanto na formação dos professores quanto no desenvolvimento da criança. Em “A importância da Filosofia na Formação das Crianças e Adolescentes” (Capítulo 4), Antônio J. Severino oferece um leque de sentidos para justificar a presença da filosofia nos níveis fundamental e médio de ensino. Diante de um mundo em crescente barbarização, segundo Severino, a única saída é “o conhecimento fecundando a ação” (p. 44) e a educação está chamada a consumar esse vínculo. Frente às alternativas da religião, da ideologia política e da afetividade, Severino defende que cabe à filosofia oferecer sentidos à existência humana. De forma análoga, o ensinamento de uma doutrina religiosa ou de uma ideologia política é incompatível com a liberdade que supõe a dignidade humana: o lugar da formação religiosa das crianças e dos jovens é a comunidade familiar ou eclesial, mas não a escola; o da formação política, o partido (p. 49); o cultivo da afetividade, importante e necessário, carece de significação se o educando não compreende o sentido das suas emoções. Por estas razões, Severino coincide com Régis de Morais: a filosofia e os conhecimentos filosóficos se tornam insubstituíveis na formação das crianças e jovens.

No capítulo 12, “Lipman e Vygotsky: Educando o Pensamento por Meio da Fala Razoável”, Paulo de Tarso Gomes apresenta Lipman mais como um estrategista do que como um teórico da educação, mais um professor do que um filósofo da educação. Figuras fundamentais para este professor estrategista são Sócrates e Vygotsky. O primeiro, na medida em que Lipman é um neo-socrático, alguém que aposta no diálogo com as pessoas, que busca “fazer pensar” as pessoas e que, como seu mestre, e acusado de “doutrinador neoliberal, manipulador de mentes, falsificador ou barateador da grande filosofia” (p. 131). Segundo Gomes, Lipman descobre em Vygotsky a construção social da mente e a sua comunidade de investigação não é senão “uma estratégia de implantação de uma zona de desenvolvimento proximal discursiva, em que ao mesmo tempo que se raciocina, o raciocínio não é solitário nem autodidata; não há o aluno universal; há apenas o colega com quem se discutem os sentidos das coisas” (p. 130). Afinal, o saldo é muito positivo: se não se pode dizer que Lipman seja um revolucionário também não pode negar-se que a estratégia de expressividade do significado social do pensamento que ele promove é a pedra fundamental de uma educação que se entende democrática.

Dois capítulos fazem considerações de ordem meta-filosófico sobre o ensino de filosofia. Em “Adorno, Rorty e o Ensino da Filosofia”, Paulo Ghirardelli Jr. defende a tese de que a diferença entre o professor de filosofia e o filósofo é que o primeiro não pode errar, embora fatalmente errará, e o segundo deve errar (p. 65). Com isto quer dizer que o que o professor de filosofia deve ensinar é uma leitura consensual de um filósofo enquanto que um filósofo sempre lê outro filósofo no dissenso. No que um filósofo erra é em não repetir a leitura mas ou menos consensuada da comunidade filosófica a respeito de algum filósofo. Com base em Adorno e Rorty, Ghirardelli afirma que o amor está na base do ensino de filosofia: “Amor, par ambos, Rorty e Adorno, é uma coisa só: manter-se aberto, com todos os poros, todos os sentidos, todos os sentimentos para o discurso alheio, livre e de maneira plural.” (p. 70). Assim, esse amor condensaria o paradoxo do bom professor de filosofia: ensinar o consenso para provocar o dissenso. No capítulo 15, “Apontamentos em torno de uma Experiência com o Ensino de Filosofia”, Américo Grisotto narra uma experiência de ensino de filosofia com alunos de ensino fundamental e médio em escola particular. Grisotto descreve o objetivo principal (“estimular o aluno a escrever e falar sobre questões centrais na sua forma de perceber o mundo”, o que foi deixando mais espaço para a forma do aluno “se perceber no mundo”) e a metodologia (textos escritos pelo autor seguidos de roteiro de perguntas e discussão, o que foi se tornando menos abstrato e mais concreto sucessivamente) desta experiência. O texto inclui conclusões filosóficas e pedagógicas do autor a partir desta experiência.

Um tom dissonante oferece o capítulo 8, “Escola, Infância e vicissitudes da Modernidade”. Ali, Leandro de Lajonquiere apresenta um texto que polemiza com a tônica dominante de muitos dos capítulos deste livro. O autor apresenta o conceito de ilusão (psico) pedagógica que, segundo denuncia, “sonha o ato de educar no registro de conaturalidade psicológica, na qual a intervenção dos adultos, a legalidade escolar, desprovida de toda arbitrariedade, “faz relação” com a capacidade moral natural das crianças de exercitarem a ética em relação ao próximo”. O autor afirma que os PCN compartilham esta ilusão e não percebem o caráter modernamente arbitrário da imbricação escola – infância , e do estatuto psíquico da mesma para a criança. Mas não apenas os PCN podem ser interpelados. Qualquer leitor desta resenha poderá perceber em que medida as idéias principais deste capítulo interpelam boa parte dos outros capítulos deste mesmo livro e, inclusive, à própria filosofia para crianças. Em que medida, poderíamos perguntar, com Lajonquiere, o programa de Lipman não faz parte dessa mesma ilusão (psico) pedagógica?

Esta descrição sumária dos conteúdos do livro deve permitir apreciar ao leitor o caráter eclético do livro. Como quase toda antologia, o nível dos textos é irregular e muitos deles sequer parecem justificar sua inclusão num mesmo livro, com a temática de educação para o pensar. Neste sentido, a interlocução entre os textos fica mais por conta do que eventualmente faça o leitor do que o que efetivamente tenham podido fazer os autores. Porém, se a avaliação de um livro depende menos do que ele mesmo realiza do que ele promove; se ela dá lugar ao que o livro permite ler e pensar, aos caminhos que ele abre aos seus leitores e às oportunidades de encontros que propicia, este livro pode inspirar mais de um encontro e mais de um pensamento.

O campo da “educação para o pensar” é um espaço aberto e controverso. A própria denominação “educação para o pensar” o é: o que parece uma entificação do pensamento e sua situação como objetivo, como algo a ser alcançado, são muito problemáticas. E muito mais o é o modo em Lipman responde a pergunta “o que significa pensar?”, sua hierarquização do pensar em pensar com níveis (de ordem superior e ordinário, alto nível e baixo nível e outros semelhantes), sua concepção do pensar em habilidades, bem como seu pressuposto de que seja possível ensinar a pensar, de que o pensar é algo que se outorga, que se passa de alguém para outro. Trata-se de questões que têm repercussões políticas, filosóficas, educacionais que precisam ser discutidas e debatidas e um livro como este pode ajudar a pensar algumas dessas perguntas.

Em outros trabalhos temos sintetizado o que consideramos os principais desafios dessa tarefa (cf. por exemplo, Kohan, 2000, p. 119 ss.), que pensamos sob três eixos norteadores: desafios filosóficos, metodológicos e político-institucionais. Os primeiros dizem respeito à necessidade de pensar, basicamente, três perguntas: “Por que filosofia?”, “O que é a filosofia?” e “¿Para que filosofia para crianças?”. Os segundos estão dados pela motivação de pensar outras três perguntas: “o que é um bom professor?”, “O que significa aprender?” e “Como ensinar a filosofar?”. Os terceiros, pelo interesse em pensar, pelo menos, outras três perguntas: “qual o sentido de praticar filosofia com crianças nas escolas brasileiras de hoje?”, “Qual o papel de filosofia para crianças no sistema educacional brasileiro?” e “Quais as estratégias políticas mais adequadas para tal função?”.

O que consideramos que não ajuda a este debate é o tipo de posição “Lipman sim” ou “Lipman não”. É a postura de filósofos e outros acadêmicos que desqualificam a idéia sem sequer considerá-la, só pelo nome ou pela origem. Há também os que com semelhante falta de vocação filosófica a abraçam como se fosse uma panacéia pedagógica ou mais um entre os produtos que o mercado tem hoje para oferecer à escola. Uns e outros não contribuem muito para sua exploração filosófica. Em filosofia, a questão central é pensar, com ou contra, mas com ênfase na produtividade das idéias e não na sua suposta moralidade. Estas últimas posturas imobilizam a crítica, coração da filosofia. Trata-se antes de explorar pressuposições, analisar o que é considerado evidente e porque é assim considerado, avaliar possíveis conseqüências e formas alternativas às afirmadas, estimar os compromissos políticos explícitos e implícitos, enfim, pensar os “por quê”, os “para quê” e os “como”.

Educação para o Pensar consegue, pelo menos em muitos capítulos, fugir deste pseudodebate dos a favor e dos contra a filosofia para crianças e se colocar algumas dessas perguntas que permitem problematizar a idéia de Lipman. No fundo, se trata de uma idéia: reunir a filosofia com as crianças. O que interessa é o que pode render essa idéia, filosófica, política e educacionalmente. É claro que Lipman não apenas aportou esta idéia, também a institucionalizou e hoje a idéia se pratica no mundo todo, Brasil inclusive. Importa fazer uma avaliação dessa institucionalização, desse movimento. Educação para o Pensar não dá muitos elementos para isso. Também não é seu objetivo. Mas se se trata de pensar a idéia originária de Lipman, sem cair no reducionismo do “a favor ou do contra”, então a Educação para o pensar merece atenção e, talvez, nos ajude a pensar no que a própria educação para o pensar não pensa nem ajuda a pensar.

Refêrencias

Kohan, Walter (2000). Filosofia par Crianças. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

Lipman, Matthew (2001). Philosophy for children: Some Assumptions and Implications. Ethik und Sozialwissenschaften, 12/4, 405-417.

Acerca dos autores do livro

Francisco Evangelista é Mestre em Educação pela PUC-Campinas. Professor do Centro Universitário Salesiano e São Paulo&3151;Unidade Campinas.

Paulo de Tarso Gomes é Doutor em Educação pela UNICAMP. Professor e Coordenador do Mestrado do Centro Universitário Salesiano de São Paulo - Unidade Americana.

Acerca do autor da resenha

Walter Omar Kohan é professor titular de filosofia da educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Áreas de interesse: filosofia da educação, ensino de filosofia, filosofia antiga, filosofia política. E-mail: walterk@uerj.br


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